A primeira mulher a trabalhar como mecânica de estrutura de aeronaves no centro de manutenção da Latam

0
Powered by Rock Convert

Conheça a história da primeira mulher chefe na manutenção da Latam

Mecânica de aeronaves de São Carlos fala sobre os desafios para trabalhar em locais onde homens são a maioria.

Dos 71 mil profissionais de aviação com licenças ativas em 2018, apenas 8.917 eram mulheres. Ou seja, entre piloto, comissário e mecânico, apenas 13% eram preenchidos por pessoas do sexo feminino, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Quando este recorte é feito entre os mecânicos de manutenção aeronáutica, a participação feminina cai para 3%, sendo 267 mulheres na área ante 8.157 homens com licença ativa no ano de 2018.

Neste universo, uma mulher conseguiu se destacar: no final de 2018, Graziella de Oliveira e Silva Ferreira, de 33 anos, foi promovida ao cargo de líder de mecânica de estrutura da Latam, coordenando uma equipe de 13 homens. É a primeira mulher no cargo na empresa.

Filha de pai marceneiro e mãe dona de casa, ambos nordestinos, aos 18 anos Graziella, a paulistana entrou para a aviação após não ter passado em uma prova para a Aeronáutica, em 2003.

 

 

Após não passar em um concurso para ingressar na Força Aérea Brasileira (FAB), Graziella, por sugestão de um sargento da FAB, foi fazer um curso de mecânica para realizar o seu sonho de entrar para a aviação.

Foi a porta para começar a trabalhar no Parque de Material Aeronáutico (Pama) da FAB, em São Paulo. Em 2006, foi contratada pela antiga TAM e se tornou a primeira mulher a trabalhar como mecânica de estrutura de aeronaves no MRO, em São Carlos, onde ficou um ano.

Passou pelas unidades da TAM em Jundiaí e Guarulhos até voltar para o MRO em 2012. Mas, mesmo retornando para um ambiente conhecido, a mecânica enfrentou resistência. “Teve muito preconceito. Eu ouvia: ‘ah porque a Grazi veio e pegou nossas vagas?’, tinha essas coisas”, conta.

Em maio do ano passado, resolveu concorrer a uma das vagas de líder abertas pela empresa, mas não foi selecionada.

“Depois da apresentação no projeto seletivo, sai da sala achando que tinha passado. Mas não passei. Fui fazer o feedback bem chateada e perguntei porque não passei. Aí meu coordenador falou os pontos que eu tinha que melhorar e ali me despertou, resolvi voltar a estudar.”

Em busca de qualificação, ela se matriculou em um curso de qualidade e a rotina de profissional e de mãe – na época seu filho tinha apenas um ano e um mês – passou a ser também de estudante, uma jornada que até hoje começa às 5h30 e só termina às 23h. “Tem que ter muita força de vontade e tem que ter pessoas apoiando”, diz.

Como não tem família em São Carlos, Graziella conta com a ajuda do marido. “Tem que ter muita compreensão. Ele tem me ajudado bastante. Ele fica a semana inteira com o nosso filho em casa. Eu chego, ele está de cabelo em pé (risos), não dormiu ainda, mas está lá, me ajuda muito.”

 

 

Curso técnico de manutenção

 

 

Por sugestão de um sargento da FAB (Força Aérea Brasileira), sua mãe a levou para fazer um curso técnico na área de manutenção de aeronaves. Após concluir o curso, conseguiu passar em um concurso para atuar no Pama-SP (Parque de Material Aeronáutico de São Paulo) em caráter temporário.

 

 

Em 2006, foi contratada pela antiga TAM, onde já se mostrou pioneira: foi a primeira mulher a trabalhar como mecânica de estrutura de aeronaves no centro de manutenção da empresa, em São Carlos (SP). Hoje é líder de sua equipe e mãe de um menino de um ano de idade.

 

 

Mas esta história de sucesso não foi sempre confortável para Graziella. Em diversos momentos, sua atuação na aviação foi questionada pelo fato de ser mulher, chegando a sofrer ataques dos profissionais que atuavam ao seu lado.

