Foi a primeira autora a publicar um livro sobre redes de computadores no Brasil

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Foi a primeira autora a publicar um livro sobre redes de computadores no Brasil

Foi a primeira pesquisadora de internet no Brasil

Liane Tarouco foi a primeira autora a publicar um livro sobre redes de computadores no Brasil, em 1977.

Liane Margarida Rockenbach Tarouco talvez não seja um nome tão popular quanto Demi Getschko quando o assunto é pioneirismo da internet. Se ele é considerado o pai, Liane é a mãe das redes no Brasil. No meio acadêmico e dos computadores, Liane é referência nacional, a primeira a publicar um livro sobre o tema no país, em 1977. Seu currículo Lattes preenche quase 100 páginas do Word (em letra 8): são 269 trabalhos em congressos, 12 prêmios, 11 projetos de pesquisa, 147 artigos em periódicos, 36 trabalhos técnicos e 140 orientações em dissertações de graduação, mestrado e doutorado.

Sua base fica em Porto Alegre, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas as ideias estão nos diversos trabalhos da comunidade científica global. Seu nome aparece em 2.165 citações no Google Acadêmico. Formada em física – em 1967 não havia curso de programação –, Liane fez mestrado em Ciências da Computação e doutorado em Engenharia Elétrica-Sistemas Digitais, na USP. Aprendeu a programar quando era graduanda, frequentou os principais cursos e palestras sobre o tema no Brasil, participou de discussões internacionais, estudou sozinha. Logo depois de formada, foi contratada pela UFRGS para atuar como professora na área de informática. Liane tenta desviar com timidez quando é chamada de mãe das redes do Brasil, e defende que “só ficou um pouco mais conhecida porque publicou o primeiro livro do país”. Em entrevista a ÉPOCA, ela dá opiniões sobre redes sociais, mulheres na computação e legislação brasileira.

Liane Tarouco lançou o primeiro livro sobre rede e comunicação de dados no país (Foto: Divulgação/GOV)

Liane Tarouco lançou o primeiro livro sobre rede e comunicação de dados no país (Foto: Divulgação/GOV)

 

ÉPOCA – Em 1977, você imaginou que viveríamos conectados à rede 24 horas por dia, e por meio de telefones celulares?
Liane Tarouco – 
Em 1977, não. Mas em 1978 tive uma pista, e fico triste por ter demorado tanto. Fui para os Estados Unidos visitar universidade e procurei por uma brasileira. A secretária tentava ligar repetidas vezes, e disse que o telefone estava ocupado. Aí ela concluiu que ela estava online. Mandou uma mensagem no terminal e ela de pronto respondeu. Eu fiquei boquiaberta, como alguém podia trabalhar de casa, com rede? Lá, a tarifação telefônica era muito melhor do que a nossa no Brasil. Você pagava um pulso por uma ligação local, não importando o tempo da duração. A pessoa podia ficar o dia inteiro conectada sem um custo exorbitante. Eu estava sempre ansiosa para ter isso. 

 

ÉPOCA – O que vem depois dos smarthphones?
Liane –
 O que me falta agora é o wearable computing [computação vestível]. Eu gostaria de vestir computação, quero que ela esteja nas minhas roupas, nos meus óculos, para que qualquer momento eu possa acessar a informação que preciso. A gente fica desacostumado. A memória não guarda tudo e a gente não gosta de renunciar à informação. Por outro lado, como professora, ainda estou na batalha para que os dispositivos móveis sejam utilizados na educação.  O celular é visto só como dispersão da atenção, mas poderia ser usado como um tremendo alavancador de aprendizagem.

 

 

ÉPOCA – Como?
Liane – 
Há muitos programas bons em que o aluno pode tomar notas, criar, ele não fica passivamente assistindo. É uma aprendizagem ativa. Bons programas que, com um clique, o aluno arrasta vídeos, imagens, faz um texto e publica. Há muitas ferramentas de autoria que rodam no ambiente de celular para que a gente facilite o acesso ao conhecimento e à produção de conhecimento. O aluno aprende como autor, não só como um agente passivo.

