Foi um pioneiro da pop art

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Andy Warhol foi o responsável pela mudança radical da imagem do artista do século 20.

O VIGOR DO EFÊMERO

Andy Warhol: um pioneiro da pop art e um infatigável inventor de modas

Andy Warhol (Pittsburgh, 6 de agosto de 1928 – Nova York, 22 de fevereiro de 1987), artista plástico, cineasta, escritor e fotógrafo americano, um dos criadores da pop art, um grande pintor e um inventor inesgotável, em sua opinião, a obra de arte deveria ser produto de uma linha de montagem mecânica. Por baixo da fachada de diversão entediada existia um artista provocativo e em constante ebulição. Filho de imigrantes checos, nascido em Pittsburgh, Warhol mantinha em segredo os seus antecedentes e até mesmo sua data de nascimento. Alguns amigos davam como certa a data de 28 de setembro de 1930. Ele negava. Os inimigos falavam em 6 de agosto de 1928. Ele nem se dignava a responder. Agora, há quem fale que nasceu em 1927.

FULMINANTE – O que há de certo é que em 1949 Warhol chegou a Nova York, onde começou a fazer ilustrações para revistas e anúncios de sapatos. Levava os trabalhos em um saco de papel, enquanto todos os aspirantes a um trabalho se vestiam com apuro, ele usava camisas xadrez, calça jeans e sapatos moles. Há quem diga que Warhol conseguiu seus primeiros trabalhos por piedade das editoras de revistas como Glamour e Vogue. É difícil acreditar que senhoras calejadas nessas posições tivessem pena do jovem tímido não fosse a alta qualidade do seu trabalho.

Seu sucesso no campo da ilustração foi fulminante. Tanto que logo ele pôde comprar uma casa em Manhattan, para onde trouxe a mãe, depois da morte do pai. Em 1953, criou o personagem que iria manter até o fim. Roupas pretas, ar entediado, óculos escuros e cabelo loiro-prateado combinando com a pele de uma brancura quase transparente. Nessa época começou a se preocupar em ser um “artista sério”, apesar de todas as suas negativas a respeito. Passou a pintar grandes telas com ampliações de histórias em quadrinhos do detetive Dick Tracy. Mas sua grande oportunidade se deu quando pintou a série de latas de sopa Campbell”s. Ironicamente, para um artista que passou a ser o símbolo de Nova York, sua primeira exposição aconteceu em Los Angeles, na Califórnia. Hoje, qualquer obra sua vele uma fortuna. Em 1986, um trabalho que mostrava notas de 200 dólares foi vendido por 385 000 dólares.

PRINCESAS E TRAVESTIS – As artes plásticas foram a base usada para Warhol chegar a outras formas de expressão. O rock pesado que hoje agita o mundo inteiro teve uma de suas origens no conjunto The Velvet Underground, patrocinado por ele ainda no fim dos anos 60. Dele fazia parte o cantor Lou Reed. Segundo os críticos de Warhol, sua personalidade atraía pessoas desequilibradas e artistas medíocres, vampirizados por ele. De todas as pessoas que passaram pela Fábrica, apenas o roqueiro Reed foi capaz de sobreviver à confusão no baixo astral reinante.

Baixo astral não é a especialidade da revista Interview, criada por Warhol em 1969, para ser um misto de revista de cinema e poesia. Munido de um gravador e de uma câmara Polaroid, ele conversou e fotografou personalidades reais, ou que ele próprio criava na intimidade. É o caso de Bianca Jagger, mulher do rolling stone Mick, raspando as axilas. A revista se notabilizou por um estilo descontraído e leve, em que a princesa Margaret poderia ter o mesmo destaque do travesti Candy Darling, uma das invenções de Warhol que levou a proposta do seu ator até o fim. Com câncer em estado terminal, Candy chamou um maquilador, preparou-se cuidadosamente e fez uma bela foto para deixar de recordação a amigos e admiradores. Hoje Interview transformou-se numa grande fonte de renda e permitiu o aparecimento de revistas semelhantes em vários países. No Brasil, além da própria edição brasileira do modelo americano, What”s e Around podem ser consideradas legítimas descendentes de Warhol.

