Carlinhos Oliveira, escritor e jornalista capixaba que tornou-se, ao longo dos anos 60, o emblema máximo de uma espécie conhecida nacionalmente – a do intelectual de Ipanema

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Carlinhos Oliveira: cronista de Ipanema

 

Cronista: Carlinhos Oliveira – (Foto: Sebastião Barbosa / Arquivo)

 

 

José Carlos Oliveira (Vitória, 18 de agosto de 1934 – Vitória, 13 de abril de 1986), escritor e jornalista capixaba que tornou-se, ao longo dos anos 60, o emblema máximo de uma espécie conhecida nacionalmente – a do intelectual de Ipanema.

 

Sentado no terraço de bares, sempre com um copo de uísque na mão e um boné na cabeça, Carlinhos Oliveira, como ficou conhecido, chegou ao Rio de Janeiro quando tinha 18 anos e logo revelou seu talento para o jornalismo e a literatura.

 

Durante mais de vinte anos escreveu cerca de quatro crônicas por semana para o Jornal do Brasil, em que falava de sua vida e das pessoas que encontrava ou via nos bares. “Sou uma espécie de psicanalista amador da Zona Sul carioca, misturado com cronista”, dizia.

 

“ROMANCISTA-MONGE” – Irrequieto e irreverente, Carlinhos Oliveira ganhou fama como cronista, mas jamais abandonou seu sonho de ser um grande escritor, à altura de seus ídolos – os americanos William Faulkner e Edgar Allan Poe e o francês Charles Baudelaire.

 

Publicou quatro romances desiguais, como Terror e Êxtase e Domingo 22, uma peça e reuniu algumas de suas crônicas em dois volumes. Continuou, acima de tudo, um cronista, um observador romântico do cenário carioca, combinando, como disse o também cronista Rubem Braga, “momentos intensamente iluminados de poesia e outros lancinantes de sofrimento”.

 

Em 1981, Carlinhos Oliveira saiu de Ipanema, mudando-se para Vila Isabel, subúrbio do Rio de Janeiro. “Ninguém quer saber de pensar coisas profundas em Ipanema”, justificou.

 

Nessa época, o cronista começou a sofrer de pancreatite e deixou de beber. Passou então a percorrer santuários religiosos, como Lourdes, na França e Fátima, em Portugal, dizendo – entre sério e sarcástico – que iria se tornar um “romancista-monge”.

 

Em 1984, Carlinhos consultou um médico de Paris e soube que a doença se agravara e que lhe restava pouco tempo de vida. Retornou a Vitória, a cidade onde nasceu, para escrever o seu último romance, “Bravos Companheiros e Fantasmas”.

No domingo, dia 13 de abril de 1986, Carlinhos Oliveira faleceu, aos 52 anos, de pancreatite, no Hospital da Associação dos Funcionários Públicos do Espírito Santo, em Vitória.

(Fonte: Veja, 23 de abril de 1986 – Edição 920 – DATAS – Pág: 98)

 

 

 

 

 

Artigo: Carlinhos Oliveira, um doido em forma de canção

Quando morreu, deixou um vácuo que ainda não foi preenchido

Lírico e indignado. Reflexivo e provocador. Por esses e outros motivos José Carlos (Carlinhos) Oliveira foi o cronista mais influente do Brasil durante 23 anos. Entre 1961 e 1984, quatro vezes por semana, a sua coluna no extinto “Jornal do Brasil” era leitura obrigatória. Quando morreu, em 13 de abril de 1986, deixou um vácuo que ainda não foi preenchido.

“Surrealista por temperamento, anarquista por indisciplina de berço, boêmio por amor à vagabundagem, agregado à elite pensante por acaso”, era como se definia. Com personalidade complexa, incorporou diferentes papéis ao longo da vida: escritor maldito, criança abandonada, bon vivant mulherengo, intelectual perspicaz e independente. Mas para um de seus melhores amigos, César Thedim, ele era simplesmente “um doido em forma de canção”.

Apesar de ter sido um boêmio militante a vida toda, protagonista de porres e escândalos nos melhores botecos de Copacabana ao Leblon, seus temas iam muito além da fauna noturna. Em textos de alta voltagem literária, comentava todos os assuntos: religião, futebol, sexo, política, contracultura, drogas, boemia, moda, lazer, imprensa, carnaval, transformações urbanas, música popular, crime, neuroses, conflitos sociais, artes, televisão, ecologia. Sempre assumindo posições, expondo-se ao julgamento público, o que lhe rendeu bons debates e alguns desafetos.

Alternava amenidades inconsequentes com provocações e polêmicas, colocando o dedo na ferida da alma brasileira, sem perder a ternura. Para isso subverteu as convenções da crônica tradicional. Um dia era monólogo psicológico, outro dia era um esquete teatral ou fábula, diário, sátira, poema em prosa, pastiche, autoficção, estilo do qual foi precursor no Brasil. Em 1981 ele estendeu a autoficção da crônica para o romance “Um novo animal na floresta”, narrativa polifônica em que autor, narrador e protagonista se fundem num único sujeito.

Cronista vocacionado desde os 16 anos, aos 18, em 1952, já praticava o que só na década seguinte, nos Estados Unidos, seria denominado Novo Jornalismo, ou jornalismo literário. Como nas reportagens “O Café Vermelhinho até parece moça de boa família” (no livro “O homem na varanda do Antonio’s”) e “Mãos estendidas para o parlamento” (no livro “Máscaras e codinomes”).

Em 1953 já alertava sobre o problema do menor infrator: “Estamos criando uma geração de revoltados sociais”. Confessional por temperamento, transformou experiências, pensamentos e sentimentos pessoais em textos que transcenderam as circunstâncias imediatas.

Tratavam de violência, miséria social e moral, hipocrisia, injustiça, preconceitos, morte, intolerância, solidão, liberdade, amor, enfim, os labirintos e abismos da condição humana.

Por isso a maior parte de suas crônicas não envelheceu. Uma de suas frases se encaixa perfeitamente no atual momento brasileiro: “Alguma coisa está errada, alguma coisa está podre, e o fedor envenena a minha consciência”.

O conjunto de suas mais de 3 mil crônicas formaram um painel da sociedade brasileira nas efervescentes décadas de 1960 e 1970. Depois de ter organizado quatro volumes de crônicas dele (“O homem na varanda do Antonio’s”, “Máscaras e codinomes”, “Flanando em Paris”, lançados pela Civilização Brasileira, e “O Rio é assim”, pela Agir), estou planejando mais três volumes, sobre os temas Humor, Mulher e Cultura, crônicas sobre música, cinema, teatro, imprensa, TV, artes plásticas e literatura nos anos 1960 e 70.

(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/musica/artigo- CULTURA – MÚSICA / POR JASON TÉRCIO* – 

*Jason Tércio, jornalista e escritor, é autor da biografia de Carlinhos Oliveira, “Órfão da tempestade” (Objetiva)

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