Charles Chaplin, o mais popular artista do mundo. Ele foi escritor, musicou vários dos seus filmes

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Foi o primeiro artista de 1 milhão de dólares

Charles Chaplin (Walworth, 16 de abril de 1889 – Suíça, 25 de dezembro de 1977), o mais popular artista do mundo. Ele foi escritor, musicou vários dos seus filmes, escreveu poesias, pintou quadros, filosofou. Durante meio século, e no mundo todo, os cérebros mais bem dotados igualaram-se às massas mais despreparadas na admiração pelo homem franzino de bigode ridículo, sapatos largos demais, cartola amassada, bengala, o Charlot dos franceses, o Carlitos dos brasileiros, eternamente igual a si mesmo e parecido com todos os homens. Mestre da ilusão cinematográfica, o palhaço Chaplin erigiu seu mundo de graça, poesia, sátira e bondade ao mesmo tempo que misturava a técnica de uma arte milenar, a do circo, com os primeiros vagidos do que seria a linguagem por excelência do século XX, o cinema. Ele retratou o homem comum na realidade da sua vida, maltratado em casa pela mulher e humilhado no trabalho pelo chefe, traído pela amante e ridicularizado pelos amigos, sufocado no ônibus, atropelado na rua. Para mostrar tudo isso, o comediante franzino precisou de mais talento que o simples mímico, mais agilidade que o mero palhaço, mais inspiração que o artista comum.

Estas relações duraram de 1912, ano de “Carlitos Repórter”, a 1966, quando despediu-se, de maneira algo melancólica, dirigindo Marlon Brando e Sophia Loren em “A Condessa de Hong Kong”. Brilhando no centro da inspirada e ainda espantosa geração de cômicos americanos dos anos 20 (Buster Keaton, Harold Lloyd, Ben Turpin, Mack Sennett, para ficar só nos principais), Chaplin entrou nos anos 30 sem entender, e quase sem aceitar, que a maravilhosa máquina de filmar que ele tão bem manipulava tivesse dali para a frente a obrigação de também falar através do som.

Embora dois dos seus melhores e mais cáusticos trabalhos de sátira “Tempos Modernos” e “O Grande Ditador”, tenham sido feitos em pleno sonoro (respectivamente em 1936 e 1940), a produção de Chaplin diminuiu brutalmente em quantidade – e consequentemente sua influência nos destinos do cinema também encolheu-se. As periódicas revoluções por que passa a sétima arte fizeram-se sem o seu concurso: não há nada de Chaplin na de 1940 (“Cidadão Kane”, de Orson Welles), muito pouco na segunda (o neo-realismo italiano, a partir de 1945),nenhum vestígio na terceira (a de Michelangelo Antonioni e Alain Resnais), nem na quarta (a de Jean-Lue Godard, nos anos 60). Embora adorado pelos comediantes do momento, como Mel Brooks e Woody Allen, ele não é tomado nem como modelo nem como referência. Sua herança parece mais difusa, quase imperceptível.

Nos últimos trinta anos, desde “Monsieur Verdoux”, de 1947, onde a figura do velho palhaço desapareceu da tela para sempre, ele rodaria apenas mais três filmes – e entre estes”Um Rei em Nova York”, de 1957, sua única obra afetada pela falta de humor. Neste filme Chaplin tentou ajustar contas com os Estados Unidos, de onde saíra em 1952 por pressões da então poderosa Comissão de Atividades Antiamericanas. Surpreendido a bordo de um navio rumo a Nova York pela notícia de que estava oficialmente “sob suspeita”, mandou um telegrama ao ministro da Justiça dos Estados Unidos, James P. McGranery: “Não sou comunista. Jamais na minha vida aderi a qualquer partido político.”

Sou o que o senhor chamaria de mercador da paz. Espero não tê-lo ofendido”. Mas ofendeu. “Na minha opinião”, respondeu o ministro, “ele faz pronunciamento que indicam sua atitude de desdém para com o país cuja hospitalidade o enriqueceu.” Em seguida, ordenou que a polícia prendesse Chaplin assim que o navio aportasse em Nova York. Chaplin não desceu à terra. Rumou para a Inglaterra, de onde mandou outra mensagem a McGranery: “Não penso que se deva dividir as pessoas segundo suas opiniões. Isso conduz ao fascismo. Creio na liberdade. Esta é a minha política”. De Londres ele seguiu para a Suíça com a mulher, Oona, filha do teatrólogo Eugene O’Neil, e seus cinco filhos, e de lá não se mudaria. O mais popular artista do mundo protagonizava, assim, o surpreendente papel de vítima neste episódio clássico de xenofobia: Chaplin recusou-se, sempre, a adotar a nacionalidade americana. Preferiu até o fim a condição de cidadão da Grã-Bretanha, onde nasceu.

