Ermírio de Moraes, empresário pernambucano do Grupo Votorantim, ex-senador (1962/70) pelo PTB

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Moraes: indústrias e partidos

José Ermírio de Moraes (Nazaré da Mata, 21 de janeiro de 1900 – São Paulo, 9 de agosto de 1973), empresário pernambucano do Grupo Votorantim, ex-senador (1962/70) pelo PTB, depois transferido para o MDB. Político e industrial, construiu um poderoso império industrial. Filho de senhor de engenho de Nazaré da Mata, formou-se engenheiro de minas nos Estados Unidos. Trabalhou algum tempo na St. John Del Rei Company, em Minas Gerais, mas logo preferiu ir modernizar a usina de açúcar da família.

José Ermírio de Moraes

José Ermírio de Moraes

Em 1970, quando buscava a reeleição para o Senado, em Pernambuco, José Ermírio de Moraes resistiu a todos os conselhos para que fortalecesse a sua chapa com um outro candidato, em sub-legenda. Cercado por uma multidão ávida, a que distribuía inesgotáveis notas de 10 cruzeiros, repetia, com a autosuficiência conquistada em muitos anos de vitorioso comando de um grande império industrial: “Não preciso de ninguém para me eleger. Esse povo gosta de mim”.

Mas como a distribuição de dinheiro na rua não é a melhor forma de conquistar nem votos, nem corações, foi derrotado. Afastado da política, que chegou a considerar, como todos que a praticam, “uma cachaça”, foi se afastando, também, aos poucos, da chefia das 51 empresas do grupo industrial Votorantim, distribuídas por dezessete Estados.

Elas passaram para as mãos de seus três filhos e do genro, numa operação de divisão mais pacífica do que a realizada na década de 30, quando os filhos do industrial Pereira Ignacio, fundador do grupo Votorantim, sentindo-se prejudicados pelo cunhado José Ermírio de Moraes, desprezaram a melhor oferta pelas ações que colocaram à venda apenas pelo prazer de dar-lhe, como sócio, um inimigo pessoal*.

Assim, não foi perturbado pelo número excessivo dos que parecem sempre dispostos a homenagear os políticos que manuseiam o poder ou os milionários que deixam um vasto espólio para divisão. Ainda assim, exigiu toda a perícia do coordenador geral de segurança do grupo Votorantim, major Simões de Carvalho, para evitar congestionamentos nos corredores da Beneficência Portuguesa.

No PTB – Na política, começou por onde quase todos terminam: senador. Há fundadas razões para supor que foi um ato de vingança. Em 1961, depois de financiar a vitoriosa campanha de Jânio Quadros, teve o desprazer de ver seu nome recusado pelo Senado, quando o presidente o indicou embaixador na Alemanha. Sua ira tinha sólidos motivos, pois não há lembranças de acontecimento semelhante no Senado.

Foi, então, para Pernambuco, seu Estado natal, disposto a conquistar os votos que lhe abririam as portas da casa a que devia tão grave desfeita. A UDN e o PSD negaram-lhe a legenda, como lhe haviam negado votos para ser embaixador; restou-lhe o PTB, já no poder com João Goulart e disposto a todas as ousadias para restabelecer integralmente o presidencialismo.

E o incansável industrial, na sua abordagem ao mundo da política, viu-se envolvido numa estranha coligação de que participavam seu dinheiro, os jornais de Pessoa de Queiroz, o segundo candidato ao Senado, o radicalismo de Miguel Arraes, candidato a governador, e a astúcia de Paulo Guerra, o pessedista candidato a vice-governador. Venceram todos.

No grupo Votorantim – Há quem diga que foram gastos 1 bilhão de cruzeiros velhos na campanha. Carlos Dutra, seu secretário particular na época, contesta: “Tive em minhas mãos os recibos do que foi gasto com a política partidária na época – exatamente 234 milhões de cruzeiros. O mais foram despesas com automóveis, publicidade e doações. Acredito em despesas globais em torno de 500 ou 600 milhões de cruzeiros”.

Descontada a inflação de onze anos, o número permanece assustador. Em 1924, estava em São Paulo trabalhando com Pereira Ignacio (1875-1951), que o levou para uma viagem à Europa. Voltou noivo da única filha do industrial, Helena, e com o casamento, logo depois, começou a assumir o comando direto do grupo industrial.

Paternalista – Revelou grande habilidade no aproveitamento das vantagens oferecidas pela vitoriosa revolução de 1930 para o desenvolvimento do parque industrial brasileiro, principalmente durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando as importações estiveram quase totalmente suspensas. Seus auxiliares imediatos proclamam-no “mais amigo que patrão”. Sobre os empregados em geral, desdobrou o largo manto protetor de seu espírito paternalista – provavelmente uma herança de Pereira Ignacio.

“Era sempre consultado por ele sobre a assistência que prestava às famílias dos empregados e daqueles que moravam próximo à fábrica”, lembra Castorino Augusto Rodrigues, gerente da Fábrica de Cimento Poty, em Pernambuco, em 1958. Tal assistência nunca chegou a comprometer os lucros das suas fábricas, mas é inegável que, se não foi um patrão diferente dos outros, foi um empresário razoavelmente acima da medida.

Político industrial – Graças a isso, mereceu o lugar que ocupou, ao lado de industriais como Francisco Matarazzo, Roberto Simonsen, Jorge Street, Horácio Lafer, Antônio Devisate, na fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, em 1928. Na política, igualmente, não foi o arrivista que o espetáculo de estreia parecia anunciar.

Foi ministro da Agricultura de João Goulart, mas saiu quando os rumos do governo começaram a se radicalizar. No Senado, antes e depois de abril de 1964, foi um péssimo, porém incansável, leitor de discursos (que escrevia pessoalmente) invariavelmente denunciando a desnacionalização da economia brasileira. Foi o último presidente do PTB, que lhe deve integralmente a dignidade com que viveu seus últimos dias, entre a severa cirurgia do AI-1 e a sentença de morte decretada peloAI-2, da mesma forma que o MDB deve ao seu primeiro tesoureiro-geral a robustez com que enfrentou e venceu, galhardamente, os tempos incertos da primeira infância.

Aos dois partidos, José Ermírio de Moraes ofereceu salas para seus gabinetes, funcionários para sua burocracia, dinheiro para as necessidades mais prementes, mas, sobretudo, a inabalável capacidade de trabalho conquistada nos duros anos em que lutou para construir um poderoso império industrial. Graças a isso, foi reverenciado, no dia 9 de agosto de 1973, como político e industrial, embora já não fosse realmente nem uma coisa nem outra.
*A informação é de Warren Dean em “A Industrialização de São Paulo”.

(Fonte: Veja, 15 de agosto, 1973 –- Edição 258 -– Memória – Pág; 27 – DATAS – Pág: 14)

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