Carmen Portinho, a primeira mulher a se especializar em urbanismo no Brasil.

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Foi a primeira mulher a se especializar em urbanismo

ÍNTIMA DA PAISAGEM

Carmen Portinho (Corumbá, Mato Grosso, 26 de janeiro de 1903 – 25 de julho de 2001, Rio de Janeiro), engenheira e militante feminista, lutou pelos direitos das mulheres e ajudou a mudar a arquitetura e as artes no Rio de Janeiro. Sul-mato-grossense manteve com a paisagem do Rio de Janeiro uma relação muito estreita, desde que chegou ali, ainda criança, procedente de Corumbá. Formada em engenharia, foi a primeira mulher a se especializar em urbanismo. No decorrer do século XX, a sul-mato-grossense, companheira do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, ajudou-o na construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, do qual foi diretora por duas décadas. Esteve à frente do departamento de habitação popular do Rio de Janeiro.

Antenada com as questões da mulher, Carmen participou do movimento para a conquista do voto feminino, durante o governo Vargas. Também dirigiu, por 21 anos, a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), em que chegou a enfrentar policiais para proteger seus alunos nos agitados anos 60. Mais recentemente, ela foi personagem da série de livros Perfis do Rio e lançou uma autobiografia – achava que tinha ainda mais para dizer, “mas não ia dar tempo”, cheia de energia. que morreu dia 25 de julho de 2001, aos 98 anos, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 1° de agosto, 2001 – Edição 1711 – ANO 34 – N° 30 – DATAS/LUPA – Pág; 114/115)

Carmen Velasco Portinho foi a terceira mulher a se formar em engenharia no país, em 1925, pela Escola Politécnica da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Era natural de Corumbá, Mato Grosso, e mudou com os pais para o Rio de Janeiro aos 4 anos. Em 1922, também com menos de 20 anos, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino com Bertha Lutz, Stela Guerra Duval, Maria Amália Bastos.

Em 1922, também com menos de 20 anos, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino com Bertha Lutz, Stela Guerra Duval, Maria Amália Bastos.

Em 1931, elas organizaram o II Congresso Internacional Feminista, ao final do qual Bertha e Carmen redigiram, assinaram e encaminharam a Vargas um documento sobre os direitos das mulheres. Antes, em 1929, Carmen havia fundado a União Universitária Feminina e posteriormente, em 1937, a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas.

Como profissional de engenharia ela não ficou atrás. Em 1936 criou o anteprojeto para a futura capital do Brasil no Planalto Central e foi a primeira mulher a receber o título de urbanista no Brasil, pela extinta Universidade do Distrito Federal, em diploma assinado por Mário de Andrade. Nos anos 1940 chefiou o Departamento de Habitação Popular para traçar um plano de acomodação dos funcionários públicos em apartamentos funcionais, perto do emprego. Dessa proposta saiu o projeto do conjunto do Pedregulho, no Rio. O arquiteto da obra, elogiada em todo o mundo, foi Affonso Eduardo Reidy, companheiro de Carmen.

Na época, não era incomum algumas feministas evitarem o casamento formal como um modo de afirmar suas convicções, embora não se possa dizer com certeza que era essa a intenção de Carmen. Foi Reidy quem também projetou o prédio do Museu de Arte Moderna do Rio, nos anos 1950, do qual ela foi diretora. Na década seguinte, a engenheira passou a dirigir a Escola Superior de Desenho Industrial e lá ficou entre 1967 e 1988.
(Fonte: www.revistapesquisa.fapesp.br – MEMÓRIA/ Por Neldson Marcolin – Edição Impressa 134 – Abril 2007)

Carmem Portinho 1903-2001), sufragista da arquitetura brasileira
Talvez antes de fechar seus olhos aos 98 anos, Carmen teria se perguntado se valeu a pena dedicar tanto esforço à liberação da mulher, diante da persistência de humilhações e subjugações femininas de islâmicos, talibaneses e dissímeis tribos, em diferentes pontos cardeais do planeta. Iniciada essa luta em 1922, integrada na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, conseguiu encontrar-se com Getúlio Vargas em 1933 e convencê-lo de instaurar o voto feminino universal no Brasil; logo em 1937, criou a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas. Porém se ela passará à história social latino-americana por suas batalhas reivindicativas e sua decidida vocação esquerdista – apesar de não declarar, sabe-se de sua identificação com o trotskismo –, será também lembrada como companheira do arquiteto Affonso Reidy, e pela sua participação em alguns dos projetos mais importantes da vanguarda arquitetônica e do design no Rio de Janeiro. Sem dúvida, foi um dos primeiros casais do Movimento Moderno, insólitos na ocasião e tão comuns na atualidade, como o demonstram Charles e Ray Eames; Peter e Alison Smithson; Robert Venturi e Scott Brown; Duany e Plater-Zyberk; Galdensonas e Agrest; Miralles-Pinós-Tagliabue; van Berkel e Bos, e outros.