 

 

 

Em dezembro, ela teve outra chance de concorrer ao cargo de líder e dessa vez não desperdiçou. “O curso foi muito bom, a gente tem que fazer apresentações e me ajudou muito. Estudei muito, tive contato com professores da USP [Universidade de São Paulo] que me ajudaram. Aí eu fiz a minha apresentação e passei”, conta.

Graziella soube da sua promoção quando estava de férias e começou a se preparar para o novo desafio. “Eu fiquei em casa pensando que eu ia liderar pessoas com as quais eu trabalhei muito tempo, ia ser muito complicado”.

A estratégia foi uma conversa franca. Em uma reunião, mostrou que a oportunidade que ela teve estava aberta a todos e se colocou à disposição para ajudar no crescimento de todos.

Mesmo mantendo um bom relacionamento com a equipe, Graziella sabe que tem que enfrentar algumas resistências e faz isso de um jeito bastante feminino.

“Ainda tem algumas pessoas que vão falar comigo e não olham na minha cara. Mas eu escutei uma frase muito interessante: ‘Deixa os limitados se limitarem’. Quando você tem um cargo de liderança você aprende muito. É difícil lidar com pessoas e liderança é lidar com pessoas. Eu não gosto de gritar, de chamar atenção. É claro que algumas vezes a gente tem que dar um puxão de orelha, eu falo que ‘eu não sou sua mãe aqui também não’ (risos), mas no que eu puder ajudar eu vou ajudar. Se a pessoa me trata desse jeito [hostil]eu tento tratar a pessoa da melhor maneira possível. Tento tratar todo mundo da mesma maneira.”

“Liderar não é apenas dar ordem. Você tem que estar junto. É pelo exemplo que você lidera”, completa.

Mudança de visão

 

Para a mecânica, o maior desafio de uma mulher em um ambiente de trabalho predominantemente masculino é mostrar o seu valor. “A cada dia eu tenho que mostrar que eu sou capaz, eu tenho que mostrar que eu estou ali, porque eu tenho capacidade para isso. É complicado [os homens]mudarem a visão. Ainda tem machista ainda, muito, mas dá época que eu entrei lá em 2003 melhorou bastante.”

Graziella já contabiliza muitas vitórias na sua luta para mudar a visão das pessoas em relação ao seu trabalho. Uma delas foi na própria família.

“Tinha pessoas da minha família que achavam que eu era lésbica, falavam que eu ser mecânica não era certo. Aí eu fui aos poucos galgando os meus degraus e o pessoal agora fala ‘olha a Grazi é da minha família, a Grazi é muito legal. Depois dessa entrevista então vão querer até autografo (risos).”

Para conseguir esse reconhecimento teve que trabalhar muito. “Há 15 anos eu vivo dentro da aviação, eu sofri tantos preconceitos. A cada dia eu tinha que me reinventar e fazer uma coisa diferente para provar que eu era capaz. Todos os dias eu me levanto e penso o que eu tenho que vir aqui fazer e aí eu faço da melhor forma possível, mas sempre pensando que eu tenho que mostrar para todo mundo que eu tenho competência que eu tenho capacidade. Uma camisa dessas pesa muito”, diz mostrando a camisa de líder.

Graziella Ferreira é a primeira mulher a liderar uma equipe de manutenção de aeronaves na Latam  — Foto: Fabiana Assis/G1Graziella Ferreira é a primeira mulher a liderar uma equipe de manutenção de aeronaves na Latam  — Foto: Fabiana Assis/G1

Graziella Ferreira é a primeira mulher a liderar uma equipe de manutenção de aeronaves na Latam — Foto: Fabiana Assis/G1

Sua meta agora é abrir caminho e servir de inspiração para outras mulheres. “Eu espero que eu consiga, que as mulheres venham e trabalhem, deem a cara para bater e vão para frente. Mas não adianta vir aqui e dar de vítima, dizer que não vão fazer por ser mulher. Tem que fazer. Tem que fazer igual homem, tem que fazer igual mulher. Todo mundo tem que ser igual”, diz.

