Assis Chateaubriand, foi rei da imprensa, senador, embaixador, amante e polemista radical, mandou como ninguém

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O jornalista e empresário brasileiro Assis Chateaubriand (1892-1968).

O jornalista e empresário brasileiro Assis Chateaubriand (1892-1968).

 

Poder, grana e mulher nua

O pequeno notável

Personagem de um grande folhetim, Assis Chateaubriand amou, odiou e mandou como ninguém

Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (Umbuzeiro, 4 de outubro de 1892 – São Paulo, 4 de abril de 1968), mais conhecido por Assis Chateaubriand. Foi rei da imprensa, senador, embaixador, amante e polemista radical.

Chateaubriand foi uma personalidade tão múltipla que vem sendo comparado com outro magnata da imprensa, o americano William Randolph Hearst. Comparado à Chatô…, Hearst parece mais um pobre-diabo endinheirado, embora tenha inspirado um grande clássico do cinema, Cidadão Kane, de Orson Welles.

Como no filme, em que os mistérios da vida de um homem são apurados e colados uns aos outros por um repórter, que precisa identificar o que é verdade ou lenda, miséria ou grandeza, na comparação com Assis Chateaubriand, a densa teia de fatos e versões vai sendo montada com uma precisão cirúrgica, por datas, nomes e lugares.

Desde que fundou seu primeiro diário, O Jornal, em 1924, até morrer, em 1968, Assis Chateaubriand escreveu 11 870 artigos assinados. Se a extensão mede o poder de fogo da palavra impressa, o ancião paralítico, foi sua encarnação mais assombrosa, ao deixar noventa empresas – dezenas de jornais, 28 emissoras de rádio, as principais estações de televisão, uma agência de notícias, agências de propaganda, doze revistas. De quebra, um castelo na Normandia, nove fazendas produzindo em quatro Estados, indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos.

Nos últimos quarenta anos mandara como ninguém neste “país de botocudos”, como dizia num misto de desprezo e orgulho.

Se a riqueza de uma vida se mede pela extensão de sua biografia, então Chateaubriand deve ser retratado como um titã, não economizava palavras, além de esbanjá-las num estilo vigoroso e assustador, frequentemente grosseiro e capaz de arrasar reputações de condes a presidentes da República, ainda interferiu em todas as conspirações políticas do Brasil entre 1924 e 1964.

O imperador do Brasil sempre se comportou como chefe de Estado que fazia questão de comitivas e corte ao seu redor e não tinha pudores de, senador da República, ocupar a tribuna para exigir “uma faxina nas latrinas desta casa”.

Polemista cafajeste, achacador de anúncios para os seus jornais e “paraíba cabra macho” (outro orgulho) que em 1935 mandou castrar o industrial paulista Oscar Fleus porque este teimava em cobrar-lhe uma dívida de 1 milhão de dólares em máquinas impressoras.

Chateaubriand foi uma personalidade tão múltipla que por exemplo: Pediu dinheiro a todo mundo rico, desafetos inclusive, para dotar cada aeroclube do Brasil de um avião e assim montar uma frota “maior que a da Inglaterra”. Escreveu linhas iradas contra o conde Francisco Matarazzo, o homem mais rico do Brasil, que lhe mandou um avião, “pois deste eu esperava receber pelo menos cinco”.

Sua campanha patriótica, no entanto, foi manchada pelos boatos de que recebia entre 10% e 20% de comissão na compra de cada avião (em dez anos, teria embolsado, na época, cerca de 900 000 dólares). Dizia-se que muitos aviões não chegavam ao destino porque na verdade nunca existiram e que um pintor do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, era encarregado de raspar e pintar uma única fuselagem com novos nomes. No entanto, os muitos jornais de oposição aos Diários Associados, comandados pelo “velho capitão”, nunca localizaram um aeroclube que tivesse deixado de receber seu aparelho depois de uma cerimônia de batismo.

 

O Kane de Umbuzeiro, filho do juiz da cidade e nascido em 4 de outubro de 1892, dia dos animais, cresceu feio, raquítico, amarelo, opilado e gago, inepto para qualquer atividade física – e, ao contrário do americano, não deixava que nenhum tipo de angústia lhe passasse “além das canelas”.