Ao diplomar-se em engenharia civil em 1926, poucos poderiam suspeitar que sua graciosa e diminuta figura ocultasse uma vontade de ferro – oposta à monumental da senhora Farnsworth que infernizou a vida de Mies van der Rohe –, dirigida à defesa e materialização do urbanismo, a arquitetura e o desenho industrial no Brasil. Funcionária da Prefeitura do Distrito Federal, com muitos cargos diretivos ao longo de três décadas, apoiou com todas as energias a concretização de obras sociais de seu companheiro, Affonso Reidy, e a difusão dos alcances do Movimento Moderno, tanto local como europeu. Anteriormente à chegada de Le Cobusier ao Rio em 1936, publicou nas páginas da Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal as realizações holandesas, francesas, russas e da Europa Central que alimentaram o repertório local de jovens arquitetos cariocas. Em 1936 após seguir o primeiro curso nacional de urbanismo na recente Universidade do Distrito Federal, recebeu o diploma de urbanista outorgado por tal instituição, com um projeto para a “Capital do Brasil no Planalto Central”, inspirado nos moldes da Ville Radieuse de Le Corbusier, e antecedente direto ao desenho de Lúcio Costa para Brasília.

Pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1944) recebeu uma bolsa para conhecer as experiências realizadas na Inglaterra sobre habitação popular, e ao fim da guerra viajou a Paris para encontrar-se com Le Corbusier no estúdio da Rue de Sèvres recém reaberto. O motivo da visita era mostrar-lhe as fotos do Ministério de Educação e Saúde, cujo projeto havia sido assessorado pelo Mestre. Contou a anedota que ao ver as imagens da obra concluída ficou pálido comentando: “esses jovens conseguiram fazer lá o que não pude fazer aqui”. Sem dúvida, Le Corbusier ficou surpreendido pelas mudanças introduzidas às propostas que ele deixara no Rio, que melhoraram notavelmente o edifício, logo publicado como seu num dos volumes das Obras Completas.

Na sua volta ao Brasil, é nomeada em 1947, diretora do Departamento de Habitação Popular da Prefeitura, e inicia-se ali, a etapa mais frutífera de sua obra. Influenciada pelas experiências européias, propõe a construção de grandes conjuntos habitacionais populares equipados com serviços sociais, distanciando-se dos esquemas tradicionais e burocráticos dos blocos isolados de apartamentos ou das rígidas casas individuais. Com Reidy elaboram os dois exemplos mais importantes da habitação coletiva realizados no Rio de Janeiro na segunda metade do século XX: o conjunto de Pedregulho (1948) e o da Gávea (1952), ambos configurados por uma fita ondulante – associação com a proposta da faixa urbana contínua que formulara Le Corbusier em 1929 – moldava sobre a acidentada topografia de ambos terrenos. Sua força de vontade e empuxo – frente ao caráter tímido e retraído de Reidy –, fazem possível a concretização dessas imagens arquitetônicas inéditas, contra as persistentes dificuldades administrativas impostas por funcionários burocráticos e políticos incultos.
Seu constante contato com arquitetos e artistas plásticos a aproxima progressivamente do mundo da arte. Participa da batalha que levaram a cabo os intelectuais cariocas pela criação de um Museu de Arte Moderna, similar ao existente em São Paulo. Em 1952 é nomeada diretora da nova instituição e começa o desafio de construir uma nova sede: consegue um espaço no Aterro desenhado por Burle Marx, e Affonso Reidy é encarregado do projeto do MAM, criando um dos edifícios mais importantes da arquitetura moderna brasileira. Ao receber em 1953 a visita de Max Bill, interessa-se pelo ensino do desenho industrial na nova Hoschule für Gestaltung de Ulm e propõe a realização de cursos similares no museu. A partir de então dedica-se ao objetivo de fundar uma escola no Rio de Janeiro. Com a ajuda de Tomás Maldonado e Otto Aicher – que ministram cursos em 1956 –, cria-se a ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial, primeira da América Latina), e atua como diretora do insituição entre 1967 e 1988.

É provável que o grande público e os jovens profissionais e estudantes de arquitetura hoje desconheçam o nome de Carmen Portinho. Seu legado ao “desenho ambiental” brasileiro é muito mais importante que o de alguns arquitetos do star system com seus nomes de sempre presentes no hit parade das mídias. A lembrança de sua obra foi testemunhada em dois livros recentes: Ana Luiza Nobre, Carmen Portinho, o moderno em construção, 1999; e uma autobiografia Por toda a minha vida, de Geraldo Edson de Andrade, 1999, ambos publicados no Rio de Janeiro. Que seu longo exemplo seja modelo para as gerações futuras de arquitetos e designers latino-americanos.

(Fonte: www.vitruvius.com.br – Revistas/ Por Flávio Arancibia Coddou – Ano 02 – Arquitextos/ Agosto 2001)

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