Faiçal Ibn Abdul Aziz al Saud, rei da Arábia Saudita. Era a Lei, a Justiça, a Verdade e o Destino.

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Faiçal, Luís XIV do deserto feudal e moderno

Faiçal Ibn Abdul Aziz al Saud (Riad, 10 de outubro de 1906 – Riad, 25 de março de 1975), rei da Arábia Saudita.

Podiam se encontrar reunidas, numa mesma sala, dez ou vinte pessoas, trajando o mesmo tipo de túnica, encapuçadas sob o mesmo turbante branco – mesmo assim, impossível haver dúvidas sobre quem era o rei. E não apenas pelo inconfundível perfil de águia, o olhar cortante, o cavanhaque grisalho. Antes, Faiçal ostentava a marca de algo mais profundo e indefinível, que não era apenas carisma – qualidade de líderes mais terrenos. No seu jeito de falar tanto quanto na maneira de ficar em silêncio, ele exibia uma solidez de profeta.

Faiçal Ibn Abdul Aziz al Saud representava o Estado e a Religião na Arábia Saudita. Era também a Lei, a Justiça, a Verdade e o Destino do país. Em suas mãos magras, ele enfeixava a mais variada gama de poderes que se possa imaginar num monarca absoluto. Faiçal era uma espécie de Luís XIV do deserto – e, no entanto, nunca foi acusado de abusar de suas extraordinárias prerrogativas, apesar do conturbado universo ideológico pelo qual pautava sua política. Ao contrário, com o tipo clássico do déspota esclarecido, soube usá-las com prudência e parcimônia.

Ao mesmo tempo, num milagre de equilíbrio, conseguiu êxito nas tarefas aparentemente conflitantes de manter as tradições de seu povo e cultivar as sementes da arrancada do país rumo ao século XX, lançadas por seu pai Ibn Saud. Finalmente, o religioso Faiçal – que cinco vezes por dia, em seu palácio de Riad, parava tudo para rezar, o corpo voltado para Meca – nem por isso deixava de ser um homem prático. A ponto de manter permanentemente em sua mesa três vidrinhos que na aparência eram frascos de perfume – mas, na verdade, abrigavam amostras de três diferentes tipos de petróleo.

Do camelo ao avião – A combinação desses traços permitiu a Faiçal, durante seus dez anos de reinado, identificar-se com os contrastes e necessidades do país. Ele encarnou a Arábia poderosa e ao mesmo tempo medieval, ascética e ao mesmo tempo milionária. Sua vida, na verdade, confunde-se com a própria história da nação. E viver, para ele como para seu país, nas últimas cinco ou seis décadas, foi como viajar numa vertiginosa máquina do tempo, passando do camelo ao avião a jato, das lutas de espada entre os beduínos nos oásis às táticas mais sutis da guerra do petróleo.

Com efeito, quando Faiçal nasceu, em 1906, não havia, na península Arábica, nem comunicações nem educação nem medicina nem agrupamentos humanos superiores aos limites de um vilarejo nem atividades que pudessem ser chamadas de econômicas. Naturalmente, não se suspeitava da existência de certa substância negra e viscosa por baixo das areias do deserto. E, mesmo que se suspeitasse, certamente não ocorreria aos beduínos da região que tivesse alguma utilidade. Na realidade, nem mesmo Estado havia – tão desolada era a Arábia Saudita que até mesmo os turcos, então donos de quase todo o mundo árabe, mantinham-se afastados dali.

Foi esta, justamente, a tarefa a que se propusera, em 1901, o pai de Faiçal, o mitológico Abdul Aziz Ibn Saud, chefe da tribo saudita e senhor do deserto de Nejd. Partindo do Kuwait, onde se encontrava exilado – depois de expulso do domínio ancestral por um chefe inimigo -, Ibn Saud conseguiu, nesse ano, reconquistar Riad, a cidade da família e futura capital do país, após uma expedição digna das páginas de “As Mil e Uma Noites”. Houve lances como, por exemplo, a furtiva entrada de meia dúzia de homens de Ibn Saud nos muros da cidade – cujos portões abriram para a invasão do resto do exército rebelde. E, enfim, numa luta corpo-a-corpo com o chefe dos ocupantes, Ibn Saud selou sua vitória.

Harém com TV – Seguiram-se três décadas de sangrentas lutas para colocar o resto dos enclaves do país sob o domínio da coroa de Riad. E foi nesse período que, com 13 anos de idade, o jovem Faiçal fez sua aparição em cena, como guerreiro, colocando-se ao lado do pai na missão de unificar a península. Para o futuro senhor do petróleo e chefe do Islão, nesses anos, a vida era percorrer as trilhas do deserto em fogosos cavalos árabes, desembainhar com frequência a espada de lâmina curva, matar outros homens, ocupar aldeias.

