Florestan Fernandes, inspirador da chamada “escola histórico-sociológica de São Paulo”

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Considerado um dos principais sociólogos do Brasil

 

Florestan Fernandes (São Paulo, 22 de julho de 1920 – São Paulo, 10 de agosto de 1995), sociólogo e político brasileiro. Foi duas vezes deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Poucos homens de ciência, no Brasil, podem ser considerados como criadores de uma escola de pensamento. Entre esses poucos, destaca-se o nome do professor Florestan Fernandes, o inspirador da chamada “escola histórico-sociológica de São Paulo”.

Florestan Fernandes nasceu em São Paulo, no dia 22 de julho de 1920. De origem humilde, Florestan foi engraxate na infância e garçom até ingressar na universidade. Essa trajetória marcou a preocupação social de seu trabalho acadêmico.

Sua luta pela vida começou já na infância, para conquistar o próprio nome – já que patroa de sua mãe o chamava de Vicente, por considerar que Florestan não era nome de pobre – e sobreviver começou a trabalhar aos seis anos, o que o impediu de completar o curso primário e o levou a se formar no curso de madureza (supletivo).

Era vendedor de produtos farmacêuticos quando, aos 18 anos, ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947, formando-se em ciências sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre docente e professor titular na cadeira de sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra.

O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e professor universitário com mais de cinquenta obras publicadas, transformou as ciências sociais no Brasil e estabeleceu um novo estilo de pensamento.

Foi mestre de sociólogos renomados, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Cassado com base no AI-5, em 1969, deixou o país e lecionou nas universidades de Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Yale (EUA). Retornou ao Brasil em 1972 e passou a lecionar na PUC-SP. Não procurou reintegra-se à USP, da qual recebeu o título de professor emérito em dezembro de 1985.

 

O sociólogo e ex-deputado federal Florestan Fernandes, foi pontado por seus discípulos como um dos principais responsáveis pela consolidação da sociologia no país. Florestan soube como poucos conciliar a vida acadêmica com a militância política.

A paixão política não impediu que Florestan imprimisse a seu trabalho acadêmico um rigor científico que ficou ligado de forma indissociável à sua imagem.

A carreira acadêmica de Florestan começou na USP em 1945. Desde então, teve um papel fundamental no desenvolvimento da sociologia no país e tornou-se um paradigma na área.

Em 1965, Florestan tornou-se professor titular da USP, após defender tese “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”, em 1964. Em abril de 69, foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5.

Perseguido e sem condições de exercer sua profissão no Brasil, exilou-se no Canadá, tendo se tornado professor titular da Universidade de Toronto. Em 1972, decidiu retornar ao Brasil.

A preocupação com a realidade se manifestou também na intensa publicação de trabalhos em jornais. Florestan era colunista da Folha desde 1989. Ele escrevia às segundas-feiras na página 2.

Petista, exerceu dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991-1995). Um dos últimos marxistas notáveis da legenda, acreditava em uma revolução socialista.

Florestan esteve ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde sua fundação. Em 1986 filiou-se ao partido e exerceu dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991-1995).

No PT, Florestan era um mito. Simpatizante dos grupos mais ortodoxos do petismo, transitava em todas as alas sem hostilidade.

Colaborou com a Folha desde os anos 40 e, em junho de 1989, passou a ter uma coluna semanal nesse jornal.

Florestan não via o destino da ex-URSS como o fim do socialismo e do marxismo, nem a globalização como a esperança dos excluídos – ao menos, dizia, enquanto o “capitalismo da fase atual não conseguir uma equação definitiva para a questão social”.

