Nicolae Ceausescu, ex-ditador comunista, presidente da Romênia de 1965 a 1989, quando é fuzilado

0
Powered by Rock Convert

O povo derruba a ditadura e Ceausescu acaba no paredão

Nicolae Ceausescu - (Foto: Famosos Culturamix)

Nicolae Ceausescu – (Foto: Famosos Culturamix)

Nicolae Ceausescu (Scorniceşti, 26 de janeiro de 1918 – Târgovişte, 25 de dezembro de 1989), ex-ditador comunista, presidente da Romênia de 1965 a 1989, quando é fuzilado e a Romênia conquista a liberdade.

Foi executado junto a sua esposa em 1989, após um tribunal militar condená-los à morte. Ambos foram considerados culpados do genocídio de mais de 60 mil pessoas, de organizar ações armadas contra o povo, e de evadir cerca de US$ 1 bilhão em impostos.

Fartos da opressão e da ditadura, os romenos ganharam as ruas e tomaram de assalto o palácio presidencial para destronar o último tirano comunista do bloco soviético do Leste Europeu.

Nicolae Ceausescu e sua mulher, Elena, tentaram fugir enquanto o povo e o Exército enfrentavam a resistência das forças leais ao antigo regime. Depois de violentos combates, com dezenas de milhares de mortos, o casal Ceausescu foi executado no dia de Natal e os romenos festejaram nas ruas o fim da tirania.

Ceausescu, o homem que durante 24 anos impusera sua mão de ferro sobre a Romênia, prostrando um país inteiro sob o manto do medo e da intimidação, o ditador ensandeciso pelo poder, o tirano que mandara atirar contra o povo. Na esteira de uma insurreição popular como nunca se viu na Europa do pós-guerra, estava liquidado, também, o último membro da dinastia de ditaduras comunistas implantadas há mais de quatro décadas pelos tanques soviéticos, que livraram a Europa Oriental do nazismo e instauraram uma sucessão de regimes alinhados com Moscou.

Era o final violento de um ano que presenciou a queda de todos os governos comunistas do Leste Europeu que resistiam ao clamor por liberdade. No caso de Ceausescu, o o poder o cegou a tal ponto que ele não viu nada do que se passava a seu redor. Não viu a glasnost, a queda do governo da Alemanha Oriental e da Checoslováquia. Continuou a agir como se estivesse num outro planeta.

O COMÍCIO DA VIRADA – A exemplo dos demais regimes da Europa Oriental, a ditadura de Ceausescu ruiu sob o peso dos protestos de rua. Como em todas ditaduras, o poder absoluto do “Gênio dos Cárpatos”, ou “Danúbio do pensamento”, como o tirano deposto se fazia chamar pelos seus aduladores, repousava sobre o medo.

No caso da Romênia, ao contrário da revolução pacífica que em 1989 varreu a parte da Europa que se convencionou chamar de bloco soviético, a ditadura de Ceausescu se desfez num mar de sangue. O nome de Ceausescu ficará para sempre associado ao maior massacre em território europeu após a II Guerra Mundial. Como um Calígula enlouquecido, sem contato com a realidade, cego ao furacão que soprava ao seu redor, Ceausescu quis resistir. Acabou no paredão, mas levou com ele milhares de homens, mulheres e crianças.

A queda foi fulminante. Na noite de 21 de dezembro, o Partido Comunista arregimentou trabalhadores e estudantes para mais um dos rotineiros – e estritamente controlados – comícios de apoio ao ditador. Sentindo-se suficientemente seguro no poder, Ceausescu havia acabado de voltar de uma visita oficial ao Irã e encontrou o país alvoroçado pelo massacre de milhares de manifestantes na cidade de Timisoara, por ordem de sua mulher, Elena, que exercia o segundo posto na hierarquia e costumava assumir as rédeas do governo nas suas ausências. Banida dos meios de comunicação, a notícia se espalhava de boca em boca, provocando protestos em outras cidades. Em sua arrogância, Ceausescu achava que a velha mistura de medo e desinformação daria certo mais uma vez. O engano não durou mais do que dois minutos. Ao atribuir os “incidentes” de Timisoara a “forças reacionárias patrocinadas pelo imperialismo”, o ditador, de 71 anos, recebeu como resposta uma estrondosa vaia, entremeada pelos gritos de “assassino”. A expressão de arrogância que se transforma, subitamente, em espanto diante da virada da multidão ficará registrada na História como a primeira derrubada de um ditador mostrada ao vivo.

