Gaius Maecenas, nobre romano da corte do imperador Augusto, inaugurou o hábito de patrocinar pintores, escultores e poetas

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Gaius Maecenas (70 a.C.-8 a.C.), nobre romano da corte do imperador Augusto (63 a.C.-14 d.C.), inaugurou o hábito de patrocinar pintores, escultores e poetas, criando condições para que eles trabalhassem sem se preocupar com a conta do armazém, a criação artística nunca mais foi a mesma. Além da fama e da reputação milenar, Maecenas ganhou pouca coisa. Ao fim da vida, desprestigiado pelo imperador, foi abandonado por seus antigos protegidos, entre os quais os poetas Horácio e Virgílio. Seu sobrenome, porém, serviu para batizar um tipo peculiar de relação entre os poderosos – os reis, os nobres e a Igreja – e os artistas que os serviam, retratando-os, decorando seus palácios ou esculpindo seus mausoléus.

No fim da Idade Média e na Renascença não havia mercado de arte como se conhece hoje. A nobreza ou o clero não compravam obras prontas de artistas – eles as encomendavam, na maioria absoluta das vezes até o estilo do que seria pintado ou esculpido. Os retratos dos reis e dos nobres, sempre executados com extrema benevolência com relação aos traços fisionômicos de quem os encomendava, eram mais bem pagos dos que as cenas bíblicas.

A italiana Isabella d’Este, marquesa de Mântua (1474-1539), indicava ao artista até as nuances de cores e o tamanho das obras que queria. Ticiano, um dos maiores pintores da Renascença, teve de aguentar os caprichos da nobre italiana. Até o século XVII era normal considerar o artista como um simples executor, e o mecenas como o verdadeiro criador conceitual da obra.

Em suas memórias, o escultor florentino Benvenuto Cellini (1500-1571) lembra o que lhe disse um cardeal romano. “Nós somos os inventores. Vocês, os técnicos que sabem executar uma boa ideia.” No século XIV ou no XVII, retratavam-se reis, príncipes e nobres. Foi apenas com o fim do mecenato que, sem a obra sob encomenda, os artistas foram obrigados a sair em busca de um lugar ao sol no mercado, onde tentavam vender o produto de seu trabalho a quem estivesse interessado.

O primeiro a revolucionar o tradicional equilíbrio entre o mecenas e o protegido foi Michelangelo (1475-1564), que com apenas 29 anos ousou desafiar o poderoso papa Júlio II, uma das figuras mais marcantes da Renascença. Ocorre que Michelangelo, que teve vários mecenas ao longo da vida, já desfrutava de prestígio como artista e, diante disso, o papa, em várias oprotunidades, foi obrigado a ceder.

Quando Júlio II lhe encomendou seu próprio mausoléu, detalhando exatamente como o queria, Michelangelo tentou impor suas próprias ideias, mas não conseguiu. Após seis tentativas de projeto e trinta anos de brigas com o papa e seus sucessores, o monumento afinal foi inaugurado – duas décadas depois da morte de Júlio II e com o projeto que a Igreja aprovara.

RIVAL – Não fossem as desavenças de Michelangelo com seu papa/mecenas, no entanto, o mundo da arte não contaria com um de seus maiores monumentos em todos os tempos – os afrescos perpetrados por ele na Capela Sistina. A princípio, Michelangelo fora contratado pelo Vaticano como escultor, mas Júlio II decidiu que o artista mudaria de ofício, pintando, mesmo a contragosto, o teto da Capela Sistina.

Enquanto Michelangelo trabalhava na capela, seu jovem rival, Rafael (1483-1520), também a mando de Júlio II, foi contratado para pintar os aposentos papais. O mais notável afresco da série de Rafael é A Escola de Atenas, em que ele representa a visão que a Renascença tinha da Grécia antiga. No centro da pintura estão Platão, com a mão direita erguida, e Aristóteles.