Empresário e senador, dormia exercendo essas funções quando tinha vontade. Com sobrenome francês emprestado do escritor e visconde François René de Chateaubriand (1768-1848), que o avô admirava, deveria ter vindo ao mundo em berço esplêndido, mas a grande seca de 1877 empobreceu seus ramos paterno e materno.

Os quatro filhos do juiz cresceram ouvindo saraus de música e poesia e Francisco, com uma cantilena nos ouvidos, a de que gagueira é vergonha. Só foi alfabetizado aos 12 anos e teve vida escolar medíocre no Recife, onde passou a adolescência. Na velhice, às vésperas de sofrer a trombose dupla que o deixou tetraplégico, apregoava por todo canto que tinha uma “saúde muar”, que nadava, remava, não bebia, não fumava e quem poderia atestar sua boa saúde “eram as mulheres”.

 

PATUREBAS E MANIPANSOS – Antes de chegar à sua culminância física, era apenas um moleque minguado que cortava panos numa loja e, por curiosidade, foi aprender alemão e francês com os padres. Lia tudo o que lhe caía nas mãos. A curiosidade salvou-o do anonimato. A curiosidade seria também sua primeira “alavanca” – palavra que usou copiosamente ao longo da vida ao descrever sua vocação de jornalista e também para explicar seus negócios em que entrava com dinheiro imaginário e um cordão de milionários para lhe dar aval.

 

“Para um moço pobre que chega da roça aqui no Rio de Janeiro”, escreveu Chateaubriand nos anos 20, “o capital mais importante que tem a levantar são as relações com gente influente. Se conseguir isso, depois é só colocar essas relações para render juros. Daí em diante a vida se encarregará da minha sorte.” Anos depois, comentou que jornal não se vende, “como não se vende um filho deficitário”. “Porque meus jornais são minha gazua. Pergunte ao Meneguetti se ele vende a gazua dele” (Ildo Meneguetti era o mais famoso ladrão de São Paulo na época.)

 

Começou em jornal aos 14 anos, na Gazeta do Norte, época em que a moda do jornalismo não era a notícia, mas a polêmica. Tentou comprar brigas por lá, mas descobriu logo que uma polêmica, para ser boa, tem que ser travada no sul, “ou não terá repercussão nacional”. A espinha dorsal do trator Chatô estava identificada. Ele já fazia críticas de ópera no Recife como se realmente entendesse do assunto.

 

Por isso, mão teve nenhuma cerimônia em entrar na briga travada no sul entre Sílvio Romero (1851-1914) e José Veríssimo, dois poços de vaidade que disputavam o Olimpo da crítica literária brasileira. Eles se tratavam por “manipanso provinciano”, “paxá da crítica indígena”, “matuto” e “vem que quero esmagar-te de vez, patureba”.

 

O jovem Francisco estava justamente “temperando o aço do meu florete, à espera de um inimigo” e quase dá para imaginá-lo lambendo os beiços diante desse lodaçal adjetivo. Escreveu artigos atacando Romero, que não respondeu. Veríssimo, no entanto, pagou discretamente para publicá-los em livro, A Morte da Polidez, para distribuir aos amigos. Então, era isso: uma vítima, um patrocinador, amigos – e uma gazua.

 

Com esses princípios e um diploma de advogado no bolso, Chateaubriand iria longe no Rio de Janeiro. Introdutor de “métodos paraibanos” nas polêmicas cariocas, mandou uma cascavel de verdade para o escritor João do Rio – que tinha o apelido de “Cascavel” -, junto com um cartão educado. Tratou de comprar seu primeiro carro, uma baratinha Panhard francesa, porque “a fortuna não anda mais a pé”. Cínico e ferozmente intuitivo, explicou: “As sociedades vivem de mitos. Quero que a burguesia alimente o mito da minha petulante fortuna, porque é desta burguesia que precisarei, muito em breve.”

 

ALÉM DA REALIDADE – Esperou para ter seu próprio jornal (“que é como mulher, não dá para dividir com sócios”) e enquanto esperava ia espancando velhas glórias: “Ruy Barbosa é pra mim, que conheço mal os fósseis da língua portuguesa, um dos mais notáveis escritores estrangeiros do nosso idioma. Leio-o de dicionário em punho”. Com dinheiro bastante para morar num apartamento de três quartos no recém-inaugurado Copacabana Palace, pegou enfim dinheiro com um agiota, o conde Modesto Leal, avalizado pelo dono de O Estado de S.Paulo, Julio Mesquita, vendeu ações e lançou O Jornal. Tinha 32 anos. Este é o império no seu começo.