Teria sido Chaplin um comunista? O ilusionista-mor teria aperfeiçoado sua técnica a ponto de enganar tantos milhões de bons americanos e por isso merecer o título de “Pierrô Vermelho”, que lhe foi dado pela hoje defunta revista Saturday Evening Post? Alguns mistérios da vida de Chaplin, de resto, jamais foram perfeitamente revelados – a partir do próprio ano em que nasceu, 1889, a 16 de abril, “quatro dias antes de Hitler”, como ele mesmo gostava de lembrar. Minuciosos historiadores vasculharam os cartórios de Londres, onde Chaplin nasceu, e não encontraram seu registro em nenhum deles, embora confirmassem que ele era filho de um alcoólatra e de uma cantora de cabaré.

Segundo um desses historiadores, Theodore Huff, o nome Chaplin não seria mais que a “arianização” do nome judeu “Kaplan” (e provou que a mãe de Charles era judia e irlandesa). “Eu não sou judeu”, explicou ele em 1940, quando as tropas de Hitler ocupavam a Europa e o próprio Führer era a sua personagem em “O Grande Ditador”. Mas em 1946, acabada a guerra, ele retificava: “Dizem que eu sou meio judeu e é verdade, eu nunca neguei”. Além disso, no começo dos anos 40 participou de espetáculos para angariar fundos destinados à então devastada frente soviética da guerra, atitude que dez anos depois alimentaria o seu perfil de “suspeito”.

As vítimas mais atingidas pelas perseguições dos anos 50, porém, jamais diriam que Chaplin fosse sequer um simpatizante. Um deles, o roteirista Alvah Bessie, que passou anos proibido de entrar nos estúdios, contou que ofereceu a Chaplin um projeto tentador para ele financiar: um filme sobre Don Quixote, com o próprio Chaplin como Sancho Pança e Walter Huston no papel-título. “Eles me crucificarão!’, horrorizou-se Chaplin. Diante da constrangida discordância de Bessie, Chaplin saiu apressadamente do encontro, não sem antes apertar a mão do roteirista – e nela deixar uma nota de 100 dólares. “Não deve ter sido uma atitude fácil para ele”, comentou Lita Gray, com quem Chaplin esteve casado entre 1924 e 1927 (a primeira foi Mildred Harris, de 1918 a 1919, e a terceira Paulette Goddard entre 1933 e 1942) e mãe de seus dois primeiros filhos, Sidney e Charles (que suicidou em 1968, aos 43 anos). Ela se referia, ressentidamente, à alegada sovinice do ex-marido, ao seu caráter autoritário com as mulheres, seu don juanismo escandaloso e que só teve fim com o casamento com Oona, quando ela estava com 17 anos e ele com 54.

A fortuna material de Chaplin, de resto, embora imensa, parece muitos pontos abaixo da sua herança artística. Sua chave está na linha final que aparece em todos os seus filmes, mas que poucos espectadores notam: “Copyright Loy Export”. A Loy Export pertencia a Chaplin e controla todos os seus filmes, desde “A Corrida do Ouro”, de 1925, que rendeu à United Artists a fábula de 6 milhões de dólares – e Chaplin era um dos donos da United, que ele fundara com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e o legendário D. W. Griffith, “o pai do cinema”, na opinião de muitos. E mesmo antes de ser dono do estúdio ou empresa, Chaplin já inflacionava o mercado com seus salários: foi o primeiro artista de 1 milhão de dólares, ainda nos anos 20. O poder da Loy Export sobre a obra de Chaplin é tão amplo que em 1960 o National Film Theatre, de Londres, teve que cancelar o projeto de um festival de Chaplin por não ter chegado a um acordo sobre o preço. Ele foi um milionário prudente, que calculava tudo e que sempre se orgulhou de gerir bem os negócios (gostava de dizer que dividia os 150 dólares semanais do seu primeiro salário em Hollywood, na companhia de Mack Sennett, em proporções desiguais – 25 para sobrevivência e 125 para a poupança). Milionário antes dos 30 anos e sem jamais descer desta categoria, ele continuou levando uma vida relativamente modesta, evitando os luxos dos casarões com piscina em Hollywood e preferindo sempre hotéis discretos.

Foi através de dinheiro – mais exatamente, de um cheque de 500 000 dólares ao Tesouro americano, em 1968 – que Chaplin decidiu solucionar velhas pendências fiscais e começar o degelo das suas relações com os Estados Unidos. Para alívio geral de toda a nação, anunciou-se logo depois que a lista de “suspeitos” há muito fora arquivada, que a América esperava de braços abertos o seu maior artista popular e que até mesmo a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas preparava para Chaplin um Oscar especial (ao todo, ele conseguiria três, um para “Monsieur Verdaux” e outro pela música de “Luzes da Ribalta”, um número que em nada expressaria o peso da obra do homenageado, caso o Oscar expressasse muita coisa). Em 1972, finalmente, Chaplin chegou aos Estados Unidos, aclamado pelo povo e saudado pelos jornais. “Ainda bem que ele veio”, escreveu em editorial o New York Times no dia seguinte à cerimônia em que o velho Chaplin emocionara-se ao ganhar a sua estatueta. “Se uma nação pudesse enrubescer coletivamente, e além disso amargar para sempre um sentimento de culpa, esta nação seria a nossa.”