Descontrolado, Ceausescu encerrou o comício e se retirou para dentro do palácio que funciona como sede do PC, enquanto do lado de fora tropas da Securitate, a temível polícia política romena, disparavam suas metralhadoras contra os manifestantes. Foi inútil. Ao meio-dia de sexta-feira, 22 de dezembro milhares de pessoas tomavam de assalto a sede do partido. Ceausescu e sua mulher só tiveram tempo de fugir num helicóptero que decolou do teto do edifício. “Rato, rato”, gritava a multidão enfurecida. Horas depois, um governo provisório anunciava o fim da ditadura e a convocação de eleições livres em abril de 1990.

ESPIONAGEM ELETRÔNICA -– Ao convocar o comício, Ceausescu montou uma armadilha para si mesmo. Apanhado de surpresa, o ditador romeno não pode, porém, ser acusado de falta de cuidados. Depois de assumir o poder, em 1965, com a morte do chefe comunista Gheorghiu-Dej, Ceausescu transformou a polícia secreta num verdadeiro exército paralelo, que contabilizava 45 000 homens bem treinados e equipados, aí incluídas as brigadas especiais de jovens órfãos doutrinados pelo Estado, desde tenra idade, a adotar o conducator como um pai e defende-lo até a morte. O ditador contava também com uma parafernália de espionagem eletrônica de dar inveja ao “Grande Irmão”, o onipresente tirano imaginado por George Orwell no livro 1984. Eram, no total, masi de 300 000 microfones ocultos espalhados pelo país.

Com excessiva confiança em sua polícia secreta, o ditador se revelou de uma incompetência vergonhosa na hora decisiva. Não conseguiu sequer escapulir para fora do país, como fizeram, ao serem acuados pela insurreição nas ruas, ditadores como o filipino Ferdinand Marcos ou o nicaraguense Anastasio Somoza. Desde o início de 1989, no entanto, se acumulavam os sinais de que nenhum dos governos dos países-membros do Pacto de Varsóvia – atualmente moribunda aliança militar comandada pela URSS –poderia sobreviver por muito tempo sem mudanças profundas. Pressionados pela onda de abertura nos vizinhos mais avançados, os regimes ortodoxos viam a União Soviética não só se recusar a interferir para salvar aliados em perigo, como fizera no passado, como incentivar ativamente a adaptação aos novos tempos. Não foi por outro motivo que regimes como o tcheco, o búlgaro ou o alemão-oriental, que em matéria de repressão ficavam pouco a dever para a sombria Romênia, desmoronaram com tanta facilidade. Ciente de que as tropas soviéticas não mexeriam um dedo em sua defesa, os velhos manda-chuvas comunistas Erich Honecker, Todor Jivkov e Milos Jakes não espernearam na hora de aceitar o inevitável.

O estopim que faltava para fazer explodir o descontentamento surgiu numa sexta-feira, 15 de dezembro, na cidade de Timisoara, logo que chegaram as notícias de que o governo romeno deportaria, para a outra extremidade do país, o pastor protestante Laszlo Tokes, conhecido por sua defesa dos direitos humanos.

O MASSACRE -– A população de Timisoara se mobilizou em defesa de Laszlo Tokes. Durante o final de semana, centenas de fiéis que frequentavam sua paróquia formaram uma corrente humana em torno do prédio onde mora o pastor, para impedir que a polícia o levasse. “A corrente que se havia formado para proteger Tokes se transformou num imenso protesto contra o governo de Ceausescu”, relatou a agência de notícias húngara.

No domingo dia 17 de dezembro, 10 000 pessoas ocuparam a praça principal de Timisoara, gritando “abaixo Ceausescu” A Securitate, depois de uma frustrada tentativa de dispersar os manifestantes com gás lacrimogêneo, acionou suas metralhadoras contra a multidão, à queima-roupa. Era uma reedição, em escala ampliada, da chacina da Praça da Paz Celestial, em Pequim. O Exército chinês, ao esmagar, em junho, a luta dos estudantes pela democracia, deixou um saldo calculado em pouco mais de 1 000 mortos. Em Timisoara, as estimativas mais confiáveis chegam a 4 600 mortos – cifra que cresceu posteriormente com a descoberta de covas onde muitos dos mortos foram enterrados às escondidas.

