Sukarno, ex-presidente da Indonésia de 1945 e 1965. Líder popular e herói nacional

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Honra ao mérito

Sukarno (Surabaia, 6 de junho de 1901 – Jacarta, 21 de junho de 1970), ex-presidente da Indonésia de 1945 e 1965. Líder popular e herói nacional, reabilitado pela morte.

Até o dia 21 de junho, ele não passava de um prisioneiro de luxo, confinado em sua suntuosa vila de 150 000 dólares. Exilado em seu próprio país, a Indonésia, o ex-Presidente Sukarno vivia sem maiores esperanças, desde 1965, quando foi deposto do poder após uma tentativa de golpe comunista. E, para piorar sua situação, em 1967 ele estava proibido de ter contatos assíduos com qualquer uma das suas seis mulheres. Entretanto, quando morreu dia 21 de junho num hospital de Jacarta, em consequência de uma crise renal, Sukarno voltou a ser um herói. O governo do General Suharto – que o sucedeu no poder e o manteve prisioneiro nos últimos cinco anos -decretou luto oficial por sete dias, reservou-lhe funerais com as honras de chefe de Estado e o próprio Suharto, inimigo direto de Sukarno, fez questão de ler uma oração fúnebre junto a seu caixão. Além disso, milhares de indonésios puderam desfilar diante do esquife do “Bung” (o irmão) Sukarno, antes que seu corpo fosse transportado para Blitar, na Java Oriental, onde está o túmulo da família.

“O povo e o governo indonésios não podem esquecer os serviços prestados por Sukarno e sua dedicação à nação, apesar de ter cometido erros”, explicava em seguida o ministro da Informação, para justificar a devolução das honras de chefe de Estado ao presidente deposto. A explicação era cabível. Pois os erros de Sukarno – ou seja, sua desastrosa política econômica, seus sonhos de liderança internacional, sua cumplicidade com os comunistas e sua tentativa mal definida de levar os 115 milhões de indonésios para o socialismo – não conseguiram apagar junto ao povo a imagem de seu maior herói nacional. Essa imagem, Sukarno a ganhou por ter sido o principal arquiteto da independência da Indonésia – desde seus tempos de estudante, quando liderava manifestações contra a dominação holandesa de seu país. Durante a Segunda Guerra Mundial, ficou do lado do Japão, que lhe prometera a independência da Indonésia. Ao final do conflito foi ele o líder das guerrilhas que garantiram a independência política do país e a fundação da República, cuja presidência foi o primeiro a ocupar e da qual só saiu após o golpe de 1965. Mas, nessa ocasião, seu passado glorioso não conseguia esconder o fato de que ele deixava atrás de si um país mergulhado em tão profundo caos econômico e político, que só agora parece dar os primeiros sinais de recuperação.

Caminho javanês – Quando o General Suharto subiu ao poder, a Indonésia passou por um tratamento de choque. No campo político, o perigo comunista foi combatido com um inacreditável massacre, no qual se matou tanta gente, que nunca se conseguiu chegar a uma cifra exata quanto ao número de mortos: levantamentos igualmente sérios indicam totais que variam de 300 000 a 700 000 pessoas exterminadas entre 1965 e 1967. E o principal problema econômico – a inflação, que em 1966 galopava a 650% ao ano – foi enfrentado com um programa de contenção extremamente severo.

Suharto, ao contrário do ruidoso Sukarno, é um místico de fala suave, que acredita mais nos conselhos dos seus “dukuns” (gurus) do que nos de sua assessoria de tecnocratas e impacientes militares. Desde o início, ele se mostrava tão apagado e sem inspiração, que poucos acreditavam na sua permanência por longo tempo. Hoje, controla inteiramente o país e sua indecisão passou a ser aclamada como astúcia ou o “caminho javanês”. O principal planejador econômico do país, Widjojo Nitisastro, diz com muito orgulho: “Em quatro anos reduzimos a inflação para apenas 10%. A rúpia agora está estabilizada e goza da confiança mundial e os indonésios já depositam suas poupanças em bancos locais, ao invés de remetê-las ao estrangeiro. Herdamos tal caos econômico, que antes do golpe a única indústria que funcionava a plena capacidade neste país era a fábrica de papel moeda”. Por outro lado, as dívidas externas, cujos pagamentos nem sempre eram observados por Sukarno, foram reescalonadas e, em alguns casos, como o Japão, em termos muito favoráveis.

Os progressos econômicos, porém, tem agradado mais aos economistas que aos indonésios comuns. Dessa forma – e como nenhum dos 25 jornais de Jacarta sofre qualquer tipo de censura -, o “Business News” recentemente indagava: “Os tecnocratas dizem que a renda per capita subiu. A renda de quem? Para o homem comum, apenas a pressão sanguínea tem subido”. Na verdade, talvez aí esteja a mais séria falha de Suharto: não exigiu de seus companheiros militares a mesma política de austeridade e cintos apertados que exigiu da população.

Corrupção – “Sukarno esperou treze anos no poder até se tornar corrupto”, reclama um editor. “O governo de Suharto é corrupto desde o seu primeiro dia. Eles o chamam de “o caminho javanês”, mas eu considero isso tudo uma grossa inconpetência.” A corrupção é realmente um fenômeno infiltrado em todos os níveis da sociedade indonésia. Em grande parte, isso se deve ao fato de que a maioria dos trabalhadores, incluindo os funcionários públicos, mal ganha em um mês de trabalho o suficiente para uma sobrevivência de dez dias. A solução para muitos é ter dois ou três empregos – e nem todos lícitos. Até unidades militares, numa prática estimulada inicialmente por Sukarno, se dedicam a operações não-militares por algum dinheiro a vista extra. O Exército, por exemplo, aluga caminhões, importa filmes estrangeiros para distribuição comercial, opera fábricas de tecidos e de calçados, plantações e bancos, dirige empresas comerciais, hotéis e uma companhia de aviação comercial.

Suharto tem conhecimento da corrupção, mas acha que as acusações são exageradas: “Em seu coração, o povo indonésio não tem nenhum desejo de ser corrupto. E quando melhorarem as condições econômicas não haverá mais corrupção”. Contudo, a corrupção parece ser sintoma de uma grave enfermidade: há carência de empregos, de operários qualificados e uma má distribuição da riqueza, cuja disparidade dificilmente diminuirá em menos de quinze anos. Com esses problemas, não é difícil entender as homenagens prestadas por Suharto ao seu maior inimigo. Com eleições parlamentares convocadas para 1971, seguidas dois anos depois por uma eleição presidencial, o respeito e os elogios ao herói do passado poderão frutificar em milhares de votos para os políticos do momento.

(Fonte: Revista Veja, 1° de julho de 1970 – Edição 95 – INDONÉSIA – Pág; 54 e 56)

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