René Maran, foi um poeta e romancista negro francês, seu trabalho em “Batouala” lhe rendeu o Prêmio Goncourt em 1922, um dos maiores prêmios literários da França, tornando-o no primeiro autor negro a receber essa honra (no ano anterior, havia ido para Marcel Proust para “Remembrance of Things Past.”

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René Maran: foi um escritor francófono negro entre dois mundos

O escritor René Maran, na década de 1940. BÉRÉNICE MEDIA CORP.

 

Rene Maran (Fort-de-France, Martinica, 5 de novembro de 1887 – Paris, França, 9 de maio de 1960), foi um poeta e romancista negro francês, seu trabalho em “Batouala” lhe rendeu o Prêmio Goncourt em 1922, um dos maiores prêmios literários da França, tornando-o no primeiro autor negro a receber essa honra (no ano anterior, havia ido para Marcel Proust para “Remembrance of Things Past.”

Maran nasceu na Martinica, foi educado na França e serviu no serviço colonial na África negra por cerca de 20 anos.

O notável de tudo isso é que esse romance foi publicado em 1921.

Maran fez um trabalho perfeito ao entrelaçar os detalhes de alimentação, abrigo, ritos de passagem, tradição e arte em seu romance. Nada parece escapar dele, mesmo andando: “Os três partiram, um atrás do outro, como patos. As pessoas não devem andar lado a lado. Um costume, antigo como a raça negra, exige que seja assim.”

O problema é que “Batouala” trouxe muitas críticas sobre sua cabeça. Os burocratas franceses pensaram que o livro estava aquém da sedição e, de fato, conseguiram bani-lo em seus territórios coloniais; ele também teve problemas para encontrar editores para seu trabalho posterior. Incrivelmente, ele também foi acusado de pintar um quadro cruel dos negros africanos e de mostrar “desprezo por seus irmãos raciais”.

Os instintos exortatórios de Maran podem ser vistos como coisas bastante brandas. “Batouala” é muito menos um apelo à revolta do que uma tentativa de expor os excessos do domínio francês. Era a esperança de Maran que, uma vez que os abusos fossem reconhecidos, homens razoáveis ​​desejassem que eles parassem. Foi uma boa tentativa de qualquer maneira.

No entanto, nos anos desde que foi publicado, “Batouala” (esgotado desde 1930) recebeu muita atenção. E nenhum teve o peso de uma crítica que Ernest Hemingway escreveu (para o Toronto Star) em 1922: “Você sente os cheiros da aldeia, come sua comida, vê o homem branco como o homem negro o vê e, depois você viveu na aldeia você morre lá. Isso é tudo que existe na história, mas quando você a lê, você é Batouala, e isso significa que é um grande romance.”

Na verdade, não é difícil ver o que chamou a atenção de Hemingway. O livro está cheio daquelas frases curtas e entrecortadas, tipo Twain, que tanto o atraíram. Juntos, eles demonstram um amor pela simplicidade e uma abordagem prática da vida que os romancistas costumam imitar, mas raramente conseguem.

Batouala é o líder (ou mokoundji) de uma pequena tribo de Bandas que vive e morre sob o opressivo domínio colonial francês na época da Grande Guerra; eles estão resignados com o novo estilo de vida que se choca tão estridentemente com aquele que havia feito tão bem para seus ancestrais. Para eles, a guerra significa simplesmente que há um mercado reduzido para a borracha, portanto, há menos trabalho nas plantações ou na construção de estradas para as Bandas fazerem. Além disso: “Alemães, franceses. Franceses, alemães: não são todos ainda ‘brancos’? Então, por que mudar? Os franceses nos escravizaram. Agora conhecemos suas qualidades e defeitos. Isso já é alguma coisa, garanto, embora saiba que eles se divertem conosco como Paka, o gato selvagem, se diverte com um rato. Essa é toda a atenção que a Guerra merece.

A história é bastante simples: alguns dias na vida de Batouala, o velho chefe, que está sendo desafiado por um homem mais jovem. Mais importante, porém, o conto é uma estrutura para o que quase pode ser considerado um compêndio do folclore Banda e da vida tribal.