ÉPOCA – Qual é a sua próxima empreitada?
Liane – 
Estou mergulhada com bastante alegria nos mundos virtuais imersivos. Laboratórios virtuais para o ensino de física, biologia e química serão o próximo passo para o uso de tecnologia na educação e na saúde. É como Second Life, um mundo virtual onde somos representados por avatares e encontramos pessoas para interagir, realizamos experiências – que talvez se realizadas em um laboratório de verdade fossem caras ou perigosas. O avatar aprende, experimenta e isso afeta seu comportamento. Essa tecnologia está começando a se desenvolver, mas tem surgido artefatos de menor posto, como os óculos de realidade virtual do Google, que permitem a sensação de estar dentro de um ambiente em 360 graus. Vou viajar na próxima semana e quero conhecer grupos de metaverso, ver o que estão fazendo, isso me fascina.

ÉPOCA – Como é ser a precursora da internet no Brasil?
Liane
 – Na década de 70, algumas mulheres já trabalhavam na área, mas eram poucas. Logo que terminei minha dissertação de mestrado, comecei a trabalhar com teleprocessamento, como eles chamavam, e não havia nada sobre o assunto no Brasil, nenhum texto, embora já existisse algumas redes de teleprocessamento. Em 1973, começamos a trabalhar com isso quando foi instalado um computador de grande porte na UFRGS. Comecei a tomar contato com essa tecnologia. Fiz um curso que me deixou apaixonada, no Rio de Janeiro, em que o professor era o Leonard Kleinrock, o pai da internet no mundo inteiro. Ele trabalhava na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e já tinha uma pesquisa na área de comunicação de dados e livros com trabalhos matemáticos, explicando o funcionamento de redes. A partir daí, comecei a estudar, a procurar textos do exterior, porque aqui não tinha nada, escrevi minha dissertação e, depois que a defendi, a transformei num livro, o primeiro sobre redes publicado no Brasil. Foi um trabalho solitário. Eu estudava tudo que me caía nas mãos, interpretava e procurar entender.

ÉPOCA – A presença de mulheres no mundo da tecnologia da informação aumentou de forma relevante nos últimos anos?
Liane – De modo geral, na tecnologia da informação está melhor. Houve uma época que se percebia que metade dos alunos dos cursos de computação eram mulheres. Então, a gente vê a presença de mulheres na área de análises de sistemas mais intensamente, elas têm uma habilidade quase nata para conversar com os usuários, entender as necessidades e, a partir daí, especificar um bom sistema. Mas na área de programação e de redes, a presença é tímida. Sociologicamente, acho que em função da diferença na criação de meninos e meninas. Diferentemente dos meninos, elas não são incentivadas a ousar, arriscar, tropeçar, cair e machucar-se. Nas áreas de redes, os problemas são sempre inesperados, difíceis de diagnosticar, topamos com coisas que nunca vimos antes, e tem que errar muito até acertar. Tem que estar apta para andar de joelho debaixo de um armário procurando um fio solto.

ÉPOCA – Que tipo de desafio você enfrentou, por ser pioneira numa área em que havia poucas mulheres, como a computação?
Liane
 – Eu tinha que me organizar domesticamente, porque eu não podia abrir mão da minha família. Tinha que buscar suporte em casa que me deixasse tranquila quando eu precisasse viajar. Eu viaja muito. Lembro de um congresso na África do Sul em que o coordenador disse, a um auditório de 400 pessoas, “senhores e quatro mulheres”. Mas não tinha tratamento de aceitarem qualquer coisa por eu ser mulher. Inclusive, sou muito exigente como professora, com as mulheres que trabalham comigo. Ter uma carreira é bonito e recompensador, mas é preciso abrir mão de certos luxos. Você não troca de carro todos o ano, você gasta com uma babá para te ajudar.

ÉPOCA – Para muitos brasileiros, Facebook hoje é sinônimo de internet. Qual o risco disso para a educação, tendo em vista o sistema de algoritmos, que prioriza algumas informações em detrimento de outras?
Liane –
 Eu me ressinto da indução algorítmica nesse período tão turbulento. De repente, comecei a ficar desconfortável com as notícias que estavam vindo para mim só sob um viés, eu queria ver outras coisas. Sabendo como funcionam esses algoritmos, comecei a induzi-lo. Deliberadamente, vou nas páginas de amigos que sei que publicam determinados assuntos e mostro que gostei, para influenciar o sistema. Logo depois de fazer isso pela primeira vez, o Facebook abriu um questionário com meia dúzia de perguntas, questionando o tipo de conteúdo que eu preferia ter acesso. Diversifico o que publico e o que curto para deixar minha pegada facebookiana mais eclética.