Numa tentativa de impedir que as informações sobre o massacre vazassem para o exterior, o governo romeno fechou suas fronteiras com a Hungria e a Iugoslávia, ao mesmo tempo que reforçou o aparato repressivo por todo o país. Mas os protestos continuaram em Timisoara – o que motivou novas matanças nos dias seguintes – e atingiam outras cidades da Transilvânia. No momento em que Ceausescu voltou a Bucareste, na quarta-feira, para o comício da derrocada, a capital estava a ponto de explodir.

A noite que se seguiu ao discurso interrompido de Ceausescu em frente à sede do Partido Comunista, de 22 para 23 de dezembro, ficará gravada na memória da humanidade tanto pelo heroísmo sem limites demonstrado pelo povo romeno como pelo clímax de brutalidade a que chegou o regime, ao atingir seu ponto mais extremo de degeneração. Após os fuzilamentos em massa em frente à sede do PC, a chacina tomou conta de toda a área central de Bucareste.

Longe de se intimidar, a população continuou a fluir para as ruas. Pelo rádio, ainda sob o controle das forças de Ceausescu, vinha a notícia de que o ministro da Defesa, general Vasile Milea, cometera suicídio, depois de ter sido desmascarado como “traidor”. Entre os opositores, circulava outra versão, que se mostraria verdadeira: Milea foi executado pela Securitate ao anunciar que as tropas do Exército não iam atirar sobre o povo desarmado. Na prática, a decisão do Exército significava que os militares haviam passado para o lado dos insurretos. Era o golpe de misericórdia no regime de Ceausescu. Quando o conducator finalmente deixou o palácio, de helicóptero, soldados e populares já confraternizavam no centro de Bucareste. A essa altura, a multidão festejavam e queimava em público cartazes e livros do ditador deposto e de sua mulher e exibia bandeiras da Romênia com um buraco no centro – o escudo que simbolizava o domínio do PC havia sido arrancado.

“Ceausescu fugiu, a Romênia agora está livre”, proclamou o poeta dissidente Micea Dinescu, pela televisão. A emissora, rebatizada com o nome de Romênia Livre, transformou-se no quartel-general da insurreição. Ali foi formado às pressas o novo governo provisório, denominado Conselho de Salvação Nacional – uma mistura de intelectuais dissidentes com comunistas expulsos do partido por suas divergências com o regime. Além do poeta Dinescu, desfilaram pela televisão outras duas figuras centrais do novo governo: Corneliu Manescu, ex-chanceler condenado à prisão domiciliar no início de 1989 por assinar uma carta aberta com críticas a Ceausescu, e Ion Iliescu, dirigente comunista que caiu em desgraça nos anos 70 por defender reformas democratizantes. Ion Iliescu foi designado presidente do governo provisório, que logo tratou de anunciar as reformas-padrão nessa temporada de abertura no Leste Europeu: eleições livres, a revogação do “papel dirigente” do PC na Constituição romena e a adoção de reformas econômicas orientadas para a economia de mercado.

FIM DO PESADELO – Durante seu reinado, Ceausescu havia mandado construir para sua guarda pretoriana uma rede de túneis sob Bucareste, ligando o palácio presidencial, a sede do PC e um grande número de abrigos secretos e depósitos de munição. Brotando como cogumelos dos túneis, ocupando janelas e telhados de edifícios, os homens da Securitate patrocinaram uma sangrenta vingança. Num dos lances mais dramáticos, eles invadiram a Ópera de Bucareste durante uma comemoração pela derrubada da ditadura e dispararam suas metralhadoras contra civis desarmados. Outro comando incendiou a biblioteca da universidade, destruindo um acervo que incluía grande número de manuscritos do Império Bizantino.