Em 1924, com apenas 18 anos, coube-lhe a honrosa missão de, à frente de 45 000 beduínos, conquistar Meca, a cidade santa dos muçulmanos, subjugando o xerife Hussein, chefe da família hachemita, supremo rival dos sauditas e bisavô do rei da Jordânia. Finalmente, em 1932, estava encerrada a tarefa de consolidação do poder, e Ibn Saud pode proclamar a fundação de um novo Estado, orgulhosamente batizado com o próprio nome da família.

Nessa moderna Arábia Saudita, Faiçal, desde logo, foi chamado a desempenhar funções de alta responsabilidade. Sucessivamente, passou de chefe de importantes regiões militares a planejador político, depois ministro das Relações Exteriores – e ao pai não escaparam os talentos do filho. Comparando-o a Saud, o mais velho de seus cerca de quarenta filhos, o velho rei teria dito de Faiçal certa vez: “Eu preferia que ele tivesse tido um irmão gêmeo, e que Saud não tivesse nascido”.

Tesouro a zero – No entanto, por questões de ordem dinástica, coube justamente ao incompetente Saud, um conhecido perdulário, a sucessão ao trono, em 1953, quando morreu o primeiro rei. Entre outros abusos, o novo monarca tornou-se notório pela atenção, acima de qualquer negócio de Estado, que voltava para o harém – onde mantinha de oitenta a 120 concubinas, e cujos efetivos eram constantemente renovados, por obra de agentes de recrutamento colocados em Beirute e outras capitais estrangeiras. Para escolher a companheira de cada noite, Saud recorria aos serviços de um circuito interno de televisão. E graças a essa intensa atividade sexual, o extravagante rei foi capaz de gerar 45 filhos e 46 filhas – três dos quais nascidos num mesmo dia.

Em outra de suas excentricidades, Saud mandou construir, em Riad, uma nabanesca residência real, o Palácio de Naseriah, de linhas ultramodernas. Previsivelmente, o tesouro do país logo foi a zero. E, em 1964, um conselho dos mais ilustres membros da família real resolveu destronar Saud, colocando Faiçal em seu lugar. Seguiram-se alguns dias de nervosismo e incerteza. O rei ameaçava resistir em seu palácio. Enquanto isso, os golpistas cogitavam cortar o fornecimento de energia elétrica para Naseriah, de modo a paralisar o sistema de ar condicionado do palácio, considerado o mais completo do mundo depois do Pentágono, em Washington. Sob um calor de 40 ou 50 graus, argumentava-se, Saud forçosamente voltaria à razão.

Afinal, não foi necessária uma medida tão drástica. Logo o rei deposto concordou em deixar pacificamente o país. E foi morar em Atenas, onde, até morrer, em 1969, prosseguiu no mesmo estilo de vida, ocupando 62 dos setenta quartos do Hotel Kavuri, gastando, só de alojamento, 67 000 dólares mensais, e mantendo uma frota pessoal de vinte carros, cada um com seu chofer. Mas a Arábia Saudita, com a mudança do rei, iniciava nova vida. E nada mais contrastante, com a compulsiva dissipação de Saud do que o estilo ascético de Faiçal.

Orações na praia – Para começar, o novo rei recusou-se a morar em Naseriah, “muito enfeitado” para seu gosto, conforme alegou. Em vez disso, preferiu continuar no velho palácio que ocupava como ministro das Relações Exteriores. Além disso, dispensou desde logo o tratamento de “Sua Majestade”, preferindo ser chamado de Faiçal ou “Irmão”. “Sua Majestade”, dizia, “é mais apropriado para Deus.” E, até o fim de sua vida, continuou dando a seu povo exemplos de sobriedade e pouco interesse por bens materiais.

Econômico também em seus impulsos conjugais, o terceiro rei da Arábia Saudita casou-se apenas quatro vezes. Duas vezes divorciou-se, uma outra ficou viúvo. E a quarta mulher, Iffat -, foi sua companheira por mais de quarenta anos. Apenas por um curto período, na década de 40, ele esteve casado com duas mulheres ao mesmo tempo – mesmo assim, somente para cimentar uma aliança política de interesse do pai. E procriou pouco, para os padrões da família – teve apenas oito filhos e seis filhas.

