Carnaval carioca se desenvolveu em três etapas, primeiro foi o entrudo português

0
Powered by Rock Convert

Hiram Araújo, médico e historiador do Carnaval, diretor cultural da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) e do Centro de Memória do Carnaval (mantido pela Liesa) é ele mesmo o personagem do seu objeto de pesquisa. Aos 89 anos, vividos quase todos a serviço da paixão pela festa de fevereiro, Araújo é autor, entre vários títulos sobre o tema, do esgotado “Carnaval, seis milênios de História”.
Uma paixão histórica.
O Carnaval carioca se desenvolveu em três etapas. Primeiro, foi o entrudo português. Ele chegou em 1723, era uma brincadeira de rua meio bruta, jogava-se uma coisa um no outro, uma questão assim do inconsciente coletivo. Por volta de 1840, nós começamos a importar um Carnaval mais “civilizado”, de baile da Europa.
Aconteceu naquele ano o primeiro baile carnavalesco, que era diferente do de rua, já chegou com bumbo e uma certa musicalidade. Surgiram os cordões e os blocos. Vieram as fantasias da Europa e aquele entrudo, que era uma coisa de rua, virou uma dramatização, uma espécie de teatro ambulante. Importamos personagens como Pierrô, Colombina e Arlequim. Continuou sendo uma brincadeira espontânea. Era de rua, não precisava ninguém programar. Naqueles tempos, cidade do Rio de Janeiro era ia da Candelária à Avenida Beira Mar e ao Campo de Santana. Toda população vivia nesse círculo.
Os comerciantes, que eram os ricos, faziam as grandes sociedades com bailes bonitos. Bem, isso durou até o início do século XX, até 1905, quando a sociedade do Rio de Janeiro experimentou uma grande transformação social.
Pereira Passos mudou a cidade. A população que morava nesse círculo foi expelida para a periferia. O centro antigo virou um centro comercial, os ricos foram para Zona Sul e os pobres para a Zona Norte. O Carnaval se enfraqueceu, não tinha mais o povo para brincar o carnaval, estavam todos espalhados pela periferia.
Mas a festa ressuscitou no século XX. Como?
Em 1930, o presidente Getúlio Vargas, perguntou ao prefeito da época, Pedro Ernesto, “cadê o carnaval?”. Vargas disse que queria Carnaval e o prefeito respondeu: “Então, só tem jeito, tem que dar dinheiro para organizar”. Aí começou o carnaval empresarial, da indústria cultural.
Era preciso montar uma empresa pública para ter o dinheiro para fazer o Carnaval. A metade da verba destinada à festa foi dividida entre as subvenções às pequenas manifestações culturais, como sociedades e ranchos. Essas manifestações já estavam muito fracas porque não havia mais os livros de ouro dos comerciantes. O resto do recurso foi usado para programar o desfile e fazer a decoração de rua.
A partir da década de 1930 tivemos uma mudança em que Carnaval deixou de ser espontâneo e passou a ser programado. O Carnaval virou uma empresa e criou o mercado de fantasias, bebidas etc.
E as escolas de samba?
Esse fenômeno foi como a Fênix, que surgiu das cinzas do carnaval carioca antigo. Porque das cinzas: porque veio da periferia, dos morros. Lá ainda havia o livro de ouro, o pobre é muito mais organizado. Além da subvenção do poder público, havia o dinheiro da comunidade. A Zona Sul não tinha mais comunidade, os ricos foram definhando, as sociedades, ranchos, blocos, cordões, tudo isso foi definhando…
Em 1957, o Estado chamou as escolas para realizarem o desfile na Avenida Rio Branco. O desfile continuou a se desenvolver e em 1962, a Rio Branco também ficou pequena. Aí, fizeram a Candelária, o trecho da Candelária que era a Presidente Vargas saindo da Candelária. E ai começou uma nova etapa, importantíssima, porque mudou o olhar do público sobre o desfile, que passou de horizontal para vertical. Com isso, com mais espaço, as artes plásticas começaram a se desenvolver muito sobrepujando o valor do samba e do sambista que ficava horas e horas lá…os sambistas foram engolidos pelas artes plásticas As alegorias começaram a crescer cada vez mais.
A partir de 1968, o pessoal da Zona Sul perdeu o medo das escolas de samba e passou a freqüentar os ensaios e o desfile. Então, começou a entrar mais dinheiro. Na década de 1970, surgiram os banqueiros do jogo do bicho que começaram a jogar dinheiro nas escolas. De 1973 em diante, o dinheiro deixou de vir do governo, veio dos banqueiros e da própria comunidade. O governo não deu mais verba, mas cedeu uma pista definitiva para o desfile e em 1984 surgiu o Sambódromo.
A essa altura, as 44 escolas de samba estavam divididas entre as que já interessavam ao mercado, porque tinham caído no gosto popular e virado estrelas, e as que não tinham interesse para o mercado. A associação que englobava todo mundo dirigia mal o negócio e dividia igualmente o dinheiro entre todas. Quando acabou desfile de 1984, o primeiro no sambódromo, começou a sobrar dinheiro, porque não tinha mais o monta e desmonta e a sangria de verbas para as empreiteiras. As escolas que atraíam dinheiro se separaram e fundaram a Liga Independente. Estas escolas cresceram, o desfile se tornou um super-espetáculo, o governo entregou a administração do carnaval à Liesa.
As escolas grandes, administradas pela Liesa, com dinheiro do próprio mercado de ingressos e publicidade. As outras escolas estão em associação, e recebem dinheiro do governo. As escolas do grupo Especial são a referência de Carnaval para o mundo.

(Fonte: Revista Metal Mecânica – Ano XXVII – Fevereiro – 2008 – Administração – Entrevista/Hiram Araújo – Pág; 22).

Powered by Rock Convert
Share.