 

 

CARREIRA ACADÊMICA

 

Bacharelado

 

Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1941-1943)

 

Licenciatura

 

Curso de Didática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (1944)

 

Pós-Graduação

 

Sociologia e Antropologia, na Escola Livre de Sociologia e Política, São Paulo (1945-1946)

 

Mestrado

 

Ciências Sociais (Antropologia), pela Escola Livre de Sociologia e Política (1947), com a tese “A Organização Social dos Tupinambá”

 

Doutorado

 

Ciências Sociais (Sociologia), pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (1951), com a tese “A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá”

 

Livre-Docência

 

Cadeira de Sociologia 1, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (1953), com a tese “Ensaio sobre o Método de Interpretação Funcionalista na Sociologia”

 

Professor Titular

 

Cadeira de Sociologia 1, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (1964), com a tese “A Integração no Negro na Sociedade de Classes”

 

PRINCIPAIS CARGOS

 

– Acadêmicos

 

1. Professor titular da Cadeira de Sociologia 1 da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, afastado /2/1965). Afastado sob aposentadoria compulsória em 24/4/1969 pelo Ato Institucional nº 5

 

2. Professor titular na Universidade de Toronto, Canadá (1970-1972), que resignou em fins de 1972, quando decidiu regressar ao Brasil

 

3. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a partir de 1978.

 

4. Professor visitante na Columbia University, Estados Unidos (1965-1966)

 

5. Professor visitante da Yale University, Estados Unidos (1977)

 

– Legislativos

 

1. Deputado federal constituinte pelo PT (1987-1991)

 

2. Deputado federal pelo PT (1991-1995)

 

PRÊMIOS E DISTINÇÕES

 

– Prêmio Sociedade Brasil-Israel, São Paulo, 1966

 

– Prêmio The Anisfield-Wolf Award in Race Relations for 1969 (Cleveland Foundation sponsored by the Saturday Review)

 

– Título de Professor Emérito, Universidade de São Paulo, 1985

 

– Doutor Honoris Causa, Universidade de Utrecht, 1986

 

– Doutor Honoris Causa, Universidade de Coimbra, 1990

 

– Ordem Nacional do Mérito Educativo, grau de Grande Oficial, Ministério da Educação, 1993

 

– Prêmio Almirante Álvaro Alberto/Ciências Humanas, Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República/CNPq, 1993

 

– Ordem do Rio Branco, grau de Grande Oficial, Ministério das Relações Exteriores, 1995

 

“Florestan representou um marco na sociologia, no sentido de exigência de rigor de pesquisa, metodologia e seriedade de interpretação”, disse o historiador Jacob Gorender.

Na opinião de Gorender, Florestan conseguiu algo raro: tornar-se o líder de uma escola de pensamento social. Nessa condição, influenciou gerações de sociólogos. O mais famoso deles é o presidente Fernando Henrique Cardoso, que considera Florestan um de seus principais mentores.

Na opinião do diretor da Faculdade de filosofia da USP, João Baptista Borges Pereira, Florestan foi o renovador da sociologia no Brasil. “Ele dizia a seus estudantes que, ao trabalharem com ciências sociais, deveriam ter um compromisso com a realidade que os circundava”, disse Pereira. Outro aspecto dessa orientação, segundo Pereira, foi a realização de trabalhos em áreas até então negligenciadas, como a questão racial.

Florestan Fernandes morreu em São Paulo no dia 10 de agosto de 1995. Ele se recuperava de um transplante de fígado.

A militância política de Florestan estava retratada em seu velório. Atrás de seu caixão, pendiam duas bandeiras vermelhas -uma do PT e uma do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A elas foi acrescentada uma coroa de flores vermelhas em formato de estrela, rodeada de rosas brancas.

No final do velório, Florestan foi homenageado por professores, alunos e grupos de negros. O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) falou em nome do PT.

Florestan carregou até a morte a convicção de que o socialismo era o melhor caminho para o país. Quando entrava na sala de cirurgia na sexta-feira, disse uma frase que é o retrato da paixão que o acompanhou por toda a vida: “O que me mantém vivo é a chama do socialismo que está dentro de mim”.

Florestan foi velado durante todo o dia no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).

