Darcy Ribeiro, intelectual de inspiração tropicalista, aventureiro e exuberante

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Aventureiro e exuberante, Darcy Ribeiro foi um intelectual de inspiração tropicalista

Darcy Ribeiro (Montes Claros, 26 de outubro de 1922 – Brasília, 17 de fevereiro de 1997), intelectual da estirpe do escritor Oswald de Andrade ou do cineasta Glauber Rocha: exuberante, tropicalista, apaixonado, malandro, contraditório, sem compromisso com a razão, o método e o rigor. Aventureiro e exuberante, Darcy Ribeiro foi um intelectual de inspiração tropicalista. Nasceu em Montes Claros, no dia 26 de outubro de 1922. Conheceu o Brasil e o mundo, foi ministro, fundou uma universidade, fez amigos, namorou quantas quis, firmou prestígio em áreas diversas e demonstrou que suas reservas de talento eram espantosas. Mesmo na ficção, reino sempre perigoso, escreveu quatro romances, e um deles, Maíra, é uma obra que sempre se lerá com prazer.

Deixou mais de trinta livros publicados. Ele não teve uma carreira acadêmica tradicional – na universidade, não foi além de um diploma de graduação -, mas se tornou patrono de toda uma linhagem de antropólogos brasileiros. Tinha a erudição eclética do autodidata e passou os últimos anos dando entrevistas com a frequência de uma estrela de rock, exibindo sua inteligência elétrica, chutando adoidado, dando palpites sobre todos e, se lhe perguntassem, contando detalhes de suas preferências sexuais.

Durante três décadas, ele foi casado com a antropóloga Bertha Ribeiro, que teve papel decisivo na sua obra. Foi Bertha quem organizou seus primeiros trabalhos, sistematizou descobertas, serviu de datilógrafa quando necessário e de intérprete, quase sempre – pois o professor não viajava com segurança para além do castelhano. Separado de Bertha, sem filhos, Darcy Ribeiro construiu uma fulgurante coleção de namoradas. Septuagenário, vivia cercado de companhias mais jovens, não perdia o hábito de cultivar mais de um romance por vez e, fiel ao exibicionismo machista tradicional, adorava gabar-se de suas conquistas.

Respeito – Darcy Ribeiro tinha menos de 30 anos quando entrou pelo mato no interior do Maranhão para fazer pesquisas com as tribos indígenas. Machucou o pé e teve de doar mantimentos para tratar de índios adoentados, mas ali também colheu inspiração para seus melhores trabalhos. A partir de duas expedições, escreveu Diários Índios – Os Urubus-Kaapor, uma obra gloriosamente simples, com pessoas que foi encontrando entre matas e igarapés, como um missionário inglês abandonado por brancos e até por sua mulher índia, um comerciante libanês hospitaleiro e próspero, um casal de indígenas que cometia adultério simulando que saía para caçar.

Darcy Ribeiro firmou sua visão peculiar do mundo indígena, composto de indivíduos com nome, gostos e preferências pessoais, marcando uma noção antropológica, mas também uma opção política. Em sua postura política, de discutir o indígena e colocar em questão as políticas oficiais, Darcy Ribeiro foi pioneiro de uma geração. Darcy Ribeiro teve o cuidado de trazer o indígena para a agenda política de um país que o marginalizava desde o descobrimento. Os Índios e a Civilização, de 1970, é considerado por estudiosos seu melhor livro. Foi um trabalho que colocou a antropologia brasileira à frente do que se fazia nos Estados Unidos, no México e em outros países.

Intenso, Darcy Ribeiro foi também um feixe nervoso de paradoxos, principalmente em política. Estrela do nacionalismo populista de João Goulart, em seguida aderiu ao socialismo chileno de Salvador Allende e, mais tarde, tocou trombeta pelos militares nacionalistas da ditadura de Velasco Alvarado, no Peru. O político que retornou ao país depois de catorze anos de exílio fez campanha eleitoral em companhia de banqueiros do jogo do bicho, ao lado de Leonel Brizola assistiu à transformação do trabalhismo numa encenação decadente em que cabiam tipos sem escrúpulo algum, inclusive adversários históricos.

Patético – Ministro da Educação e, depois chefe do Gabinete Civil de João Goulart, Darcy Ribeiro foi vice-governador de Brizola, em 1982, e senador da República, mas sempre trouxe consigo a marca do grande acontecimento de sua geração, o 31 de março de 1964. Antes do golpe, Darcy Ribeiro era dos que acreditavam que Jango era um presidente popular que podia dispensar o apoio de antigos aliados e seguir no Planalto, quem sabe para um segundo mandato. Era uma visão pouco democrática e também aventureira, como se veria assim que as primeiras tropas deixaram Juiz de Fora rumo ao Rio de Janeiro. Em pleno golpe, coube a Darcy Ribeiro produzir raras provas de valentia entre os aliados do presidente deposto.

No Congresso, os parlamentares alinhados com as baionetas articulavam-se em torno de uma moção em que se dizia que a Presidência estava vaga e por isso era preciso substituir João Goulart – era uma tentativa de dar ares de legalidade a um golpe de força. Darcy Ribeiro enviou-lhes uma mensagem informando que, ao contrário, Jango se encontrava no país. Obviamente, a medida não foi suficiente para impedir que a emenda do golpe fosse aprovada, mas serviu para deixar registrado que se cometera um ato ilegal. Ele era uma máquina pensante. Nem todas as suas ideias eram boas, mas valia a pena prestar atenção em tudo o que dizia. Enquanto os chefes militares, que antes bajulavam o presidente se dizendo proprietários de um certo esquema militar à prova de golpes de Estado, batiam em retirada. Darcy Ribeiro percorreu Brasília para organizar-se para resistir – armados – ao golpe. Foi inútil, triste. Mas também foi uma prova de que ninguém iria destruir os sonhos de Darcy Ribeiro sem que ele tentasse reagir. Darcy Ribeiro morreu no dia 17 de fevereiro de 1997, devastado pelo câncer, aos 74 anos, em Brasília. Darcy Ribeiro morreu reclamando “Viver é muito bom, eu não quero morrer”. Fazia isso por gosto, costume e até obrigação, mas é difícil encontrar outra pessoa que tenha aproveitado a vida tão bem.

(Fonte: Veja, 26 de fevereiro de 1997 – ANO 30 – Nº 8 – Edição 1484 – Memória/ Por Paulo Moreira Leite – Pág; 116/117)

 

 

 

“Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem venceu.”

“O fundamental é comer. Não existe galinha de rua, existe? Nem bezerro, nem cavalo. Mas criança tem. Isso não pode.”

“A classe dominante brasileira é rica e branca e detesta o povo, que é mulato e preto”.

“Crianças de 5 anos estão dançando como quem faz amor. A Xuxa é uma belezinha mesmo mas poderia ser proibida para menores.”

“Nossos professores trabalham de duas a quatro horas por semana, fazendo de conta que trabalham vinte ou quarenta. Acham que são mal pagos. Pelo que fazem, são bem pagos demais.”

(Fonte: Veja, 26 de fevereiro de 1997 – ANO 30 – Nº 8 – Edição 1484 – Memória/ Por Paulo Moreira Leite – Pág; 116/117)

 

 

O sociólogo Darcy Ribeiro é empossado na Academia Brasileira de Letras, em 15 de abril de 1993.

(Fonte: Zero Hora – ANO 52 – Nº 18.439 – 15 ABRIL 2016 – ALMANAQUE GAÚCHO/ Por Ricardo Chaves – HOJE NA HISTÓRIA – Pág: 52)

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