Cláudio Abramo, foi secretário de redação que dirigiu e mudou as feições de O Estado de S. Paulo

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Cláudio Abramo: inovador

Cláudio Abramo (São Paulo, 6 de abril de 1923 – São Paulo, 14 de agosto de 1987), jornalista paulista, foi secretário de redação que dirigiu e mudou as feições de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo. Ao longo de mais de quarenta anos de carreira, foi um dos mais brilhantes jornalistas da sua geração, contribuindo decisivamente para mudar o perfil da imprensa brasileira. Trotskista na juventude e homem de humor cáustico e temperamento tempestuoso, Cláudio Abramo começou a mudar O Estado de S. Paulo em 1952, depois de ter estudado jornalismo durante um ano em Paris, a convite do governo francês.

Junto com Gianino Carta, modernizou e profissionalizou a redação de O Estado – antes deles, o jornalismo era considerado mais um bico, um segundo emprego, do que uma atividade profissional. Em 1965, transferiu-se para a Folha de S. Paulo, onde alternou períodos em que comandou o jornal com outros em que caiu no ostracismo. Entre 1974 e 1977, quando esteve à frente da Folha, mudou radicalmente o jornal, no sentido de torná-lo mais rigoroso na apuração das notícias e independente das pressões. Depois de passar quatro anos como correspondente da Folha na Europa, Cláudio Abramo voltou à redação par se tornar comentarista político do jornal. No seu último artigo, publicado na manhã em que morreu, o jornalista criticava e pedia a divulgação dos nomes dos “marajás” do funcionalismo.

Ao morrer, de um ataque cardíaco, o jornalista havia deixado longos depoimentos gravados que prestou a amigos, a transcrição de uma conferência que havia feito na PUC de São Paulo em 1985 e um número incontável de reportagens e artigos publicados na imprensa. Os artigos e reportagens, produzidos no calor da hora, serviram apenas para mostrar como Abramo escrevia. Foram escritos não para os papiros da eternidade, mas para as páginas necessariamente efêmeras de jornais, e por isso envelheceram.

Abramo foi neto de anarquista, irmão de trotskistas, que abandonou os estudos ainda no curso secundário, leu muito, aprendeu cinco línguas. A sua vida confundiu-se sem qualquer fronteira com o ofício de jornalista. Nesse ofício, Abramo fez de tudo: foi repórter, redator, correspondente, articulista, secretário de produção, responsável pelas ligações entre redação e gráfica e colunista. Fez tudo isso, mas ganhou fama como líder, como um condottiere de redações, um reformulador de jornais.

GLÂNDULAS -– Na primeira vez que trabalhou numa redação – a do Jornal de São Paulo -, Abramo tinha 22 anos. Era um tempo em que, como ele mesmo relata, uma reportagem começava assim: “O advogado Sobral Pinto, essa figura fulgurante do Direito brasileiro, veio para São Paulo e se hospedou no hotel Tal, de velhas tradições, e ontem gentilmente se dispôs a atender a nossa reportagem”. Pois logo na sua primeira reportagem, justamente uma entrevista com Sobral Pinto, Abramo começou seu texto com uma declaração do advogado dizendo que o dirigente comunista Luís Carlos Prestes, que estava na cadeia por ordem de Getúlio Vargas, quando saísse das grades iria apoiar o ditador. A reportagem virou manchete, e Abramo foi promovido. Essa intuição, certeira e inteligente, foi a característica básica do jornalista, que rendeu seus melhores frutos quando dirigiu O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo.

Abramo entrou em O Estado de S. Paulo em 1948, como repórter, e saiu em 1963, como secretário-geral de redação. No tempo em que esteve à frente do jornal, a partir de 1952, Abramo contribuiu para lhe dar uma nova face – o tamanho do jornal foi diminuído, as coberturas de grandes eventos começaram a ser planejadas, passou-se a recrutar jornalistas nas universidades, alteraram-se os prazos de fechamento das edições e se deu ênfase ao noticiário. Abramo, um homem de esquerda (tinha vagas simpatias trotskistas), se dava muito bem e contava com a confiança da família Mesquita, dona do jornal.

Para ele, bastava que se mantivesse a objetividade do noticiário, separando-o do conservadorismo dos editoriais, para que O Estado pudesse seguir em frente, melhorando. Abramo demonstrou uma afeição sincera por Francisco Mesquita e Júlio de Mesquita Filho, mas não deixa de ironizar os editoriais do jornal. Segundo o jornalista, um dos editoriais, típicos, dizia que “ser comunista ou esquerdista era um problema endocrinológico; as glândulas não funcionavam bem no sujeito, ele ficava comunista.