Ela também quer ser um exemplo para o seu filho. “Hoje tudo o que eu corro, tudo o que eu faço, se eu deixo de dormir, é tudo por ele porque eu quero que ele viva num mundo diferente do que eu vivi, de uma pessoa olhar para você e dizer assim ‘o que você está fazendo aqui, no meio do avião, de um monte de homem? Vai lá pilotar um fogão’. Eu não quero que ele seja dessa forma, eu quero que ele viva num mundo diferente.”

 

 

Leia abaixo a entrevista com Graziella:

 

UOL — Como lidou com o machismo no setor?

Graziella — Como eu comecei muito cedo na aviação, com 18 anos, eu sempre vivi esse cenário. No quartel [ainda à época do estágio], o pessoal dizia que não sabia o que eu estava fazendo ali, ‘por que é que você não vai pilotar um fogão’, ‘aqui não é lugar pra mulher’ etc.

A cada dia, eu tentava me superar com aquilo que eles falavam. Quando surgiu a vaga para líder, na qual eu passei, realmente pensei: ‘Nossa, vai ser outro desafio’.

Comandar uma equipe de 13 homens, pensei eu, que ia ser muito difícil, que eles não iriam me aceitar. Mas acabou não sendo tão difícil assim, pois eu já tinha trabalhado com a maioria deles como mecânica.

 

 

UOL — Você ainda sente falta da mulher na aviação?

Com certeza. Ainda há um preconceito muito grande com isso. A mulher dentro da aviação, não tem de fazer 100%, tem de fazer 150%. Todo dia você tem de provar que é capaz de fazer aquilo.

Ainda tem de quebrar muitos tabus, e tem de ter muita mulher ainda para dar uma melhorada nessa parte na aviação.

 

 

UOL — Como é possível diminuir essa lacuna entre os sexos na aviação?

É a questão do interesse. Muitas vezes, a mulher vê essas barreiras e, ali, ela desiste. Tenha um pouco mais de persistência naquilo que quer, pois, se você persiste, você consegue aquilo que almeja. É muito difícil, e há gente que desiste logo nas primeiras quedas.

 

 

UOL — Que exemplo você tira da sua vivência?

Vivendo o que vivo hoje, eu espero que isso seja uma lição para o meu filho, quando ele crescer, ver que a mãe dele venceu. Que houve muitas batalhas, mas que foram vencidas.

Faço tudo isso por ele e prezo muito para que ele viva em um mundo com menos preconceito. Faço para que ele veja uma mulher trabalhando em qualquer profissão, que seja algo natural.

 

 

UOL — Quais seus desafios nessa nova etapa da carreira?

Ser líder não é somente delegar. É você estar junto com a sua equipe e fazer com que eles cresçam. Cresci dentro da empresa porque pessoas acreditaram em mim.

Se eu estou em um cargo desses hoje, é porque é necessário, pois há outras pessoas que precisam ser lideradas. Temos de fazer com que as pessoas cresçam, e eu pretendo fazer isso dentro da empresa.

 

 

UOL — Qual sua mensagem para o Dia Internacional das Mulheres?

Assim como a empresa tem o lema para que os sonhos das pessoas cheguem aos seus destinos, o meu chegou. E espero que, de todas as mulheres que almejem algum cargo, do mais simples ao mais extraordinário, que elas consigam, que elas batalhem, que elas corram atrás.

Que tenham força de vontade e garra. Porque o caminho é muito difícil, mas que corram atrás e que façam valer a pena. Quando a gente chega ao final, é uma satisfação tão grande que ninguém vai tirar aquilo de você.

(Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2019/03/08  – Por Fabiana Assis, G1 São Carlos e Araraquara – 08/03/2019)
(Fonte: https://todosabordo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/08 – TODOS A BORDO / Por Alexandre Saconi – 08/03/2019)
Powered by Rock Convert
Share.