Erich Fromm, filósofo, ensaísta e psicólogo social que esteve entre os livros de cabeceira em 60.

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Fromm: contra o “homem robotizado”.

Mestre simples

Amor, divã e ingenuidade na obra de Fromm

Erich Fromm (Frankfurt, 23 de março de 1900 – Murano, Suíça, 18 de março de 1980), filósofo, ensaísta e psicólogo social que esteve entre os livros de cabeceira da década de 60. Erich Fromm, nascido na Alemanha de família judia ortodoxa e membro por quase dez anos de outra família mais célebre, a Escola de Frankfurt, não se tornou famoso nas pegadas de seu avô, um reputado rabino, e foi mesmo um filho um tanto espúrio do clã filosófico que reuniu, na breve República de Weimar (1918-1933), os pensadores Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse.

Fromm não suscitava reverência, como Adorno, nem o fascínio que Marcuse gerou nos idos de 68: sua reputação deve-se mais à rara capacidade de traduzir em linguagem acessível temas tão intricados como a alienação do homem contemporâneo ou a violência das sociedades tecnológicas. Esta singela qualidade trouxe o êxito esperado: de seus trinta livros publicados, alguns chegaram a verdadeiros best-sellers, como a “Arte de Amar” – um ensaio sobre as relações entre os sexos -, com 2 milhões de exemplares. Traduziram-se dezessete de seus livros e, só na década de 60, venderam-se todas as edições de dez deles. “Medo da Liberdade” – um estudo sobre o autoritarismo, cuja tiragem brasileira chegou aos surpreendentes 250 000 exemplares – marcou toda uma geração, de adolescentes, que viam no pensador alemão um misto de conselheiro psicológico e repórter dos novos tempos.

ESQUIZOFRENIA SOCIAL – Depois de estudos de Filosofia e Direito em Heidelberg, Fromm decidiu-se pela Psicologia, graduou-se em Munique e começou o trabalho clínico em Berlim, em 1925. Pacifista desde os 14 anos, Fromm militou até os 26 anos em organizações da juventude judia na Alemanha, abandonando-as quando começou a clinicar. Casado por três vezes, ele manteve até os últimos dias a vitalidade de um homem com a metade de sua idade. Seu dinamismo era tão versátil quanto persistente: dedicou-se a seus pacientes com a mesma intensidade com que apostava em um futuro melhor – chegando mesmo a participar da redação de vários projetos do Partido Socialista americano. Imigrando para os Estados Unidos em 1934, foi professor nas universidades de Colúmbia, Nova York e Yale – e depois no México. Fromm acreditava que os conflitos psíquicos surgiam menos da épica batalha entre instintos e sociedade, e mais da própria imposição, pela sociedade, de papeis e comportamentos em desacordo com a pacífica índole humana. “Em nossa sociedade industrial”, disse, “a esquizofrenia tornou-se o modo de ser natural.” Uma frase que poderia ser assinada por outro marxista da psicanálise, Herbert Marcuse.

UTOPIA INFANTIL – Com Marcuse, Fromm manteve uma longa e áspera polêmica: ambos tinham dedicado boa parte de seus esforços na tentativa de sintetizar o pensamento de dois humanistas, Marx e Freud, em uma única teoria, mas os resultados nunca coincidiram. Marcuse, em seu “Eros e Civilização”, integrava a dialética marxista à teoria da sexualidade freudiana, e disso extraía o ideal de uma sociedade sem repressão política e sexual. Fromm, em seu “Encontros com Marx e Freud”, dava pouca importância ao complicado método dialético – preferindo utilizar, de Marx, apenas uma visão um tanto messiânica de um futuro melhor – e abandonava os conceitos fundamentais do fundador da psicanálise, como o complexo de Édipo. Marcuse, assustado com o ecletismo de seu antigo companheiro, acusou-o de “revisionismo neofreudiano” – e de empobrecer o próprio Freud com sua revisão. Fromm contra-atacou, intitulando os ideais de uma sociedade sem repressão de Marcuse de “utopia infantil”. Para ele, o único projeto de uma nova ordem social digno de esperanças se baseava na alteração das relações cotidianas entre os homens: “O amor é a única resposta satisfatória à existência humana”, disse em sua frase mais conhecida.

COM OTIMISMO – A obra de Fromm sempre foi congenitamente insensível às fronteirras disciplinares: da psicanálise à religião, como em “Zen-Budismo e Psicanálise”, do capitalismo à agressividade, em “Anatomia da Destrutividade Humana”. Mas o grande tema deste homem metódico, que jamais começava a atender seus pacientes antes do meio-dia, relia sempre a Bíblia e o Talmud, e praticava Tai Chi – uma mistura de luta corporal e exercícios para meditação -, foi sempre o “homem robotizado”, prisioneiro da sociedade afluente, orientado unicamente para o consumo.

Suas críticas à era tecnológica, ao espectro de uma sociedade completamente mecanizada, jamais redundaram, entretanto, em pessimismo. Ao contrário, manteve sempre o otimismo com seus livros um tanto ingênuos e sua crença excessiva na capacidade humana de renúncia aos prazeres e seduções da sociedade de consumo. “Sempre me senti atraído pelo estudos do profeta Isaías, não tanto por suas advertências sobre o desastre mas por sua promessa de paz e harmonia universais”, escreveu ele. O projeto de uma nova ordem social, para Fromm, é fruto da conversão individual, não de revoluções. Como aliás, em todo pensador que é, antes de tudo, um moralista.

No domingo, 23 de março, Erich Fromm completaria 80 anos em sua casa margeada por lagos em Murano, umpovoado ao sul da Suíça, onde vivia desde 1969. Mas, na terça-feira, 18 de março de 1980, parou o coração do pensador social que esteve entre os livros de cabeceira da década de 60.

(Fonte: Veja, 8 de agosto de 1979 – Edição n° 570 – Ideias/ Por Marília Pacheco Fiorillo – Pág; 121/122)
(Fonte: Veja, 26 de março de 1980 – Edição n° 603 – Ideias/ Por Marília Pacheco Fiorillo – Pág; 81/82)

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