Afonso Arinos de Melo Franco, mestre do direito constitucional brasileiro, foi jurista de alto conhecimento jurídico

0
Powered by Rock Convert

Com a morte de Afonso Arinos, o Brasil perde o arauto do parlamentarismo e uma reserva moral para os momentos de crise.

Afonso Arinos, autor da primeira lei contra o racismo no Brasil

Afonso Arinos, autor da primeira lei contra o racismo no Brasil (Foto: Arquivo/http://acervo.oglobo.globo.com)

Afonso Arinos, autor da primeira lei contra o racismo no Brasil (Foto: Arquivo/http://acervo.oglobo.globo.com)

Afonso Arinos de Melo Franco (Belo Horizonte, 27 de novembro de 1905 -— Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1990), escritor, advogado e mestre do direito constitucional brasileiro, foi jurista de alto conhecimento jurídico e de uma biografia política respeitada mesmo pelos adversários. Afonso Arinos transformou-se ao longo de seis décadas de vida pública numa reserva moral do país, uma figura solene que servia de referência em momentos de crise.

No dia 14 de março de 1985, véspera da posse de Tancredo Neves, o Brasil foi dormir com a notícia da internação do presidente eleito e com uma dúvida: quem, de fato, assumiria a Presidência no lugar de Tancredo? Havia duas alternativas – o vice-presidente eleito José Sarney e o presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães. Havia, também, a possibilidade de que o país entrasse naquela situação que os sociólogos se acostumaram a chamar de “crise institucional”.

A resposta a essa pergunta foi dada naquela mesma noite, e de forma taxativa. “A Constituição é muito clara quando diz que o presidente ou o vice será empossado. O senhor José Sarney não é vice-presidente de Tancredo, mas sim da República. O substituto é ele” afirmou diante das câmaras de televisão o jurista Afonso Arinos, colocando um ponto final na dúvida que atormentava a nação.
Sua respeitabilidade era tamanha, que se candidatou a senador pelo Rio de Janeiro, em 1986, e conseguiu ser eleito sem fazer campanha, sem sair de casa. A trajetória de Afonso Arinos acompanhou a história política recente do país – e foi marcada pela defesa do liberalismo e do respeito intransigente dos direitos e das liberdades individuais. Nascido numa família da aristocracia de Minas Gerais, Arinos esteve ao lado de Getúlio Vargas na Revolução de 30, mas não titubeou em combater Vargas quando o presidente instaurou o Estado Novo e seu governo descambou numa ditadura.

Em 1945, com o fim do governo Vargas, foi um dos fundadores da UDN e autor do manifesto inaugural do partido, pelo qual se elegeu deputado federal por doze anos, de 1947 a 1959, e senador duas vezes, nos anos 60. Foi como deputado que Arinos concebeu, em 1951, uma das mais conhecidas peças jurídicas brasileiras – a lei contra o preconceito racial, que leva o seu nome. Foi ministro das Relações Exteriores do curto governo de Jânio Quadros – mas não deixou de alfinetar as extravagâncias do então presidente. “Jânio é a UDN de porre”, disse, certa vez, numa de suas frases mais célebres.

Como chanceler de Jânio, Afonso Arinos foi um dos artífices da política externa de independência em relação aos Estados Unidos, que teve seu ponto alto na condecoração do líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara.

LIVROS – Depois da derrubada de João Goulart em 1964 – apoiada por Arinos, que depois tomou distância quando ficou claro que os militares queriam se eternizar no poder -, o jurista passou duas décadas ao largo da política partidária. Nesse tempo, retomou o contato com sua carreira de erudito. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 1958, ao derrotar um monstro sagrado da cultura nacional – o escritor João Guimarães Rosa.

Autor de sessenta livros, era dono de uma biblioteca com 15 000 volumes – alguns herdados de seu pai, o ex-ministro e jurista Afrânio de Melo Franco (1870-1943), “meus livros são meus grandes amigos. Não ligo para joias ou riqueza. Eles são meu tesouro”, costumava dizer.

Se o jejum de Afonso Arinos na política foi longo, sua volta não poderia ter sido mais triunfal. Depois do episódio da posse de Sarney, o jurista foi convidado para presidir a comissão de “cinquenta notáveis”, que elaborou um anteprojeto para a nova Constituição nacional, que José Sarney jogou no lixo sem a menor cerimônia. O grupo tomou emprestado a reputação de seu presidente – foi batizada de Comissão Arinos. Valendo-se apenas de sua reputação ilibada e de um passado respeitável, Afonso Arinos se elegeu senador pelo PFL, em 1986. Não subiu em palanques. Não fez comícios. Praticamente sem sair de casa, ganhou mais de 1 milhão de votos e foi para Brasília defender um grande sonho – o parlamentarismo.

Durante os quase quatro anos que esteve no Senado, Afonso Arinos levantou sempre que pôde a bandeira do parlamentarismo, que já defendia há quatro décadas. O anteprojeto da Comissão Arinos já previa a mudança do regime de governo. A ideia ficou no papel, mas o senador não desistiu. Na votação da emenda parlamentarista no Congresso, durante os trabalhos da Constituinte, fez um discurso histórico defendendo o novo sistema de governo. Foi derrotado de novo. “Foi Afonso Arinos que, com sua inteligência e sensibilidade, me converteu ao parlamentarismo”, confessou o senador tucano Fernando Henrique Cardoso.
A grande esperança de Arinos era o plebiscito marcado para 1993, quando os eleitores brasileiros escolherão entre o presidencialismo e o regime parlamentar o sistema de governo do país. O senador trocou o PFL pelo PSDB, com o argumento de que o partido dos tucanos era o único que defendia abertamente seu sonho. “O parlamentarismo é o melhor sistema de governo para qualquer país do mundo, é o mais humano e o que permite maiores realizações sociais. No Brasil, isso não pode ser diferente”, afirmava ele, no mesmo tom solene e envolvente que marcou toda sua vida como jurista, escritor e político. Em sua vaga de senador, assume o suplente Hydekel de Freitas, prefeito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, um político de práticas clientelistas e de convicções amorfas – justamente o contrário do que marcou a vida pública de Arinos.

Afonso Arinos morreu aos 84 anos, dia 27 de agosto de 1990, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 5 de setembro de 1990 -– ANO 23 – Nº 35 – Edição 1146 –- Datas –- Pág; 104/105)

(Fonte: Veja, 4 de dezembro de 1985 -– Edição 900 –- Datas –- Pág: 138)

Powered by Rock Convert
Share.