Os mecenas só começaram a rarear no cenário das artes no século XVII. Os tempos começavam a mudar com rapidez e, na luta pelo prestígio entre laicos poderosos e papas ricos, não havia mais espaço para amizades artísticas. O pintor e o escultor eram chamados para executar determinada obra, recebiam um adiantamento e estabelecia-se a data de entrega do trabalho encomendado.

O primeiro a recusar esse sistema foi o pintor e poeta napolitano Salvatore Rosa (1615-1673), que escandalizou meio mundo anunciando: “Não posso aceitar dinheiro adiantado nem quero sugestões – eu não dependo do príncipe mas de minha inspiração”. Inspiração não era um termo normal nas relações entre mecenas e artistas, e o mecenato a partir dessa época começou a se modificar até desaparecer.

Até então, porém, os mecenas desempenharam um papel sem paralelo na história da arte. Principalmente na Itália, e pelas mãos da família cujo nome se tornou sinônimo do mais rico e produtivo mecenato de que se tem notícia: os Medici, de Florença. Sob seus auspícios, floresceram gênios como Leonardo da Vinci e Rafael.

Ao longo de um domínio de quase 200 anos, a partir do século XV, os Medici conseguiram se enobrecer, chegando a fazer quatro papas e duas rainhas, Catarina e Maria de Medici, na França. Mais do que patronos e ostentadores, os Medici foram gende de gosto apurado, que patrocinaram muitos artistas sem intrometerem-se nas obras que produziam.

Contemporâneo de Isabel e Fernando da Espanha, Lorenzo de Medici (1449-1492) foi o responsável pela implantação do sistema de mecenato que vigoraria em sua família e seria invejado em toda a Europa. Lorenzo, que passou para a história como “O Magnífico”, não se limitou a contratar e hospedar artistas para uso próprio, desenvolvendo a arte como um bem público e abrindo universidades em Florença e Pisa.

FÚRIA CRISTÃ – Ao contrário dos Medici, Isabel e Fernando da Espanha nunca souberam o significado da palavra mecenas. Quando contratavam artistas e arquitetos, mais do que apoiar as artes, eles se interessavam em neutralizar a presença islâmica, que vigorou nos oito séculos anteriores ao seu domínio na região ibérica.

Para cumprir seu objetivo político, os reis espanhóis não se opuseram a deixar que a arte do país, em que predominava o estilo gótico tardio, fosse contaminada pela moda estrangeira ditada principalmente pela Itália, onde já vigorava o régio mecenato florentino. Na mesma época coube a Maximiliano I, assíduo cliente e protetor do alemão Albrecht Dürer, introduzir a arte do retrato na Península Ibérica.

Já em 1468, preocupado com sua imagem, Fernando de Aragão se queixava da falta de bons retratistas na corte. Um dos pontos altos da exposição espanhola é a pintura de um outro estrangeiro, o italiano Sandro Botticelli (1444-1510). Oração no Horto, assinada por ele, da coleção de Isabel, reproduz a cena bíblica na qual Jesus pede a Deus que o poupe do sacrifício da Cruz. A obra integra a coleção da Capela Real de Granada, último território muçulmano conquistado pelos reis em 1492.

O sabor da vitória obtida com a unificação e a expulsão de mouros e judeus do território espanhol abrandaria temporariamente a fúria cristã de Fernando e Isabel . Dominados pelo desejo de magnificência, os reis de Castela e Aragão se dedicaram a restaurar centenas de igrejas destruídas nas batalhas da unificação e a erguer novos templos. Em 1494, dois anos depois de derrotar os ouros definitivamente, Isabel e Fernando ganharam do papa o título de “reis católicos”.

A seguir, a rainha ordenou que nenhuma mesquita ou sinagoga fosse destruída, num arroubo de tolerância. Dezenas das obras de estilo mourisco preservadas pelas ordens de Isabel, principalmente cerâmicas e joias de ouro trabalhadas em filigranas, podem ser vistas em Toledo.

(Fonte: Veja, 15 de abril de 1992 – ANO 25 – Nº 16 – Edição 1230 – ARTE/ Por Alessandro Porro – Pág: 94/95)

 

 

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