Faria Lima, militar e ex-prefeito de São Paulo.

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O FUTURO PERDE FARIA LIMA

Faria Lima (Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1909 – Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1969), militar e ex-prefeito de São Paulo. O futuro de São Paulo – e talvez do Brasil – perdeu um de seus maiores nomes na noite de 4 de setembro, no Rio de Janeiro. Interrompeu a reunião extraordinária dos três ministros militares com o Chanceler Magalhães Pinto, no Itamarati, quando discutiam sobre o sequestro do embaixador americano no Brasil. Ainda no Rio de Janeiro, dia 4 de setembro, generais, políticos, marechais, ministros, almirantes, ex-ministros, brigadeiros lhe prestaram a última homenagem. Homens igualmente importantes, davam ao mesmo tempo, uma ideia da importância que o Brigadeiro José Vicente de Faria Lima ainda teria. O Governo de São Paulo era o cargo que a maioria de seus amigos lhe previa. Para outros, ele viria a ocupar um Ministério. Havia, também, quem o antevisse como Presidente da República.

Previsões seguras – Todas as previsões do importante futuro de Faria Lima baseavam-se, principalmente, em seu trabalho como prefeito de São Paulo, de abril de 1965 a abril de 1969. Desde a extinção de 83 000 formigueiros até a construção de mais de 2 000 salas de aulas, passando por centenas de viadutos e grandes avenidas, esse trabalho de quatro anos transformou por inteiro a cidade de São Paulo. Mais que a estrutura, transformou a mentalidade de uma cidade impressionante, onde se encontram mais de 68 raças diferentes, onde vivem mais nordestinos que no Recife, onde alguns bairros – Santana, Mooca e Ipiranga – tem mais de 600 000 habitantes, uma população superior à da maioria das capitais brasileiras. Ao tomar posse, depois de uma eleição que disputou com mais sete candidatos, era um homem pouco conhecido, um prefeito sem grande base popular (teve pouco mais de 400 000 votos, numa cidade de mais de 5 milhões de habitantes). Ao deixar a Prefeitura, São Paulo quase em peso estava ao seu lado. Uma pesquisa sobre quem os paulistanos consideravam, em 1968, o homem mais importante do mundo, indicava o nome de Faria Lima em segundo lugar, superado apenas pelo Papa Paulo VI. Sua fotografia foi a escolhida para os cartazes de propaganda da Feira Nacional da Indústria Têxtil – Fenit – de 1968 (outros indicados: Pelé e Roberto Carlos). Uma pesquisa no Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE – verificava que 95% dos paulistanos aprovavam a obra do Prefeito Faria Lima.

Um estilo diferente – Como foi possível, em quatro anos, unir um povo em torno de um homem que até seus amigos mais íntimos definiam como ríspido, brusco, sem habilidade política? Trabalhando, costumava responder Faria Lima. Tinha pretensões políticas: gostaria de reeleger-se prefeito, se isso fosse possível; pensava em governar São Paulo – mas seu estilo de ação era diferente. Antes das articulações e dos acordos, ele trabalhava (ao contrário do método tradicionalmente empregado pelos políticos brasileiros, que garantem um cargo através de acordos e articulações preliminares). Entrou para a política em 1954, pelas mãos do Governador Jânio Quadros, que conhecia seu trabalho de criador, organizador e comandante do Campo de Marte (o parque da Aeronáutica em São Paulo). A presidência da VASP foi o seu primeiro cargo fora da carreira militar. Recuperou a empresa, aumentou as linhas, pagou dívidas antigas – e foi para a Secretaria de Viação e Obras Públicas. Os 2 000 quilômetros de estradas asfaltadas, uma das marcas mais espetaculares do Governo Jânio, devem-se em grande parte ao trabalho de Faria Lima. Jânio saiu, Carvalho Pinto entrou para o Governo – Faria Lima continuou Secretário de Viação e Obras Públicas. Setenta por cento do Plano de Ação, uma das marcas mais importantes do Governo Carvalho Pinto, deve-se em grande parte ao trabalho de Faria Lima. Em 1960, Jânio Quadros elegeu-se Presidente – Faria Lima foi para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Renunciou em 1961, junto com o Presidente. Até então, Faria Lima era um desconhecido, um nome inevitavelmente ligado a Jânio Quadros ou a Carvalho Pinto.