O velório reuniu intelectuais, lideranças do PT e representantes do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre os quais a primeira-dama Ruth Cardoso. Assim como FHC, ela também foi aluna de Florestan na década de 50.

(Fonte: www.almanaque.folha.uol.com.br – Renato Roschel do Banco de Dados)
(Fonte: Veja, 16 de agosto, 1995 – ANO 28 – N.° 33 – Edição 1405 – MEDICINA – Pág; 83)
(Fonte: Veja, 20 de agosto, 1975 – DATAS – Pág; 79 – LITERATURA – Pág; 64/65)

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/8/11/brasil – FOLHA DE S.PAULO – BRASIL / DA REPORTAGEM LOCAL – São Paulo, 11 de agosto de 1995)

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Sociólogo conciliou ciência e política

Como conciliar rigor acadêmico e militância política é uma questão que tem atormentado, senão mesmo paralisado, muitos intelectuais do nosso tempo. São poucos os que, como Florestan Fernandes, conseguiram satisfazer as demandas, por vezes contraditórias, desses dois tipos de envolvimento.

A maioria acabou por sucumbir ao desafio, ou abandonou o trabalho intelectual para dedicar-se à política, ou sacrificou a militância às exigências da academia. Esse dilema é peculiar ao nosso tempo, quando o intelectual se profissionalizou e suas atividades como professor, pesquisador e escritor tornaram-se cada vez mais absorventes, em detrimento do engajamento político. Por isso, muitos intelectuais deixaram de crer na cultura engajada e o próprio termo passou a ser suspeito. Para isso, também contribuiu a polarização causada pela Guerra Fria, que levou a enfrentamentos e perseguições, reduzindo o espaço de liberdade dentro da universidade.

No Brasil dos anos 60, a universidade pagou seu preço. Vários intelectuais de renome foram afastados de seus cargos com enorme dano para o ensino e a pesquisa -entre eles Florestan Fernandes, que ocupava então uma cátedra de sociologia da Universidade de São Paulo. Anos depois, com a anistia, muitos voltaram à universidade. Outros preferiram continuar seu trabalho à margem dela. Essa foi a escolha de Florestan Fernandes.

Terminada a repressão militar, uma outra forma de repressão mais insidiosa se instalou. A competição acadêmica continuou o trabalho de repressão que o Estado iniciara. Os trabalhos de Florestan foram alvo de críticas. Florestan sentiu-se isolado: “Cheguei a pensar que não era reprimido pela ditadura, mas por meus antigos companheiros, confessou. Mas continuou, com o mesmo vigor, a publicar seus livros, mantendo-se sempre fiel às suas ideias e à militância política. Embora tenha sido sempre um espírito livre, avesso a disciplinas partidárias e cioso de sua independência, ele aceitou em 1986 o convite do PT para concorrer a deputado federal. Foi eleito por uma ampla margem de votos.

A prática cultural engajada que caracterizava os anos 60 -e que subsiste com grandes dificuldades nas regiões onde a profissionalização do intelectual foi tardia ou incompleta- tende a desaparecer entre nós. Cada vez mais encerrado na torre de marfim da academia, consumido pela burocratização, às voltas com relatórios e pareceres, à caça de bolsas e convites para participar de encontros internacionais, obrigado a seguir modas de momento, o intelectual dos nossos dias raramente se enquadra nos modelos gramscianos.

É preciso lembrar, no entanto, que os intelectuais que conseguiram resolver de maneira satisfatória o dilema trabalho intelectual e militância foram os que exerceram maior impacto na cultura. Esse é o caso de Florestan Fernandes, professor, autor e político, crítico implacável das elites brasileiras, incansável porta-voz dos interesses do povo. Florestan é, sob todos os pontos de vista, um marco na história da cultura brasileira. Um exemplo para as novas gerações.

