Theotônio dos Santos, um dos co-fundadores e um dos principais teóricos da Teoria Marxista da Dependência, junto aos também brasileiros Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra

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Professor foi um dos mais influentes pensadores da esquerda latino-americana

 

Theotonio dos Santos

O professor, economista e cientista social Theotônio dos Santos – (Foto: Marcos Tristão / O Globo/17-08-2007)

Foi um dos principais teóricos da Teoria Marxista da Dependência

Theotonio dos Santos Júnior (Carangola, 11 de novembro de 1936 – Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2018), economista e cientista social, foi um dos principais formuladores da teoria marxista da dependência.

O economista foi um dos mais influentes pensadores latino-americanos na segunda metade do século XX e no início do século XXI, tendo dezenas de obras publicadas em diversos países sobre a relação entre capitalismo, desenvolvimento, dependência e imperialismo. Ele também ocupava o posto de coordenador da cátedra Unesco em Economia Global e Desenvolvimento Sustentável, era professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Dos Santos foi militante da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP), mas a sua trajetória militante foi acompanhada de uma importantíssima produção teórica, com dúzias de livros publicados em mais de 15 línguas diferentes.

Nascido em Carangola, em Minas Gerais, Santos ingressou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no final dos anos 1950. Em 1961, foi um dos fundadores da Organização Revolucionária Marxista — Política Operária (Polop). Com presença em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, o grupo reunia intelectuais e estudantes e tinha como objetivo criar as condições para o surgimento de partido operário revolucionário no Brasil. Foi na Polop que o então estudante de Economia conheceu dois companheiros de vida e de estudos: Vânia Bambirra (1940-2015), com quem se casaria, e Ruy Mauro Marini (1932-1997).

O trio foi responsável por formular a teoria marxista da dependência e trabalhou junto a partir de 1962, quando os três assumiram cargos de professores na recém-criada Universidade de Brasília (UnB) a convite de Darcy Ribeiro (1922-1997). Em entrevista ao GLOBO, em 2013, Santos relembrou a efervescência que a UnB viveu nos seus primeiros anos.

— O debate fluía muito naquela época, e a universidade era o grande centro de discussão. Viver o impacto de tudo o que acontecia no país em Brasília era muito interessante. O Darcy trouxe uma equipe inicial e nós fomos convidando outras pessoas. O Victor Nunes Leal (1914-1985), membro do Supremo Tribunal Federal, era diretor do departamento de Ciência Política. O Oscar Niemeyer andava pelo campus com os alunos da Arquitetura — contou Santos.

 

CRÍTICAS À CEPAL

 

A teoria marxista da dependência — desenvolvida por Santos, Vânia e Marini junto com o economista americano Andre Gunder Frank (1929-2005) — se opunha à teoria da dependência formulada no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), sediada em Santiago do Chile e um influente centro do pensamento estruturalista na região. A Cepal via uma oposição entre um Brasil feudal e agrário e um Brasil moderno e industrial. A superação do subdesenvolvimento passaria, então, por uma aliança entre Estado e burguesia nacional industrial na forma de uma revolução nacionalista e capitalista.

Já os marxistas criticavam duramente essa oposição entre arcaico e moderno e a ideia de que haveria etapas a cumprir no desenvolvimento. Para Santos e seus colegas, o Brasil não era um país feudal, pois estava integrado ao sistema capitalista mundial como grande fornecedor de matérias-primas. A própria existência de uma burguesia nacional industrial era questionada. Nas críticas à Cepal, o grupo concordava com a interpretação da dependência da escola sociológica paulista, que concentrava ao redor de Florestan Fernandes, na USP, nomes como Fernando Henrique Cardoso e Francisco de Oliveira.

A experiência da UnB não durou muito. Logo após o golpe de 1964, Santos sabia que estava na mira dos militares e caiu na clandestinidade junto com Vânia, sua mulher. A filha do casal nasceu nesse período. O economista acabou condenado a 15 anos de prisão em Minas Gerais, e a situação política se agravou, em meio a disputas internas da Polop. Os militantes da organização deram origem a dois grupos guerrilheiros na luta contra a ditadura: a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Comando de Libertação Nacional (Colina).