O cinema foi outra área na qual Warhol agitou sua inquietação. Os temas não eram comuns, como em Empire. Nele o Edifício Empire State, visto do mesmo ângulo durante 8 horas não é o que se costuma considerar um bom filme. Quando passou a usar personagens, o mínimo que acontecia era mostrar o travesti Holly Goodlawn vivendo a mulher grávida do superastro Joe D”Alessandro, outra criação de Warhol que não sobreviveu. Depois de algumas experiências, porém, deixava tudo a cargo do seu assistente, Paul Morrisey. Cabia a Warhol assinar a obra. Esse mesmo tipo de comportamento chegou a prejudicar o seu trabalho de pintor. A partir da época em que adotou a impressão em serigrafia – um processo de reprodução mecânica – como base de todos os seus trabalhos, chegou a anunciar que eles eram feitos por seus assistentes. Foi, que se sabia, a única vez que fez um desmentido público provocado pela queda nas vendas e o protesto dos colecionadores. Presença obrigatória em todas as grandes festas e locais da moda, a qualidade de seus trabalhos só poderá ser analisada depois que passarem as ondas que ele próprio gostava de criar.

Andy Warhol foi o responsável pela mudança radical da imagem do artista do século 20. Sua obra era ele mesmo, Andy Warhol. Ele não estava preocupado em expressar emoções, em sofrer reclusamente num estúdio para parir peças imorredouras, em viver na miséria para que sua arte se dignificasse. O artista era estilo, brilho, festas e riqueza.

Mesmo sem localizar a influência do estilo de vida e de arte de Andy Warhol, as pessoas convivem diariamente com ele. Os óculos de aros coloridos estão na moda, mas Warhol já os usava nos anos 50. Os punks pintam os cabelos com cores exóticas e adotam cortes esquisitos, e o artista os precedeu em décadas. Quando seus cabelos, tingidos de loiro platinado, começaram a rarear, adotou perucas da mesma cor e corte. Os yuppies, jovens executivos bem-sucedidos, estão fascinados com as engenhocas eletrônicas, querem enriquecer e subir na vida – estão se comportando exatamente como Andy Warhol. Tênis, jeans e paletós de veludo preto é uma indumentária comum para os jovens dos anos 80, e, novamente, o pintor foi o primeiro a usá-la, foi o seu inventor. A onda do cinema underground veio e passou – e Warhol esteve presente antes do seu início e depois do seu fim. O estilo de vida e o estilo de arte se confundiram em Andy Warhol. Nele, é impossível separar a vida da obra, a arte real da ilusão artística, a verdade do truque, o banal do sublime, o objeto único de sua reprodução industrial.

E, no entanto, há a obra de Andy Warhol. Uma obra inconfundível, marcante, que esteve na gestação da pop art. Na célebre lata de sopa Campbell”s, nos retratos de Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Mao Tsé-Tung e Pelé há o brilho insuperável de Warhol. O brilho das cores chapadas e violentas do retrato de Marilyn percorreu o mundo em milhares de posters e reproduções em revistas, tornando-o uma espécie de Mona Lisa do século 20. Um brilho que estava nas personalidades que escolhia para retratar. Sua fascinação por gente de sucesso era total e absoluta, mas, igualmente, o brilho existia a partir do momento em que ele elegia a personalidade que queria pintar. Fosse ela marginal ou princesa.

PUBLICIDADE – Astros do cinema, políticos de renome, atletas bem-sucedidos, primeiras-damas em desespero – ficou famosa a sua série de retratos de Jacqueline Kennedy, logo depois do assassinato de seu marido – faziam companhia a empresários de sucesso, ao camundongo Mickey e a espécies animais ameaçadas de extinção. Tudo isso foi tópico de séries de imagens expostas com grande alarde. Na maioria das vezes, o alarde era tamanho que chegava a ofuscar a qualidade do seu trabalho. Por isso, muitos críticos relutam em aceita-lo como artista sério. Como ser sério e amar a publicidade pessoal, jantar com vedetes e retratar damas de sociedade ao preço de 30 000 dólares cada retrato?

Nessa época, precisou de um local para seu estúdio, ponto de encontro e escritório de negócios. Assim surgiu a Fábrica. Um título que servia para indicar ao mundo que, em sua opinião, a obra de arte deveria ser produto de uma linha de montagem mecânica. A arte deveria ser banal e impessoal. Sua preocupação com o impessoal era tão grande que, em certa ocasião, chegou a anunciar a criação de um robô A2W2 programado para substituí-lo em entrevistas e aparições públicas. Apenas parte dessa preocupação se devia à sua timidez. Pela Fábrica passaram príncipes, astros da música e do cinema, travestis, drogados e marginais de todas as idades e procedências. As portas estavam sempre abertas e todos se sentiam livres para circular pelo local a qualquer hora do sai ou da noite. Até 1968, quando Warhol foi baleado pela atriz de pequenos papéis Valerie Solanas. Depois de quase um ano de recuperação, ele reformulou sua vida e mudou a Fábrica para outro local, onde era possível fazer uma cuidadosa triagem dos visitantes.

