A primeira desembargadora do TJMT, primeira presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso e primeira e única mulher a presidir a Corte Estadual de Justiça

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Shelma foi a 1ª desembargadora do país

 

Shelma ocupou espaços dominados pelos homens não por clemência, mas pela capacidade e coragem

 

 

Shelma foi a 1ª desembargadora do país.

(Foto: Rodinei Crescêncio/Arte/Rdnews)

 

 

Além de primeira juíza, foi também a primeira mulher a presidir o TRE e o TJ em Mato Grosso.

 

Em 145 anos de existência (1º de maio de 1874) do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, celebrados no dia 1º de maio, as mulheres só começaram a fazer parte da história do Judiciário nos últimos 50 anos, com a nomeação da primeira juíza do Estado – e uma das primeiras do país – em 1969.

 

Formada em Filosofia e Direito pela Universidade de São Paulo (USP), na tradicional Faculdade do Largo de São Francisco, paulistana, de origem ítalo-japonesa, filha de imigrantes humildes que vieram ao Brasil para “ganhar a vida com o cabo do guatambu na mão” – como ela própria enfatiza –, Shelma chegou a Mato Grosso com o intuito de passar um curto período de tempo, enquanto trabalhava na organização do departamento jurídico da Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat), a convite do governo de Pedro Pedrossian.

 

Na hora da posse de Shelma, primeira juíza.

 

Neste ínterim, foi aberto o concurso público para a magistratura do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Antes de prestá-lo, a então advogada procurou o desembargador Willian Drosghic, presidente do TJMT entre 1965 e 1969, para questioná-lo se ela seria desclassificada apenas por ser mulher, como já havia acontecido com outras mulheres muito competentes que ela conhecia e que foram reprovadas injustificadamente.

 

“Eu me apresentei a ele, e disse que queria saber só uma coisa, se pelo fato de eu ser mulher, eu vou prestar concurso para ser reprovada. Eu tenho um nome, um trabalho, e não estou aqui para apanhar, para ser descartada por ser mulher, porque não estou acostumada a tomar tapa na cara, levar rasteira de graça. Pelo trabalho que já fiz na vida, a altura do meu currículo, eu não queria ser desmoralizada”, conta.

O desembargador-presidente sinalizou que não havia esse impedimento e Shelma foi aprovada no concurso público, sendo nomeada em seguida e designada para a Comarca de Alto Garças (357km a sul de Cuiabá). A extensão de jurisdição da primeira juíza, em 1969, compreendia todas as comarcas do antigo leste antes da divisão territorial, o que abrangia Alto Araguaia, Barra do Garças, São Félix do Araguaia, Poxoréu e Guiratinga.
“Costumávamos brincar que eu mandava mais que a Rainha Elizabeth, porque o território da Inglaterra era pequeno e Mato Grosso era imenso, o leste era muito grande, com garimpo, invasão de terra, briga política. Imagine eu, mulher, uma jovem juíza que só tinha advogado na capital de São Paulo, enfrentei muito chumbo”, brinca.
A situação que Shelma encontrou era tão agressiva e hostil que ela conta que o último juiz de uma das comarcas fugiu escondido em um caminhão embaixo de palhas de arroz. “Nós passávamos por vários perigos que eram atípicos para mulheres. Você depender, naquela época, de chamar a polícia, achar que vinha um segurança te socorrer, era delírio. Teve uma ocasião que minha casa ficou igual uma peneira de tanto tiro”, recorda-se.

 

Filha de imigrantes, Shelma Lombardi Kato foi a primeira juíza a atuar em Mato Grosso – uma das primeiras do Brasil – e a primeira a ocupar o cargo de desembargadora do país. Tem nas veias o sangue desbravador. O pai, japonês, ainda muito jovem abandonou a família em um templo budista em outro continente – e com a mochila nas costas -, conheceu a sua mãe, filha de italianos, no Brasil. Na faculdade, como uma das poucas alunas de direito da USP, ela era uma das melhores da turma.

 

No entanto, antes de passar no vestibular, conta que a aproximação com idiomas diversos dentro de casa e os estudos de latim por conta da religiosidade e escolas católicas que estudou, lhe foram essenciais. Já como magistrada em Mato Grosso, em 1969, comprou um fusquinha, e seguia varando estrada de chão para atuar nas comarcas criminais em regiões distantes, estas como as de Alto Araguaia, e, posteriormente, Rondonópolis e suas redondezas.

 

Em um período, chegou a ser vítima de ameaças, tocaias e muitos tiros na porta de sua casa, o que ela descreveu para a reportagem do  como uma “peneira” pelos infinitos números de bala que recebia. Durante o dia trabalhava e durante a noite ficava olhando para o teto com receio de que um bandido invadisse sua casa para lhe matar, fato que motivou até o Exército oferecer apoio frente a sua residência, mesmo que como uma instituição diferente do Judiciário, por perceber tamanha perseguição.

 

Shelma também contou que quando presidiu o TRE, o ministro José Neri se comoveu com a sua eficiência em aceitar fazer o cadastramento dos eleitores, e lançou, tanto a abertura quanto o fechamento do processo, vindo pessoalmente ao Estado – que foi pioneiro no país a concluir este sistema. Com um delicado broche de Nossa Senhora preso na camisa e posicionado bem no meio de seu peito, hoje, aos 80 anos, ela diz que entre suas maiores inspirações para um legado em defesa das minorias está São Francisco de Assis.

 

Em 145 anos de existência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, celebrados no dia 1º de maio, as mulheres só começaram a fazer parte da história do Judiciário nos últimos 50 anos, com a nomeação da primeira juíza do Estado – e uma das primeiras do país – em 1969.

 

Shelma Lombardi de Kato foi a primeira mulher a ser aprovada no concurso da magistratura mato-grossense e fez história ao longo de toda sua carreira, não só como a primeira juíza a enfrentar o quadro funcional exclusivamente masculino e a sociedade machista da época, mas também como a primeira desembargadora do TJMT, primeira presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso e primeira e única mulher a presidir a Corte Estadual de Justiça.

 

Em maio de 2019, como forma de homenagear a instituição e todos os seus 29 desembargadores, 253 juízes e cerca de cinco mil servidores, a Coordenadoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso divulga, por meio do projeto intitulado “145 anos: o Judiciário é história”, uma série de matérias especiais produzidas por sua equipe de jornalistas num trabalho minucioso de pesquisa in loco realizado no Arquivo do Fórum de Cuiabá. No local, foram encontrados os documentos de nomeação da magistrada, fotos de sua posse como juíza e como desembargadora, além de periódicos noticiando os feitos históricos realizados por ela.

 

“Todo mundo falava que mulher não dava para isso, que mulher era boa para esquentar umbigo no fogão e esfriar no tanque. O que uma mulher queria ser magistrada? Como uma mulher vai decidir sobre o destino, a vida das pessoas, a liberdade, a honra, o patrimônio? Isso é loucura. Em São Paulo, nem pensar, falavam que a magistratura era para homens, porque era coisa séria”, relembra a desembargadora aposentada, hoje com 80 anos de idade.

 

(Fonte: https://www.tjmt.jus.br/noticias – NOTÍCIAS – PODER JUDICIÁRIO DE MATO GROSSO / por Mylena Petrucelli Coordenadoria de Comunicação do TJMT – 10.05.2019)

(Fonte: https://www.rdnews.com.br/entrevista-especial – ENTREVISTA ESPECIAL / por Mirella Duarte – 5 de Setembro de 2019)

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