Florestan entrou para a universidade no momento em que esta, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, iniciava um processo de democratização, visando a criar uma nova elite intelectual. De família modesta, trabalhando desde criança -como engraxate, ajudante de alfaiate, garçom- para ajudar no seu sustento, nunca esqueceu de suas origens. Estas, em parte, explicam suas preferências metodológicas, sua temática, seu programa e sua vocação socialista. Não foi por acaso que ele foi encontrar em intelectuais progressistas – C. Wright Mills, Thorstein Veblen, Max Weber, Karl Mannheim e Karl Marx- o material com o qual elaborou uma síntese original.

Suas opções teóricas encontraram apoio no momento político do pós-guerra, quando vários setores da população se mobilizaram nas lutas pelo desenvolvimento e pela democracia que caracterizaram a era Vargas e o período JK e culminaram no momento reformista do governo João Goulart.

Depois da Revolução Cubana em 1959, o clima na América Latina era de otimismo, reforma e mobilização popular. No Chile, Eduardo Frei e depois Salvador Allende pareciam inaugurar uma nova era. Na Europa, intelectuais como Sartre faziam da militância uma profissão de fé. Nada mais natural que no Brasil muitos intelectuais seguissem essa trajetória. Os sonhos e as ilusões desse período, no entanto, se dissiparam diante da realidade dos golpes militares e da repressão. Hoje vivemos outros tempos e tudo isso pode parecer remoto. Mas a história desse período é essencial para compreender a vida e a obra de Florestan Fernandes.

Cinquenta anos se passaram desde o momento em que ele iniciou sua atividade intelectual na USP. Nesse período, ele publicou mais de 35 livros e numerosos artigos. Em todos eles revela uma profunda preocupação com a criação de uma sociedade mais humana, isto é, mais democrática e mais livre. A sociologia foi sempre para Florestan um instrumento para a consecução desse ideal. Por isso se preocupou tanto em aperfeiçoar os seus métodos.

Podem-se distinguir alguns temas fundamentais na sua obra. A luta contra o racismo, que se evidencia em “Integração do Negro na Sociedade de Classes” e “O Negro no Mundo dos Brancos” (1970); a análise da formação da sociedade brasileira em “A Revolução Burguesa no Brasil” (1975); a avaliação crítica da sociologia em “Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica” (1963), “Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada” (1960), “A Sociologia numa Era de Mudança Social” (1963), “Elementos de Sociologia Teórica” (1970) e “A Sociologia no Brasil” (1977); a preocupação com a educação em “A Educação e Sociedade no Brasil” (1966) e “Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução?” (1975); a crítica ao governo militar e à Nova República nos ensaios de “Circuito Fechado” (1976), “A Ditadura em Questão” (1982), “A Nova República” (1986); finalmente, seu interesse pela América Latina levou-o a publicar “Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina” (1973) e “Da Guerrilha ao Socialismo -A Revolução Cubana” (1979), e “Poder e Contra-Poder na América Latina” (1981).

Tão importante quanto suas pesquisas foi seu trabalho de professor. Conhecido internacionalmente como o responsável pela criação de um grupo de pesquisadores notáveis, que vieram a reformular a sociologia no Brasil, conferindo-lhe um rigor que jamais tivera. Florestan teve, entre seus alunos, intelectuais do porte de Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Paul Singer, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Luis Pereira, Eunice Durham e muitos outros.

Recentemente, em 1993, numa entrevista à Folha, Florestan reafirmava sua fé no socialismo, que ele encara como um processo constantemente em transformação, e na democracia, que ele vê como uma conquista das classes populares e não como dádiva das elites ou do Estado. Pode-se concordar ou não com ele, mas é impossível deixar de admirar sua coragem, seu espírito incansável, a consistência de suas posições e, principalmente, o admirável equilíbrio entre militância política e rigor científico que conseguiu realizar.

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/8/11/brasil – FOLHA DE S.PAULO – BRASIL / Por EMÍLIA VIOTTI DA COSTA / ESPECIAL PARA A FOLHA – São Paulo, 11 de agosto de 1995)

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