ÉPOCA – O problema é que nem todas as pessoas têm clareza sobre isso.
Liane – 
Saber lidar com essas estratégias faz parte da educação digital que o cidadão do século 21 precisa ter. É esse o mundo que ele vive, ele tem que saber o jogo, influenciar o algoritmo, fazer o papel de formiga dele. Temos sempre que reagir como usuários.

 

ÉPOCA – Recentemente, os usuários brasileiros temeram uma tentativa de implementação do sistema de franquias na banda larga, semelhante ao da internet do celular. Qual sua opinião sobre isso?
Liane –
 Uma das coisas que sempre preocupava, vamos dizer, os pioneiros da internet  no Brasil, é que a gente pudesse ter o modelo americano, onde há uma saudável competitividade, inclusive por força do governo. Teve uma época em que a Bell cresceu tanto que ninguém conseguia competir. O governo americano obrigou a companhia telefônica a se dividir em sete e depois nove companhias regionais. Assim, acabou com o monopólio que existia, o que  automaticamente melhorou os preços. Aqui no Brasil, a batalha foi no sentido contrário.

ÉPOCA – Temos quatro grande operadoras atuando, elas alegam que a demanda é grande e que é justo que quem consome menos, pague menos.
Liane – 
Sempre foi uma luta da comunidade que construiu a internet no Brasil para que não existisse esse monopólio, prejudicial ao desenvolvimento. Essa falácia deles, de que seguem modelos europeus, é porque lá as teles atuavam de forma mais monopolística, tomando decisões que nem sempre são melhores para o público. Eu penso que isso é ganância, eles querendo ganhar mais do que o instalado. O tráfego de dados está crescendo de forma descontrolada no mundo inteiro por causa do streaming. Cerca de 30% do tráfico das redes começa a ser vídeo, isso pede soluções que possam conter o tráfico. Há pesquisas no sentido de melhorar a eficiência na distribuição de vídeos. Isso não é um problema brasileiro, é global, não existia antes do Netflix.

ÉPOCA – Qual é a alternativa para não limitar o uso ou apenas aumentar o preço?
Liane –
 Buscar soluções de eficiência. Por exemplo, fibra ótica pode ser mantida, mas trocando equipamentos na ponta se consegue transmitir velocidades mais altas com essa mesma fibra. As empresas terão que pensar em fazer repositórios regionais para os vídeos mais usados por usuários. É uma solução de cash que antigamente se usava para acessar notícias e jornais e que, de algum, modo pode ser origem para um repositório de vídeos. Há que se buscar soluções. Coisas que talvez eu ainda nem vislumbre. No Brasil, existe uma prática maligna de conter a demanda por meio de custo. Se não tem um produto para atender, sobe o preço dele.

ÉPOCA – Estamos bem servidos em termos de legislação sobre a internet?
Liane – 
Este assunto está em vigência desde que a internet surgiu no Brasil, como coibir o crime na internet. Na época, havia consenso de que não deveria haver uma lei específica, e que deveria se aplicar a legislação vigente, onde o crime o risco já eram tipificados, mas sem as palavras-chave do mundo digital. O risco de ter uma legislação específica para a internet é que, às vezes, uma precaução colocada no meio pode ser usada como válvula de escape para um advogado defender um criminoso. O Marco Civil expressa o que almejamos para a internet, como a neutralidade da rede. Porém, foi também pelo capítulo de neutralidade que as operadoras justificaram a restrição da banda larga. O Brasil tem excesso de lei, tem lei que contraria lei.

(Fonte: http://epoca.globo.com/vida/experiencias-digitais/noticia/2016/05 – EXPERIÊNCIAS DIGITAIS/ Por Bruno Ferrari – NOTICIA – PAULA SOPRANA – 20/05/2016)

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