Paralelamente, Faiçal demonstrou um zelo religioso capaz de dar substância e credibilidade à sua qualidade de “Guardião dos Lugares Santos” – e, por extensão, maior autoridade do mundo muçulmano. Fiel seguidor da seita wahabita – a mais estrita e ortodoxa na forma de interpretar os ensinamentos de Maomé -, ele fazia, além das orações diárias, uma visita semanal a uma das mesquitas de Riad, na quinta-feira. E, quando se encontrava em Jedda, a maior cidade do país (400 000 habitantes), situada no litoral, frequentemente ia sozinho à praia, estendia um tapete na areia e se punha a rezar.

Poder absoluto – No entanto, apesar de todo o seu fervor religioso, Faiçal foi também capaz, em certas ocasiões, de desafiar as vozes mais tradicionalistas, para impor reformas sociais e tecnológicas que julgava necessárias para o progresso do país. Antes de mais nada, logo no início de seu reinado ele aboliu a escravidão. Depois, pouco a pouco, relaxou as severas restrições que pesam sobre as mulheres. E, ao longo da década de 60, travou uma ferrenha luta contra os “ultras”, para introduzir no país inovações como o cinema e a televisão. Mas Faiçal, pouco a pouco, impôs seu caminho. Para isso, usou o poder absoluto de monarca, nem por hipótese sujeito ao controle de um parlamento – instituição considerada por Faiçal como “o primeiro passo para um governo fraco”.

Na verdade, entretanto, o estilo aberto do rei contribuiu para amenizar os rigores do poder sem controle. Todos os dias, ao cair da tarde, Faiçal abria as portas de seu palácio para o majlis, uma reunião em que recebia qualquer súdito. Frequentemente, depois dessas audiências, ele convidava um grupo de cidadãos para sua mesa de quarenta lugares, onde se servia basicamente de arroz fervido, carne e frutas – uma dieta observada em parte por seus hábitos frugais, em parte pelas imposições de uma úlcera. Quando cruzava as ruas de Riad, em seu Chrysler New York, também não era raro Faiçal ordenar ao chofer que parasse, para conversar com algum beduíno. A ameaça de Nasser – Nas conversas com os súditos, sobre os mais modestos problemas, tanto quanto nos contatos com importantes homens de negócio do Ocidente, Faiçal mais ouvia do que falava. “Alá deu ao homem dois ouvidos e apenas uma língua, para que ouvisse o dobro do que fala”, costumava dizer, numa frase que se tornou internacionalmente célebre. Raramente ele sorria a seu interlocutor. Não gostava de anedotas – julgava-as indignas de seu cargo -, e entremeava suas frases com provérbios e citações do Corão.

A princípio o monarca saudita teve dificuldades em projetar sua autoridade ao resto do mundo árabe. Eram tempos difíceis para um monarca, ainda mais para um monarca absoluto. Em 1954, foi deposto o rei Faruk do Egito; em 1969, chegaria a vez do rei Ídris da Líbia. Além disso, como acontece, as duas outras monarquias árabes, além da saudita – as da Jordânia e do Marrocos -, viviam em eterno sobressalto. E, por todo o Islão, o modelo era imposto pela revolução nasserista, com toda a sua ânsia sozializante – e radicalmente contrária aos poderes absolutos e aos direitos divinos.

Em meados da década de 60, chegaram a um ponto tenso as relações entre o Egito de Gamal Abdel Nasser e a Arábia de Faiçal. O primeiro enviou tropas para os republicanos durante a guerra do Iêmen, um Estado cliente da Arábia, e o segundo colocou-se ao lado dos monarquistas. E, por esse e outros motivos, os dois países romperam relações diplomáticas. No entanto, com a morte de Nasser, em 1970, Faiçal livrou-se de uma incômoda sombra. A partir daí, crescentemente, ele imporia sua presença ao mundo árabe. E assumiria francamente a liderança depois da guerra de 1973, quando decretou o boicote do petróleo – introduzindo um novo e devastador elemento no conflito árabe-israelense.

A voz da religião – Faiçal, com isso, dava plena vazão a seus francos sentimentos anti-sionistas. A seu ver, o sionismo era um mal tão grande quanto o execrável comunismo – do qual, numa tumultuada visão ideológica, seria um desdobramento. Em sua aversão aos judeus, Faiçal chegava a formular inusitadas teorias históricas, como por exemplo a de que foram eles os verdadeiros causadores das cruzadas, ao intrigarem cristãos contra muçulmanos com o único objetivo de enfraquecer as duas partes. E um de seus livros de cabeceira era o “Protocolos dos Sábios do Sião”, o famoso volume forjado pela polícia secreta da Rússia czarista para justificar os pogroms.

