Antônio Bandeira, pintor cearense, um mestre do abstracionismo.

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Manchas sedutoras

Antônio Bandeira (Fortaleza, 26 de maio de 1922 – Paris, 6 de outubro de 1967), pintor cearense, um mestre do abstracionismo. Quando resolveu pintar seu Auto-Retrato na Garrafa, em 1945, o cearense Antônio Bandeira não sabia estar realizando sobre a tela uma dupla despedida.

Aos 23 anos, Bandeira, então um artista pobre, desconhecido e recém-chegado ao Rio de Janeiro, inicialmente dizia adeus a um estilo: o expressionismo, que ele, assim como a grande maioria de seus colegas, aprendera a copiar dos mestres alemães do começo do século 20. À moda expressionista, mas já exibindo um talento invulgar, Bandeira retratou-se triste e deformado, refletido sobre um garrafão. Exagerou sua morenice, transformando-se num mulato de olhar enigmático.

Hipertrofiou também suas mãos, inspirando-se na pintura antropofágica de Tarsila do Amaral. Mas, antecipando o futuro, o quadro anuncia a revolução que poucos anos depois contagiou definitivamente os pincéis de Bandeira. A novidade surge nas pinceladas soltas de azul, quase abstratas, que formam a camisa do pintor.

Na mesma tela, por fim, o artista despedia-se também do Brasil. Em 1946, meses depois de terminar a tela, Bandeira ganhou uma bolsa do governo francês e mudou-se para Paris, onde viveu, quase ininterruptamente, até morrer de um choque anestésico em outubro de 1967 durante uma corriqueira operação de extração de pólipos nas cordas vocais.

Desconhecido do público, o Auto-Retrato de Antônio Bandeira é uma imagem surpreendente, que marca a transição do artista rumo ao abstracionismo informal – o estilo marcado por manchas e respingos de cores fortes. O retrato de Bandeira integrou uma exposição com outros quarenta de seus trabalhos abstratos em óleo, guache e nanquim. A mostra, foi uma boa oportunidade para apreciar a maestria de Bandeira, permaneceu em cartaz em São Paulo, até o dia 19 de dezembro de 1992. O acervo exposto foi produzido entre meados do anos 40 e 60, o período de maturidade do pintor.

Banderrá – Boa parte da vida e da obra de Bandeira, permanece envolta em mistério. Calcula-se que ele, um grandalhão homossexual de voz grave e modos afáveis, e conhecido na boemia parisiense por suas bebedeiras homéricas, tenha realizado entre 2 000 e 3000 obras. É praticamente impossível levantar toda sua obra. Possivelmente muitos de seus quadros continuam espalhados pela Europa.

Até hoje, Bandeira continua a ser identificado no mercado internacional como um abstracionista francês cujo nome é pronunciado como “Banderrá”. Na era Collor, um dos quadros do pintor enfeitava o gabinete do Palácio do Planalto. O presidente Itamar Franco resolveu devolver a tela, ao porão do Planalto. Nem por isso o prestígio de Bandeira no mercado se abalou. O preço de suas melhores telas equivale ao dos grandes nomes figurativistas, como Portinari e Guignard. Entre os abstracionistas informais brasileiros, a arte de Bandeira só se compara, em termos de qualidade, aos melhores momentos de poucos mestres, como Manabu Mabe e Loio Persio, que tomaram contato com o estilo nos anos 50, quando o movimento desembarcou com atraso no Brasil. Pelo menos cinco anos antes, o abstracionismo informal, ou tachismo, já era a discussão obrigatória nos cafés parisienses. Antônio Bandeira teve a sorte de chegar ao lugar certo no momento certo e, graças a isso e a seu talento, pode ser um vanguardista de primeira hora.

Na França do pós-guerra, depois dos surrealistas, de Picasso e de Mondrian, os pintores reivindicavam cada vez mais liberdade para a pintura, além de descartarem o uso de figuras, linhas ou de qualquer obrigação com a realidade ou com a geometria. De uma só tacada, pretendiam conciliar duas vertentes contrárias da arte do século XX. De um lado, queriam ser infantis, como as crianças que pegam no lápis pela primeira vez. De outro, se ocupavam com os problemas estéticos causados pela “pintura pura”, totalmente desligada da realidade.

Inicialmente tímida em sua mudança para o abstracionismo, usando cores delicadas e formas geométricas, a pintura de Bandeira se assemelhava às favelas de cidade feitas pele portuguesa Vieira da Silva, uma mestra da pintura construtivista. Mas ao se aproximar de dois outros pintores, Wolfgang Wols (1913-1951) e Camille Bryen (1907-1977), com quem fundaria o grupo Banbryols (que teve sua marca formada a partir da junção de sílabas dos nomes dos artistas), o brasileiro acabou se libertando de qualquer imposição. Quando Wols morreu, em 1951, extinguiu-se o Banbryols, um dos movimentos pioneiros do abstracionismo informal no planeta.

BRIGA EM FAMÍLIA – Ainda que tenha abalado bastante Bandeira, a morte de Wols não interrompeu a evolução de sua pintura. Ao longo de todos os anos 50, ele passou a abusar de cores fortes, principalmente verdes, vermelhos e azuis colorindo nervosos rabiscos e manchas. O curioso é que muitas vezes dava títulos figurativos a seus quadros, como é o caso do guache e nanquim sobre cartão Navio, de 1960. Sobre um esboço que lembra de fato a carcaça de um navio, beirando o figurativismo, deixou escorrer o guache, provocando um borrão de azul transparente, que engolfa todo o “barco”.

Na arte de Antônio Bandeira, a solidão ocuparia um lugar importante. Mesmo tendo cultivado sólidas amizades ao longo da vida, Bandeira sempre foi uma criatura solitária. Distante da família, seus irmãos só se interessaram por sua obra depois de sua morte, quando brigaram entre si pela posse dos quadros, já bastante valorizados. Conforme dizia o próprio Antônio Bandeira, “meu abstracionismo é mais abstrato porque vivo sozinho. Quando se convive com gente, pode-se perfeitamente pintar o retrato do mundo.”

(Fonte: http://www.mercadoarte.com.br/artigos/artistas/antonio-bandeira/antonio-bandeira)
(Fonte: Veja, 2 de dezembro de 1992 – ANO 25 – Nº 49 – Edição n° 1264 – ARTE/ Por Angela Pimenta – Pág; 108/109)

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