Um novo nome – A Prefeitura de São Paulo projetou-o politicamente. A colher de pedreiro sustentando uma rosa vermelha, símbolo gráfico do slogan “Cidade que se humaniza”, difundiu pelos outros Estados a imagem de sua administração. De todos os nomes novos surgidos no noticiário político depois da Revolução de 1964, o de Faria Lima era um dos que mais se destacavam. Tinha acesso aos líderes militares. Foi contemporâneo da maioria dos oficiais-generais em comando. Ao mesmo tempo, tinha influência entre os civis, com os quais trabalhou desde o Governo Jânio Quadros. Era carioca, tinha ligações no Rio de Janeiro, mas nasceu e cresceu politicamente em São Paulo. Fraco como orador, conseguia prender a atenção das massas falando de suas realizações. As colunas políticas dos mais importantes jornais brasileiros citavam-no quase diariamente, indicando-o como solução em diferentes ocasiões. Seu nome foi lembrado para ocupar o Ministério da Aeronáutica, em 1968, quando se cogitou de uma saída do Ministro Márcio de Sousa e Melo. No começo de 1969, no momento em que foi anunciada a demissão do Ministro Albuquerque Lima, que deixaria o Ministério do Interior para voltar à ativa militar, novamente foi lembrado o nome de Faria Lima. Em abril de 1969, quando encerrou seu mandato de prefeito, era certo que sua carreira política não estava terminada. O Ministro Jarbas Passarinho, do Trabalho, falando em São Paulo na época em que Faria Lima deixava a Prefeitura, previa: “O paulistano não se perdoa de ver Faria Lima perdido para a cidade, o paulistano não só não se perdoa, como não perdoa aqueles que tiraram de Faria Lima a oportunidade de continuar prefito. Mas eu quero dizer, como homem do Governo, como homem da Revolução, como ele também é, que os senhores estão fazendo um breve aceno de adeus. Muito breve”.

Um vácuo no futuro – Todas as previsões, porém, falharam. Especulações políticas insistiam em Faria Lima nos últimos dias, em face de prováveis reformulações ministeriais provocadas pelo afastamento temporário do Presidente Costa e Silva. No dia 4 de setembro, ele viajou para o Rio de Janeiro. Tinha encontros marcados com ex-assessores e alguns amigos. Jantou com o General Syseno Sarmento, comandante do I Exército. Almoçou com o Brigadeiro Eduardo Gomes, dia 5 de setembro. Visitou o Marechal Cordeiro de Farias. À noite, foi jantar com seu amigo de infância Gabriel Richaid.

Às 21 horas, Faria Lima sentiu-se mal. Pediu ao amigo que chamasse um médico. Poucos minutos depois, o cardiologista Eugênio da Silva Campos, chegava ao apartamento. Mas o Brigadeiro Faria Lima já estava morto. Um dos primeiros a chegar foi o Brigadeiro Eduardo Gomes. O Marechal Cordeiro de Farias chegou pouco depois O Ministro Delfim Netto entrou junto com o General Syseno Sarmento. Pouco antes da meia-noite chegou o presidente do Banco Nacional da Habitação, Mário Trindade, também compareceu o Marechal Ademar de Queirós, ex-Ministro da Guerra, aumentando a relação das pessoas importantes a prestar a última homenagem a Faria Lima. O Ministro Gama e Silva, da Justiça, estava no aeroporto, quando um avião da FAB decolou para São Paulo, transportando o corpo. Em São Paulo, as rádios e as televisões informaram em suas programações dando a notícia da morte do ex-prefeito – “O maior prefeito de São Paulo teve neste século”, segundo o Ministro Gama e Silva. Junto com as autoridades, milhares de pessoas que levavam rosas vermelhas. Faria Lima faleceu dia 4 de setembro de 1969, aos 59 anos, de enfarte, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 10 de setembro, 1969 – Edição n° 53 – Brasil – Pág; 40/44)

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