Segundo Abramo, a partir da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, os Mesquita se alinham cada vez mais com os militares golpistas, passam a controlar de perto o noticiário político, e a redação se divide criticamente entre direitistas e esquerdistas. Abramo pede demissão em julho de 1963, sentindo que sua presença constrangia os Mesquita, que a sua situação era insustentável e que poderia fazer algo melhor em outro jornal. Na época, Abramo tinha 40 anos e resolveu partir para outra.

Elegante, ele não se coloca como o único responsável pela melhoria de O Estado de S. Paulo no período em que modernizamos o jornal havia uma convergência de situação e de oportunidades”, relata. “Essas coisas nunca são obra de um homem só, ou de um grupo de pessoas. São vários elementos que contam: o momento histórico, a época política brasileira, a circunstância de sermos todos jovens, de sermos amigos.”

SERENIDADE -– Essa serenidade, pode até soar estranha em Cláudio Abramo, que não deixava de ser vaidoso nem de ter opiniões fortes e definitivas. “Assis Chateaubriand foi um dos homens que mais mal fez á imprensa brasileira. Era um gângster, um homem desprovido de qualquer escrúpulo, e de talento escasso.

Feio, baixinho, desagradável, agressivo” é uma frase típica do jornalista, assim como “O Brasil é um país colonial, canalha, dominado por uma burguesia canalha; se o sujeito não for hipócrita, não concordar, não der um jeito, está liquidado”.

Ao sair de O Estado, ele foi tentar reformar A Nação, não teve êxito e, com a queda de João Goulart, não encontrou mais emprego. Foi Octavio Frias de Oliveira, dono da Folha de S. Paulo, quem lhe deu um salário para fazer análise da conjuntura política e, posteriormente, o levou para a redação do jornal.

Em meados dos anos 60, a Folha não tinha nem sombra do prestígio que teve mais tarde. Apoiado por Frias, Abramo começou a coloca-la nos eixos. Brigou com meia redação, enfrentou a falta de recursos, a censura e as pressões do governo. De 1969 a 1972, as dificuldades chegaram ao ápice: o projeto do jornal era simplesmente sobreviver, de tão pesada que estava a situação política.

Em 1972, Abramo foi afastado do comando da redação e só voltou a ter voz ativa no jornal dois anos mais tarde, por iniciativa de Octavio Frias Filho. Em 1976, assume novamente a direção da redação e modifica o jornal: dá espaço para quem discorda do governo, combate o regime militar, cobre as manifestações de oposição e areja o noticiário, seguindo as linhas mestras que tinha desenvolvido em O Estado e plantando a semente que deu origem ao Projeto Folha.

Em 1977, conta Abramo, o cronista Lourenço Diaféria – manipulado ou agindo com má-fé – faz na sua coluna uma referência provocativa a Duque de Caxias e é preso. A direção do jornal decide no dia seguinte, contra o seu voto, publicar a coluna de Diaféria em branco. O general Sylvio Frota, que era ministro do Exército do presidente Geisel, estava preparando o golpe”, relata Abramo. “Se ele vencesse, eu seria fuzilado e Frias, preso: e, se Frota tentasse o golpe e perdesse, o herói seria eu.” Apesar da sua posição moderada e realista no episódio, Abramo saiu perdendo.

Na Folha, Abramo ficou até o fim da vida, primeiro como correspondente em Londres e Paris e depois como colunista. A quem o procurava, dava de bom grado as lições de jornalismo que expões no livro As Regras do Jogo. Nele, mostra que o jornalismo não é um jogo e que as regras da profissão são poucas e fugidias. Ele defende, por exemplo, que o jornalista precisa saber escrever bem, mas nota que há exceções a essa norma. “Um bom chefe de redação não precisa necessariamente saber escrever bem, o que ele precisa é saber julgar bem as matérias dos outros.”, diz.

Irritado, ele mostra que não há modelos para se fazer uma boa reportagem, que um jornal depende de uma concepção clara e que o ceticismo é uma virtude. O que Abramo mostra é que no jornalismo, como em qualquer outra profissão, é preciso ter talento, criatividade e inteligência. Características que, se não podem ser ensinadas com precisão científica, ao menos se pode ter uma ótima noção delas em A Regra do Jogo.
Abramo faleceu em agosto de 1987, aos 64 anos, em São Paulo.

(Fonte: Veja, 19 de agosto de 1987 –- Edição 989 -– DATAS -– Pág; 89)
(Fonte: Veja, 14 de dezembro de 1988 -– ANO 21 – Nº 50 – Edição 1058 -– LIVROS -– Pág; 162, 163 e 164)

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