 

No fim, depois de lançar a revista Cruzeiro (o O viria mais tarde), primeiro semanário de circulação nacional, em 1928, e a TV Tupi, primeira emissora do Brasil, em 1950, Chateaubriand estava paralítico do pescoço para baixo e seu único pulmão vivo tentava desesperadamente sugar oxigênio para continuar funcionando. Tivera três mulheres, com as quais não se dava mais. Seus três filhos brigavam entre si e estavam, em graus variados, rompidos com o pai. Foi em 1960, às vésperas do Carnaval, quando 5 000 telegramas chegaram à Clínica Doutor Eiras, no Rio de Janeiro, para saber do doente, e suas rádios tocavam música fúnebre por antecipação.

Lembrou-se o embaixador do Brasil na Inglaterra que enfiou um chapéu de cangaceiro na cabeça de um perplexo sir Winston Churchill e a quem condecorou como Cavaleiro da Ordem do Jagunço. Que deu um colar de 300 000 dólares (pagos por doadores brasileiros) à rainha Elizabeth II, a quem saudou com faixas do Senhor do Bonfim espalhadas pelas ruas de Londres. Que deixou sentado no chão o banqueiro Nelson Rockefeller ao inaugurar seu tão sonhado museu, montado também com dinheiro de doadores coagidos e temerosos, exibindo Picassos a 14 000 dólares e Matises a 13 000 comprados depois que ele e o diretor do Masp, Pietro Maria Bardi, “passaram como hunos pela Europa devastada pela guerra”. Lembram-se festanças memoráveis, como uma reunindo falsos cangaceiros no Palácio de Corbeville, na França, com a mulher do presidente Getúlio Vargas, dona Darcy, e sua filha Alzira na plateia e a jovem modelo Danuza Leão entrando num palco a cavalo e fantasiada de Maria Bonita. Que visitara aldeias de índios na Amazônia e que posara pelado ao lado deles. Que…

Na verdade, o homenzinho fora tudo isso e muito mais, como insuperável personagem de grande folhetim. Para Chatô, a enumeração de suas façanhas parecia mesmo muito pouco. Ouviu conversas bizarras. Achavam em volta de sua cama que ele era um morto duplo e que por isso deveria ter um cortejo como embaixador e como senador, mesmo num sábado de carnaval. Perdido no escuro, Chateaubriand se viu ao lado da filha Teresa, nus e com os corpos pintados de vermelho e azul, comendo pedaços de carne humana. O Diário da Noite dava a data, 15 de junho de 1556.

A refeição era constituída de bispos portugueses, sentados na foz do Rio Coruripe, tal como garantiram a Chateaubriand seus antepassados caetés. Um chumaço de algodão embebido de iodo, aplicado na garganta do paciente, interrompeu o delírio. Contrariando os médicos, Chateaubriand sobreviveu mais oito anos mudo e usando um único dedo recuperado da tragédia para escrever seus artigos. Ele descobrira e adotara muito cedo uma máxima, que usou até o fim: “Quem quiser ter opinião que compre jornal.”

Assis Chateaubriand faleceu fulminado por um ataque cardíaco, em São Paulo, dia 4 de abril de 1968, aos 75 anos. Foi velado no salão do Museu de Arte de São Paulo, criação sua, perante uma multidão reverente e obras-primas de Reinoir, Ticiano e Goya penduradas nas paredes, simbolizando, segundo Bardi, as três coisas que mais amou: o poder, a arte e a mulher, ganhou honra de estadista.

(Fonte: Veja, 3 de agosto de 1994 – ANO 27 – Nº 31 – Edição 1351 – LIVROS/ Por Geraldo Mayrink – Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais – Pág: 114/116)

 

 

 

 

O jornalista Assis Chateaubriand funda o Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 2  de outubro de 1947.

(Fonte: Zero Hora – ANO 51 – 2  de outubro de 2014 – Almanaque Gaúcho/ Por Jones Lopes da Silva – Pág: 52)

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