Foi uma reconciliação sem dúvida curiosa. David Selznick, o magnata do cinema, então com 88 anos, olhou seu velho amigo de 82 e não se conteve diante dos repórteres: “Meu Deus, como ele envelheceu!” Acabada a festa, Chaplin retirou-se para seu refúgio suíço. Em 1975, finalmente, especialmente chamado para outra honraria, viajou a sua cidade natal, Londres, onde vivera uma infância miserável, para receber da rainha Elizabeth a sua sagração como Sir.

O resto da história já era, a esta altura, uma lenda. Quarenta e cinco livros haviam sido escritos sobre sua obra – não havia mais dúvida de que o ermitão de Corsier-sur-Vevey era o Shakespeare da tela e um mito vivo e ainda com as ideias fervilhantes. Às pouquíssimas pessoas que tinham acesso a sua fortaleza de 400 000 metros quadrados, ornada de tulipas multicoloridas e à beira de um lago eternamente calmo, ele contava que planejava novos filmes, escrevia a partitura de suas obras mais velhas e impunha a todos os que moravam ou trabalhavam nas 22 peças do castelo o seu ritmo pessoal de vida. Os horários ali, nestes últimos 25 anos, seguiam a rotina de um quartel: exercícios matinais para ativar a circulação sanguínea de Sir Charles. Naquela atmosfera, repararam os visitantes, Chaplin parecia realmente ter encontrado a felicidade em família, que ele descrevera em seu livro de memórias e que julgava uma quimera até conhecer Oona. O habitualmente reservado, pouco expansivo Chaplin tornava-se, quando a noite caía, inatingível por qualquer pessoa. Chaplin o homem que Federico Fellini chamou de “o Adão de todos nós”, que Jacques Tati imitou, que Jerry Lewis reverenciou e que os simples mortais adoraram durante três gerações.

Entre o repicar dos sinos e os réquiens recitados por artistas, estadistas, chefes de governo, gente de rua, jamais faltou a palavra com que Chaplin acostumou-se a viver, quase como se ela fosse seu próprio sobrenome: “Gênio”. Desde as primeiras horas da manhã do domingo de Natal: “Tempestade à vista”. Era o aviso de tempo ruim colocado pelos empregados do castelo do século XVIII, onde nos últimos 25 anos Sir Charles Spencer Chaplin e sua mulher, Oona, viveram longe de tudo – e onde ele morreria na paz do sono que se seguiu à ceia da noite de festa. Brotaram nas páginas de todos os jornais do mundo os mais impressionantes obituários já dedicados no século XX a um artista.

Do outro lado da Terra, onde pelo menos três décadas não se exibe nenhum dos filmes do ilustre desaparecido, o Diário do Povo, de Pequim, escreveu: “Era um progressista que os reacionários perseguiram”. A Rádio do Vaticano lembrou que Chaplin dedicara toda a sua vida aos valores do espírito, à paz entre os homens. E nos Estados, onde durante trinta anos ele rodou 75 dos 79 filmes da sua carreira, a morte de Chaplin foi sentida como a derradeira pá de cal da legendária geração de pioneiros que pessoalmente construíram a maior fábrica de sonhos de que se tem notícia, Hollywood. “Não importa que tenha feito tudo isso como um grande amador”, escreveu o brilhante crítico francês André Bazin. “O que vale são suas relações com a arte do nosso tempo, o cinema.” Chaplin morreu com os olhos atentos à tela da televisão. E ali, todas as noites, vendo filmes, ele adormecia.

(Fonte: Veja, 4 de janeiro de 1978 -– Edição 487 -– Memória – Pág; 62 a 66)

Chaplin recebe título de nobreza

O ator e diretor de cinema Charles Chaplin é, desde 1º de janeiro de 1975, Cavaleiro do Império Britânico, de acordo com uma lista publicada em Londres. Ele nasceu na Inglaterra, fez sucesso nos Estados Unidos e, aos 85 anos, retorna ao seu país para receber o título.

(Fonte: Zero Hora – ANO 51 – Nº 17.968 – Almanaque Gaúcho – 21 de dezembro de 2014 – HÁ 40 ANOS EM ZH/2 de janeiro de 1975 – Pág: 44)

 

 

 

 

 

 

 

 

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