Essas eram as aparências. Warhol, o arauto do superficialismo. Por baixo da fachada de diversão entediada existia um artista provocativo e em constante ebulição. Grande parte de suas declarações e atitudes pode ser creditada à sua paixão por criar controvérsias. Quando criou uma série de gravuras inspiradas na foice e no martelo comunistas, o trabalho foi adquirido pelos colecionadores americanos que, por imposição da moda – a essa altura, em 1976, era moda ter um Warhol na parede -, ostentavam com orgulho o símbolo do seu mais famoso inimigo.

O artista plástico Andy Warhol teria gostado muito de participar, dia 23 de fevereiro, de um movimentado leilão realizado na sede nova-iorquina da Christie”s, uma das maiores empresas do mundo no gênero. Na porta uma longa fila de limusines negras despejava senhoras elegantes. Aqui e ali, marginais, figuras exóticas e artistas. Gente como a atriz Liza Minelli e Martha Grahan, a decana da dança moderna americana. Um batalhão de repórteres, fotógrafos e câmaras de televisão registrava o leilão. Esse era o meio que Andy Warhol amava, o ambiente em que viveu e, de certa forma, criou. Marcado com antecedência, o leilão tinha como peça de resistência uma série de três serigrafias feitas por Warhol. O mundo do artista estava todo lá. Só faltava Andy Warhol – morto de um ataque cardíaco no dia 22 de fevereiro, depois de submeter a uma cirurgia na vesícula.

Morte estranha, inesperada, tranquila, misteriosa. Morte à la Andy Warhol: sem agonia, sem sentido, criando um vazio em torno dela. O mesmo vazio que, em vida, o artista tanto buscou, sobre o qual tanto falou e teorizou. O vazio que ele preencheu com uma obra anárquica, com uma série de comportamentos, modas e gestos que se espalharam por boa parte do mundo. Para além da arte, nos últimos trinta anos, Andy Warhol foi o responsável pela mudança radical da imagem do artista no século 20. Sua obra era ele mesmo, Andy Warhol. Ele não estava preocupado em expressar emoções, em sofrer reclusamente num estúdio para parir peças imorredouras, em viver na miséria para que sua arte se dignificasse. O artista era estilo, brilho, festas e riqueza.

Andy Warhol faleceu dia 22 de fevereiro de 1987, de ataque cardíaco, no Hospital da Universidade de Nova York.

O pensamento vivo do pintor

Em livros e entrevistas, Andy Warhol foi um criador de frases sempre surpreendentes. A seguir, alguns de seus pensamentos, pérolas e máximas:

“No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos.”

“Qualquer coisa que pensem da minha obra é verdade. E, na realidade, não tem a mínima importância.”

“Não sou ninguém. Só trabalho. Faço o que sempre fiz desde o começo. Trabalho.”

“O tempo provou que a arte era, para os negócios, um ótimo mercado.”

“Pinto assim porque quero ser uma máquina. Tudo o que faço, faço como uma máquina. Acho que seria incrível se todo mundo fosse igual.”

“Quando alguém me intimida, não o escuto mais.”

“É com os jovens que os mais velhos aprendem, sempre.”

“No final dos anos 50 comecei a ter um caso com a minha televisão. Cheguei a ter relações com quatro televisões ao mesmo tempo no meu quarto. Mas só fui me casar em 1964, quando consegui meu primeiro aparelho de vídeo, minha mulher.”

“Me diga qual é a tua esperança e te direi como ela é fabricada.”

“As palavras enchem o espaço. Eu prefiro encher a carteira.”

“Humor é a única coisa que eu tenho.”

“Se você não ganha dinheiro com sua arte, tem que dizer que ela é arte. Se você ganha, tem que dizer que é qualquer outra coisa.”

“Comecei como um artista comercial e quero terminar como um artista de negócios.”

“Os travestis são arquivos ambulantes da feminilidade ideal das estrelas de cinema.”

“Tenho o cérebro de uma galinha.”

“Estou aborrecido com a frase: “No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos.” Agora minha frase é: “Em 15 minutos, todo mundo será famoso.”

“Gostaria que a minha lápide estivesse em branco. Sem epitáfio, sem nada. Na verdade, gostaria que nela estivesse escrito: “Invenção”.

(Fonte: Veja, 4 de março de 1987 – Edição n° 965 – DATAS – Pág; 58 – CULTURA/ Pág; 56)

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