Alfred Hitchcock, cineasta que alcançou êxito graças a seu talento de contador de histórias

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O primeiro cineasta a ficar tão conhecido como os superastros da tela

Hitch: muito acima da realidade

O contador de histórias com imagens geniais

Alfred Hitchcock (Londres, 13 de agosto de 1899 – Los Angeles, 29 de abril de 1980), cineasta que alcançou êxito graças a seu excepcional talento de contador de histórias.

Chamar Alfred Hitchcock de “mestre do suspense” não está errado – só que vem a ser uma simplificação tão grande como considerar “Édipo-Rei”, de Sófocles, apenas uma ótima peça policial. Como nenhum outro cineasta, Alfred Joseph Hitchcock era capaz de manipular as expectativas da plateia, mas sua obra representa muito mais que uma habilidosa coleção de truques. Na maioria de seus 53 filmes, esse diretor nascido em Londres em 1899 fez questão de romper com as convenções da história de mistério.

Em filmes tão variados, como “Festim Diabólico” (1948), “Disque M Para Matar” e “Janela Indiscreta” (1954) ou “Frenesi” (1972) – o penúltimo de sua carreira -, Hitchcock fornece a chave do enigma logo de saída e mesmo assim mantém vivo o interesse da plateia até a última cena. Indo contra todas as normas hollywoodianas, em “Psicose” (1960), ele teve a ousadia de fazer a estrela Janet Leigh ser assassinada logo na primeira terça parte do filme.

Numa sequência antológica, tomando banho no chuveiro -, o espectador perde qualquer ponto de referência e a partir daí embarca numa aventura estética e emocional absolutamente inesperada.

IMITAÇÕES E HOMENAGENS – Um dos segredos do permanente fascínio dos filmes de Hitchcock está no fato de que neles, paradoxalmente, as imagens não procuram representar a vida real: elas significam por si mesmas, constituindo uma realidade alternativa a ser regida pelas próprias convenções do artista. Desprezando efeitos de piroctenia com a câmara, Hitch – como era chamado carinhosamente tanto por colegas como pelos admiradores – cria cenas capazes de perturbar por completo o código visual do espectador. À primeira vista banais, nelas de repente se introduz um elemento imprevisível que lhes confere uma significação praticamente única no cinema. Nesse sentido, não há exagero em aproximar os trabalhos de Hitchcock das obras do outro mestre octogenário, o espanhol Luis Buñuel.

Um de seus maiores admiradores, o cineasta francês François Truffaut, observou justamente que, se o cinema voltasse a ser mudo, a maioria dos diretores não saberia mais trabalhar – “mas, entre os sobreviventes. Hitchcock estaria em primeiro plano, e todos então compreenderiam que ele é o maior cineasta do mundo”.

Pode ser exagero e Hitchcock talvez não seja o maior dos cineastas, mas certamente é o mais imitado, às vezes em forma de clara homenagem, como em “A Noiva Estava de Preto”, do próprio Truffaut, “O Açougueiro”, de Chabrol, outras como cópia mesmo – caso de “Charada”, de Stanley Donen. Um diretor mais ilustre, Alain Resnais, admitiu a respeito de “Suspeita” (1943): “Recentemente, revendo o filme, tive a impressão de vislumbrar um enquadramento que copiei em “Hiroxima, Meu Amor”. Se sofri essa influência, sofri inconscientemente. Como sabê-lo?”

SUPERASTROS – A capacidade de fascinar dessa maneira seus colegas de profissão não é o único privilégio de Hitchcock. Dificilmente outro cineasta conseguirá carreira tão extensa e brilhante, mais de meio século como figura de primeiro plano desde a estreia, em 1925, com “Pleasure Garden”, produção inglesa rodada em Munique.

Inevitavelmente arrebatado por Hollywood em 1939, aproveitando os maiores recursos técnicos dos estúdios americanos. Hitchcock multiplicou o raio de suas experiências. Em “Um Barco e Nove Destinos” (1943), por exemplo, toda a ação transcorre no exíguo espaço de um bote salvavidas enquanto em “Janela Indiscreta”, herói, heroína (James Stewart, com a perna engessada, e Grace Kelly) e câmara ficam praticamente imobilizados dentro de um apartamento. Isso torna ainda mais aterradora a aventura do protagonista, que no final por pouco não é arremessado pelo vilão pela janela.

A maior parte dos roteiros que ele filmou não impressiona na leitura e só alcançou êxito graças a seu excepcional talento de contador de histórias, que acabou por torná-lo o primeiro cineasta a ficar tão conhecido como os superastros da tela.

REVOLUCIONÁRIO – Conhecedor de todos os detalhes da produção cinematográfica, Hitch jamais estourava o orçamento de seus filmes. Como a maioria deles, até sua morte absolutamente tranquila, continuava sendo muito lucrativa e ele tinha participação na renda, Hitchcock deixou uma fortuna calculada em 30 milhões de dólares para sua mulher Alma Reville, com quem se casou em 1926, e a filha única Patricia.

Sempre formal, usando terno escuro e gravata durante as filmagens, Hitchcock fazia questão de não levar muito a sério as novas gerações nem atores preocupados com sutilezas, tanto que em seu último filme, “Trama Macabra”, o ator principal Roy Thinnes foi substituido por William Devane, depois que passou a fazer muitas perguntas sobre a psicologia do personagem.

Igualmente, ele gostava de ironizar os críticos que ressaltavam o caráter metafísico de seus dramas: “Olho-me no espelho diariamente e jamais vi traço algum de metafísica em meu rosto”.

Artista incomparável, foi capaz de realizar espetáculos destinados a milhões de plateias e que os intelectuais igualmente adoram. Foi praticamente uma revolução, como observou o crítico Luc Mollet, do Cahiers du Cinéma: “Hitchcock faz filmes para os proletários e para os sábios, e são tão geniais que realizam, a seu modo, a tão sonhada união de classes: “Espectadores de todo o mundo, uni-vos”.

Hitchcock morreu em sua casa de Los Angeles, aos 80 anos.

 

(Fonte: Veja, 7 de maio, 1980 -– Edição 609 -– Cinema – Pág; 110/111)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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