 

 

EXÍLIO NO CHILE

 

 

Santos e a família optaram pelo exílio e chegaram no Chile em 1966. Naquele momento, o vizinho latino-americano já tinha recebido muitos intelectuais brasileiros perseguidos pelo regime, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Além deles, vários militantes da esquerda de várias partes do mundo vinham para Santiago, energizando suas universidades e centros de pesquisa. Santos relembrou esses encontros na mesma entrevista ao GLOBO:

— Era um momento de rediscussão do marxismo. Os seminários sobre “O Capital” se multiplicavam. De repente você ia na Faculdade de Arquitetura e estavam lendo “O Capital”, ia no Instituto de Matemática e estavam lendo “O Capital” — contou o economista. — No Chile estavam os vice-ministros que tinham trabalhado com o Che Guevara em Cuba, tinha um grupo da Polônia de muita qualidade. O Ruy Mauro (Marini) que estava no México vem para o Chile também. Tinha um grupo de economia da América Central comandado pelo Rick Lambert.

Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Herbert de Souza, o Betinho, na chegada ao Brasil após o exílio – (Arquivo O Globo)

 

 

Esse caldeirão ferveu com a vitória de Salvador Allende em 1970. Santos participara ativamente dos debates e das formulações da Unidade Popular, ampla coalização de forças de esquerda que apoiava Allende, que acabou por adotar as formulações da teoria marxista da dependência. Vários quadros da Universidade do Chile, onde o economista dava aulas, foram recrutados para o governo Allende, e o professor Santos assumiu o comando do Centro de Estudos Socioeconômicos (Ceso).

O golpe comandado pelo General Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973, obrigou Santos a um novo exílio. A primeira parada foi a Embaixada do Panamá, em Santiago. Em poucos dias, a pequena casa abrigava centenas de perseguidos políticos. Foram seis meses até que o economista conseguisse autorização para viajar. Vânia e sua filha já estavam no México, com Marini. Sua ideia era ir para Alemanha pelo México, mas, com propostas de trabalho para ele e a mulher na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), acabou ficando no país latino-americano.

O fim da experiência do socialismo chileno enfraqueceu também a difusão dos seus trabalhos no Brasil. Pela ligação do grupo com Allende, a própria teoria marxista da dependência acabou marginalizada como parte de uma experiência fracassada. Ao mesmo tempo, tornava-se hegemônica no Brasil a interpretação da escola sociológica paulista, apresentada no livro “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1935-2003), de 1970.

— Nosso grupo penetrou fortemente nos partidos de esquerda chilenos. A Unidade Popular assumiu a nossa perspectiva. Isso também foi um dos motivos do fortalecimento da interpretação do Fernando Henrique. A queda do Allende, em 1973, é transformada num fracasso da nossa visão, como se nós tivéssemos radicalizado o governo e o inviabilizado — afirmou Santos, em 2013.

 

 

RETORNO AO BRASIL

 

 

O retorno ao Brasil só aconteceu em 1979, após a anistia. No dia 16 de setembro, um fotógrafo do GLOBO registrou o momento da chegada de Santos e Vânia no aeroporto de São Paulo, abraçados ao sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. A esperança, entretanto, deu lugar à frustração. Os espaços na academia estavam fechados para eles. Apesar da perseguição da ditadura, Santos não conseguiu ser reintegrado e prestou concurso novamente para a Universidade Federal da Minas Gerais (UFMG). Ele não escondeu a decepção acerca do país que encontrou após mais de uma década de exílio.

Mesmo com todas as dificuldades, o economista continuou trabalhando intensamente. Ao lado de Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin, colaborou para a formulação da teoria do sistema-mundo, que propunha a articulação da economia, da geopolítica e das relações internacionais para pensar as interrelações entre as sociedades, as economias e o capitalismo globalizado.

Theotônio dos Santos morreu na manhã desta terça-feira o economista e cientista social Theotônio dos Santos, aos 81 anos, vítima de um câncer no pâncreas.

(Fonte: https://oglobo.globo.com/economia – ECONOMIA / por Leonardo Cazes – 27/02/2018)

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