As ruas de Bucareste voltaram a ser cobertas de sangue. Mas como nas verdadeiras revoluções, como a francesa de 1789 ou a russa de 1917, quando cidadãos comuns, que nunca dispararam um tiro na vida, se armam com o que lhes cai às mãos e vão à luta substituindo em ondas sucessivas os que tombam na batalha, com armas de caça ou fuzis cujos donos haviam morrido pouco antes, civis combateram lado a lado com os soldados anti-Ceausescu, até que, com a notícia da morte do ditador, os policiais começaram pouco a pouco a depor as armas.

Os romenos viveram um Natal dividido entre a euforia pelo fim da ditadura e a dor pelos milhares d emortos. Pela primeira vez, desde que o feriado foi banido do calendário com a tomada do poder pelos comunistas, canções religiosas e a Missa do Galo puderam ser divulgadas pelo rádio. “Nós escapamos de um pesadelo”, disse o patriarca Teoctist, líder da Igreja Ortodoxa, que congrega 85% dos romenos.

A FAMÍLIA NO PODER -– A definição não poderia ser mais precisa: foi realmente um pesadelo a vida na Romênia sob o regime comunista, principalmente nas últimas duas décadas, quando o país inteiro se submeteu aos caprichos ensandecidos do conducator. Como nenhum outro manda-chuva comunista, Ceausescu instituiu o nepotismo como política oficial, aponto de, no momento de sua derrubada, existirem nada menos do que 65 parentes seus exercendo cargos públicos no país, um recorde de fazer inveja a muitos políticos brasileiros. A bajulação ao redor do “titã entre os titãs” – outra denominação do agrado do ditador – se estendia a sua mulher, Elena, a verdadeira eminência parda do regime.

Um dos motivos do intenso ódio da população contra o clã dos Ceausescu era a vida luxuosa que a família do ditador levava, em contraste com a penúria que marca o dia-a-dia dos romenos, submetidos à escassez de alimentos e ao rigoroso racionamento de energia, que faz com que muitas casas tenham uma única lâmpada e a calefação fique desligada durante a maior parte do dia, mesmo nos períodos mais gelados do inverno.

POLÍCIA GINECOLÓGICA – A concepção stalinista do Estado total, somada à megalomania que costuma se apossar dos ditadores, empurrou Ceausescu a extremos. Determinado a elevar a população da Romênia dos atuais 23 milhões de habitantes para 30 milhões até o ano 2000, o ditador instituiu um sistema salarial pelo qual cada chefe de família só recebia 100% do seu salário após o nascimento do quinto filho. O aborto e os anticoncepcionais foram proibidos, e as mulheres adultas submetidas regularmente a exames médicos para detectar uma interrupção da gravidez. Era a “polícia ginecológica” em ação, conforme a expressão cunhada pelos opositores.

Nicolae Ceausescu é fuzilado e a Romênia conquista a liberdade. Durante 52 minutos, diálogos se repetiam. Depois de submetidos a um rápido exame médico, conforme estabelece a lei, o acusado e sua companheira enfrentaram com arrogância o tribunal improvisado. Não admitiam erro nenhum, não reconheciam a autoridade de seus juízes, não pediam clemência. Quando ela era atacada, ele partia em sua defesa. Quando ele dava sinais de esmorecer, ela o incitava a resistir. Horas depois do julgamento, realizado em local secreto e filmado de forma a mostrar apenas os dois réus, um lacônico comunicado era transmitido em cadeia de rádio e televisão: “Nicolae Ceausescu e Elena Ceausescu foram condenados à morte e ao confisco de todos os seus bens. As sentenças são definitivas e já foram executadas”. Sem conter seu entusiasmo, o apresentador da televisão acrescentou um comentário pessoal. “Que notícia maravilhosa, o anticristo morreu no dia de Natal.” Fuzilados por umpelotão composto de dois soldados rasos e um oficial sorteados entre os vários voluntários que se apresentaram para a missão, Nicolae Ceausescu e Elena Ceausescu foram mostrados em detalhe, com os corpos semi-retorcidos, o olhar esgazeado.

(Fonte: www.noticias.terra.com.br/mundo/noticias – MUNDO – NOTÍCIAS – EFE – Agência EFE – Todos os direitos reservados –- ÁFRICA – 2 de junho de 2012)
(Fonte: Veja, 31 de dezembro de 1989 –- ANO 22 -– N° 51 – Edição 1111 –- A SEMANA – Pág; 48/55)

Powered by Rock Convert
Share.