“Por que bebes tanto, Lima? Um homem de seu talento… O que estraga esse país não é a cachaça. É a burrice.” Lima Barreto (1881-1922), jornalista, escritor e romancista, o primeiro a colocar em livros a vida dos subúrbios cariocas e bares ordinários

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O primeiro escritor a colocar em livros a vida dos subúrbios cariocas e bares ordinários

Introduziu o povo brasileiro como matéria-prima literária

O triste rebelde

Lima Barreto (1881-1922), jornalista, escritor e romancista, mulato rebelde e boêmio, o primeiro a colocar em livros a vida dos subúrbios cariocas e bares ordinários, ficaram dezessete volumes e um coro de lamentações.

Uma de suas proezas e um de seus episódio dos últimos dias de Lima Barreto carregado de uma intenção de censura que perduraria depois da morte do escritor, aos 41 anos. Perguntou-lhe o escritor Peregrino Junior, em 1920:

– Por que bebes tanto, Lima? Um homem de seu talento…
A resposta:

– O que estraga esse país não é a cachaça. É a burrice.

Paradoxos – Na verdade, Afonso Henrique de Lima Barreto pretendia com a irreverência de sua frase responder aos slogans moralistas da época, empenhados numa campanha puritana contra o álcool. Era um procedimento comum para ele, empenhado em outras tarefas de destruição, na sua vida literária e na sua vida particular.

Nascido, por coincidência, num dia 13 de maio – o de 1881 -, ele viu aos sete anos a festa de confraternização de negros libertos no campo de Santana. A princesa Isabel estava presente às comemorações da abolição e ele anotou num diário: “Era loura, muito loura, maternal, com um olhar doce e apiedado…”. No resto da sua vida, marcada pelo preconceito de cor e uma imensa dificuldade de ascensão social, Lima Barreto raramente teria palavras tão delicadas para quem quer que fosse.

O romancista social de “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” e o jornalista mordaz de “Bagatelas” introduziu o povo brasileiro como matéria-prima literária e precedeu a literatura social nordestina de Graciliano Ramos e José Lins do Rego pela incorporação da gente de rua nos seus livros. Viveu, porém, em guerra permanente contra seus contemporâneos. Antipatizava com dois grandes nomes do começo do século XX – Machado de Assis e Coelho Neto – e não hesitou em retratá-los com outras identidade sem seus livros.

Mas não era apenas um ressentido. Era positivista, embora pagasse promessas à sua madrinha, Nossa Senhora da Glória. Exaltava o marxismo e a Revolução Soviética, mas não acreditava em nenhuma revolução que não fosse precedida por uma outra, interior. Era anarquista e desprezava a Academia Brasileira de Letras, mas candidatou-se a ela, sem sucesso, quatro vezes, numa delas recebendo o paradoxal voto do ufanista conde Afonso Celso.

Insatisfação – Esta personalidade complexa foi estudada por seu biógrafo desde 1940, o escritor e acadêmico Francisco de Assis Barbosa. O escritor amargurado, sujo e sem dinheiro insultava as rodas literárias elegantes que frequentavam a confeitaria Colombo e transpôs muitos desses personagens para seus livros. Em “Isaías Caminha”, reatrato doloroso de um contínuo e depois repórter de “O Globo” (inexistente na época – leia-se “Correio da Manhã”), o dono do jornal chamava-se Ricardo Loberant (na verdade, Edmundo Bittencourt), o pedante colunista social “Floc” era o jornalista João Itiberê da Cunha (que no livro suicida-se por excesso de inteligência), o secretário de redação era Coelho Neto. Todos são atacados. Mas Lima Barreto não estava satisfeito: “Se me fosse dado ter o dom completo de escritor, eu seria assim um Rousseau ao meu jeito, pregando à massa um ideal de vigor, de violência, de força, de coragem calculada, que lhes corrigisse a bondade e a doçura deprimente”, desabafa através de um personagem.

Barbosa transcreve os documentos reveladores de que Lima Barreto jamais teria tempo para isso. Um boletim médico de 1919 descreve-o como “um indivíduo precocemente envelhecido, marcado pelo alcoolismo, doenças venéreas, icterícia e febre palustre” e um outro, de 1914, permite-se dizer que “o observado goza de reputação de escritor talentoso e forte, por seus ditos chistosos e picantes”.

Depois de uma rápida permanência em Mirassol (SP), onde um médico tentou desintoxicá-lo, Lima Barreto foi encontrado caído na calçada de um bar, em coma alcoólica, e voltou para o Rio de Janeiro. O pai, já louco, morreu a 3 de novembro, dois dias depois do filho. Este, mesmo doente, ainda conseguiu disparar um último tiro contra a Semana de Arte Moderna de 1922, que reclamou todas as atenções que Lima Barreto jamais conseguiu merecer em vida.

No cemitério seus companheiros de copo e madrugada fizeram discursos inconvenientes. Seus inimigos, ironizados e ridicularizados no romance autobiográfico “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, também estão todos mortos e alguns são seus vizinhos de sepultura, no cemitério de São João Batista, em Botafogo. A casa onde passou seus últimos dias, no subúrbio de Todos os Santos é um prédio de apartamentos.

(Fonte: Revista Veja – Edição 218 – Literatura/ Por Leo Gilson Ribeiro – 8/11/72 – Pág; 113/114)

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