Ando Hiroshigue, pintor e gravador, mestre japonês que influenciou Manet, Gauguin e Van Gogh

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Ando Hiroshigue (Edo, hoje Tóquio, 1797 – Edo, hoje Tóquio, 12 de outubro de 1858), pintor e gravador, mestre japonês que influenciou Manet, Gauguin e Van Gogh. Em sua época e cultura, o indivíduo se considerava menor que seu trabalho e sua função comunitária. Filho de um bombeiro, ele nasceu em 1797 em Edo – hoje Tóquio – e imortalizou sua cidade na monumental série “Cem Vistas Célebres de Edo”. Aos 13 anos, com a morte do pai, substituiu-o em sua profissão. Mas logo conseguiu se dedicar apenas à gravura e se integrou numa tradição ininterrupta, que se extinguiria justamente com sua morte, em 1858.

ELOQUÊNCIA LÍRICA -– É necessário colocar Hiroshigue sobre o pano de fundo dessa tradição para medir sua grandeza. Desde os finzinhos do século XVII, o ukyo-ê (uma xilogravura policrômica de delicadas gradações) foi a forma por excelência da melhor arte no Japão. Paradoxalmente surgiu como um produto de consumo absorvido pela sociedade japonesa do século XVIII como hoje se absorvem os posters e postais. Os temas, naturalmente, se adequam à função. Um espelho da vida popular em toda sua liberdade e variedade, como a arte de nenhum outro país conseguiu mostrar.

Como o último chegado ao conclave, Hiroshigue encontrou, antes de mais nada, antecessores difíceis de superar, como Kitagawa Ultamaro (1753-1806) e Katsushita Hokusai (1760-1849). Costumam caber a Hokusai as honras de representante máximo da escola. E houve de fato nesse mestre inesgotável (que viveu 90 anos, mudou-se de casa 93 vezes e no leito da morte reclamou: “Mais cinco anos e eu me teria tornado um pintor”) uma dimensão titânica, prometéica, que poderia lembrar Beethoven ou Pablo Picasso.

Não foi essa a situação de Hiroshigue. Paisagista por excelência (e o maior de todos, nesse gênero específico), ele opôs ao enciclopedismo de Hokusai uma eloquência lírica e suave. Se (apenas metaforicamente) Hokusai se associa a Beethoven, haveria em Hiroshigue algo de Schubert e Chopin. Um delicado extravasar de emoções, nascidas do contato direto com a vida.

Ninguém melhor que Van Gogh, soube perceber o valor de Hiroshigue. Numa das cartas ao irmão Theo, Vincent fala dos “nervos mais afiados” dos artistas japoneses e de seu “sentimento mais simples”. Hiroshigue encarnou magnificamente ambos os traços. E não foi por outro motivo que o atormentado gênio holandês, em 1888, copiou a óleo duas obras do remoto gravador, e inspirou-se em outras para alguns desenhos. Do Japão vinha-lhe um necessário e desejado sopro de leve poesia.

Há várias histórias sobre como Ando Hiroshigue chegou ao ocidente pelas mãos do pintor americano James McNeill Whistler (1834-1903). Ou melhor: como chegou a sua obra, já que ele, um japonês dos fins do século XVIII, nunca saiu de sua ilha. A mais fantasiosa das versões afirma que Whistler (na época, em Londres) uma vez recebeu um pacote de chá embrulhado numa gravura do artista. Mais provável é que as gravuras lhe tenham sido remetidas do oriente por um amigo missionário, como forma de lhe mostrar uma cultura semibárbara.

Mas aconteceu justamente o contrário. Deslumbrado, Whistler passou a pesquisar a gravura japonesa do período (denominada ukyo-ê) e sofreu sua influência. Pouco depois a dinastia Meiji iniciava sua política ocidentalizante e abria as portas quase indevassadas do país. E uma verdadeira onda de japonesismo espraiou-se na Europa, traduzida, em seu nível mais alto, pelo sortilégio sobre artistas como Manet, Gauguin e Van Gogh – que estão na raiz da criação contemporânea.

DEDICAÇÃO ABSOLUTA -– Um sortilégio que perdura até hoje. Destacando-se sobre outras exposições mais diretamente vinculadas aos setenta anos de imigração japonesa no Brasil, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand reuniu em sua sala principal 53 gravuras originais de Hiroshigue. E não é nem um pouco difícil imaginar o prazer e o alívio com que os criadores da moderna pintura ocidental se voltaram para esses trabalhos arejados, antiacadêmicos e, ao mesmo tempo, de uma espontaneidade só possível através da dedicação absoluta.

(Fonte: Veja, 5 de julho de 1978 -– Edição 513 -– ARTE/ Por Olívio Tavares de Araújo -– Pág; 108)

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