Não foi apenas o fanatismo racial, no entanto, que Faiçal colocou a serviço da causa árabe. Mais calorosamente amiga dos Estados Unidos – com quem sempre a Arábia Saudita manteve inabaláveis relações. Finalmente, quando Faiçal colocou-se, mais emais, na militância antiisraelense, foi como se a religião, com toda a sua autoridade, houvesse se juntado às reivindicações políticas. Ele reclamava, sobretudo, a libertação de Jerusalém, terceira das cidades santas sob sua guarda, depois de Meca e Medina.

O conflito, a partir daí, deixava de ser apenas árabe – para se transformar numa guerra santa muçulmana. “Não quero morrer sem antes rezar em Jerusalém”, costumava dizer o velho soberano. Quis o destino, no dia 25 de março de 1975, que não realizasse seu último desejo. E com isso saiu perdendo todo o mundo árabe – pois, com o desaparecimento de Faiçal, a causa muçulmana foi desfalcada não somente de um líder moderado e paciente, mas de uma espécie de consciência viva, alguém que parecia falar pelo próprio profeta.

A Arábia perde seu guia

Durante os últimos anos, ofuscando com petrodólares e fervor muçulmano todos os seus rivais árabes, ele tinha se tornado, enfim, o homem forte do Islã. Mas sua era de ascendência, irresistivelmente impulsionada pelo embargo do petróleo a partir de outubro de 1973, estava destinada a ser efêmera. No dia 25 de março de 1975, numa manhã sufocante em sua poeirenta e secreta capital, Riad, o príncipe Faiçal Ibn Mussaed, um sobrinho de 30 anos, aproximou-se quietamente dele, tirou um revólver das mangas de seu manto e, ainda cerimoniosamente curvado, disparou cinco tiros à queima-roupa – e, sob os olhos aterrorizados dos presentes, Faiçal, rei da Arábia Saudita, desabava ao solo mortalmente ferido.
Quis o destino, como tantas vezes acontece no angustiado Oriente Médio, que o assassínio de Faiçal Ibn Abdul Aziz al Saud, aos 69 anos, ocorresse numa data santa para a região. De fato, o monarca saudita foi morto em meio às festividades do Maweid – aniversário de nascimento do profeta Maomé e ponto alto de reverência espiritual para os 500 milhões de muçulmanos do mundo inteiro.

Ainda assim, o próprio atentado permanecia envolto em brumas – com o assassino teimosamente qualificado de insano -, como também a Arábia, entregue às mãos sem fibra de seu novo rei Khaled Ibn Abdul Aziz, um irmão de Faiçal de 62 anos. Ao mesmo tempo, o Oriente Médio, como um todo, perdia com Faiçal um de seus raros e necessitados pólos de moderação – após ter perdido, uma semana antes, as últimas esperanças de paz negociada por Henry Kissinger. Já no dia 28 de março, o Egito e a Síria colocavam suas Forças Armadas em alerta total. E os círculos econômicos do Ocidente, chocados com a morte do senhor de 20% de todas as reservas mundiais de petróleo, se viam, novamente, em temeroso suspense.

Sob suspeitas – As inquietudes surgidas com o súbito desaparecimento de Faiçal apenas refletiram a imensa influência pessoal acumulada pelo monarca saudita ao longo de seus dez anos de reinado. Inevitavelmente, também, uma vasta e poderosa coleção de inimigos colocou-se, simultânea ou alternadamente, em seu decidido caminho anticomunista e anti-sionista.

Cerimônia singela – Sobre a tragédia no momento em que o corpo de Faiçal, envolto numa mortalha branca, baixava do solo, no principal cemitério de Riad. Apenas os príncipes de sangue da dinastia saudita assistiram ao ato fúnebre do monarca numa tumba sem lápide, conforme requisito da seita wahabita, perto do local onde repousam, desde 1953, os restos mortais de seu pai, o rei Ibn Saud.

Na mesquita de El Eid, quase todas as personalidades influentes do mundo muçulmano haviam participado da singela cerimônia e da leitura da oração dos mortos do Corão. Lado a lado estavam os presidentes do Egito e da Síria, Anuar Sadat e Hafez Assad, o rei Hussein, da Jordânia, o presidente argelino Huari Bumedienne, uma multidão de xeques, sultões – e até mesmo o inevitável Idi Amin. As duas únicas personalidades não-muçulmanas presentes à cerimônia, eram o príncipe Juan Carlos da Espanha e o ministro francês da Defesa, Yvon Bourges – o vice-presidente dos Estados Unidos, Nelson Rockefeller, representante de Gerald Ford, junto com outrosdelegados ocidentais.

Não houve desmaios coletivos como durante o turbulento enterro de Gamal Abdel Nasser em 1970. E ao contrário do costume dos demais países do mundo, as bandeiras nacionais não foram colocadas a meio pau: o pavilhão da Arábia Saudita traz inscrita a profissão de fé muçulmana – a chahada – e por isso deve sempre tremular do alto dos mastros.

De acordo com os costumes da Arábia Saudita, os assassinos são decapitados em praça pública com um golpe de alfanje – após assistiresm, de joelhos, ao carrasco executar uma espécie de dança ritual ao seu redor. Subitamente o carrasco interrompe suas evoluções e golpeia com a ponta do alfanje uma das pernas do condenado, fazendo-o esticar automaticamente o pescoço – e, nesse instante, um golpe seco separa sua cabeça do corpo.

Um conselho real, formado pelos cinco príncipes mais velhos e chefiado pelo tio primogênito de Faiçal, reuniu-se imediatamente após o anúncio do atentado, no palácio real, e aprovou por unanimidade a ascensão ao trono de Khalid. A esperada designação do príncipe Fahd como sucessor do novo rei não levou mais tempo, e os dois nomes foram rapidamente aceitos por toda a família real. Assim, antes mesmo que a tragédia se esvanecesse nos desertos sauditas, o país se entregava com docilidade a seu quarto e protocolar soberano – dos cerca de quarenta filhos homens de Ibn Saud, o mais velho com vida.

De índole afável, Khalid sempre demonstrou maior interesse pela agricultura de seu país do que pela política ou diplomacia. Sua primeira viagem ao exterior, em 1939, para participar de uma conferência sobre a Palestina, em Londres, bastou para fazê-lo desistir de outras aventuras estrangeiras. Khalid, na verdade, se adapta mal ao mundanismo e ao cerimonial do poder – tendo demonstrado, sempre, especial apego às rudezas da vida no deserto. Discreto em sua vida particular – é casado com uma só mulher, que lhe deu cinco filhos – e em suas atribuições oficiais – desempenhou em silêncio e contra a vontade, desde 1965, as funções de príncipe herdeiro de Faiçal – Khalid ascendeu ao trono sem que sejam conhecidas, sequer, suas opiniões sobre o conflito árabe-israelense, a questão do petróleo, ou as relações da Arábia Saudita com os Estados Unidos.

Primeiro ministro da Educação que seu país já teve, e posteriormente nomeado ministro do Interior, o príncipe herdeiro também acumulava, as funções de presidente do cobiçado Conselho Supremo de Petróleo. Uma de suas mais bem sucedidas manobras políticas consistiu, precisamente, em convencer o rei Faiçal a criar esse órgão, sob a alegação de que a questão energética era estratégica demais para estar em mãos de um só homem – clara referência ao crescente poder do czar do petróleo saudita, Ahmed Yamani, titular do crucial Ministério.

Divisor de águas – Essas filigranas de corte são compreensíveis, quando se sabe que o centro do poder na Arábia Saudita continua sendo a colossal família real, descendente de Ibn Saud. Suas ramificações são infinitas – só o rei Faiçal tinha ao todo 420 sobrinhos com o título de emir – e, contando-se os parentes que não descendem diretamente do clã principal, a família chega a reunir talvez 5 000 pessoas. Dessas, pelo menos 2 000 possuem títulos de nobreza, com direito a um emprego público geralmente simbólico e um salário polpudo.

A nova geração, já educada nas melhores universidades europeias e americanas, escapa muitas vezes a esse sistema parasitário e medieval. Os príncipes mais idosos, contudo, passam a maior parte de seu tempo ocupados entre falcões de caça, camelos de corrida e apostas nos cassinos do Líbano e da Europa. De qualquer forma, se a idade começa a diferenciar os estilos de vida dos incontáveis príncipes sauditas, o verdadeiro divisor de águas, em influência e poder, continua sendo o clã ao qual se pertence.

O príncipe herdeiro Fahd, goza da importante vantagem protocolar de chefiar o grupo Sudairi – ser o líder entre os doze filhos de Hassa Sudairi, última e mais importante das esposas de Ibn Saud. Já o novo rei pertence apenas ao ramo Jiluwi da família, com cotação nitidamente inferior à dos irmãos Sudairi. São distinções que começam a ser estudadas com aplicação no Ocidente, e a corte de Riad desperta maior interesse no mundo ocidental do que qualquer outra da Europa.

(Fonte: Veja, 2 de abril de 1975 – Edição n° 343 – Internacional – Pág; 18 a 25 – DATAS – Pág; 53)

Em 14 de julho de 1958 – O rei Faisal II, do Iraque, e sua família foram executados por militares em Bagdá, cinco meses depois de assumir o trono do país.
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 14 de julho)

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