Herbert Read tinha razão quando dizia que “o primitivo não diferencia sua atividade estética como tal; é simplesmente parte da atividade de sua vida”. No entanto, ele não foi longe o suficiente. O fato é que, como “Batouala” deixa claro, nada é diferenciado. Tudo está subordinado à simples arte de viver. Não existe hora para isso e hora para aquilo, ou pior, hora para intelectualizar. Aprendemos esse tipo de lista com Tomás de Aquino. Para Batouala, toda a existência é uma peça, mesmo dolce far niente:

“A vida é curta. O trabalho só agrada a quem nunca o compreenderá. A ociosidade não pode degradar ninguém. É muito diferente da preguiça.

“Em todo caso, quer alguém concordasse com ele ou não, ele acreditava firmemente e confessava, até que se provasse o contrário, que não fazer nada era tirar proveito de toda boa natureza e simplicidade de tudo o que nos cerca.”

A vida também significa viver como parte da natureza, e que o próprio conceito de ecologia é arrogante. Já há algum tempo, o homem “civilizado” se ilude pensando que tem algum controle sobre a natureza – outra era glacial ou período de atividade vulcânica, ao contrário. Em contraste, as Bandas vivem um ciclo contínuo em que cada estação chuvosa significa destruição, morte e um novo começo. A propensão do homem branco para fazer estradas que são rapidamente cobertas por arbustos ou para construir pontes sobre riachos rasos com estruturas que são arrastadas a cada primavera é, portanto, vista como verdadeiramente risível. Sob esta luz, todas as nossas comodidades modernas, por assim dizer – da represa de Glen Canyon ao Astroturf – são certamente o material de preto.

Por causa do trabalho forçado nas ferrovias francesas e nas plantações de borracha, os Bandas ficaram com pouco tempo para cuidar de seus escassos canteiros de mandioca e inhame. Como resultado, as tribos viviam com fome e doenças, para não falar da humilhação. Milhares morreram. Diante de tudo isso, eles responderam mantendo os valores brancos como fonte de uma espécie de riso relutante. Ouça: “Quando irritado, um homem branco vê vermelho imediatamente. Bandas ou Mandjias, Sangos ou Gobous agem de forma diferente. A vingança não é um alimento para ser comido quente. Pelo contrário, é bom disfarçar o próprio ódio com a mais afetada cordialidade. A cordialidade, dessa forma, faz o papel das cinzas que se espalham no fogo para mantê-lo vivo.” Se ele tem alguma coisa, Maran tem um foco afiado e irônico.

(Crédito: https://www.nytimes.com/1973/01/28/archives – The New York Times/ ARQUIVOS / Arquivos do New York Times/ Por Michael Olmert – 28 de janeiro de 1973)

Sobre o Arquivo
Esta é uma versão digitalizada de um artigo do arquivo impresso do The Times, antes do início da publicação online em 1996. Para preservar esses artigos como eles apareceram originalmente, o Times não os altera, edita ou atualiza.
© 2006 The New York Times Company

René Maran, Batouala e a literatura francófonano Brasil

Em 1921, o Prix Goncourt, o mais cobiçado prêmio do universo literário francês, foi atribuído a René Maran pelo romance Batouala – véritable roman nègre1. Trata-se de um acontecimento marcante, já que foi a primeira vez que uma premiação dessa envergadura laureou um autor negro, nascido fora da França hexagonal e de origem colonial. Além dessas peculiaridades, é também bastante notável o fato de a obra colocar em cena toda uma atmosfera colonial, expondo não somente os procedimentos do sistema exploratório, mas desestabilizando alguns dos alicerces ideológicos que justificavam a colonização. Não por acaso, o romance traz personagens, contextos e histórias da identidade negra de uma parte da África Subsaariana – lugar em que o autor viveu e que conheceu minuciosamente entre os anos de 1909 e 1923.
René Maran nasceu de pais guianenses, em 1887, em um barco a caminho das Antilhas, entre Guiana e Martinica, onde viveu seus primeiros anos de vida. Aos sete, iniciou seus estudos longe de sua família em um colégio interno em Bordeaux, na França, de onde saiu somente em 1909. Maran realizou estudos em direito e se tornou funcionário do Ministério das Colônias, exercendo o posto de administrador colonial de além-mar em Oubangui-Chari, atual República Centro-Africana. A estadia do autor nessa região lhe permitiu refinar uma sensibilidade ao outro, tecendo uma delicada rede de conexões entre o ficcional e o real, em que aspectos concretos eram narrativizados através do olhar atento à vida cotidiana. Em Batouala, o escritor preocupa-se, primeiramente, em situar o leitor por meio de uma descrição geográfica do território onde se passa a história e onde se situa também a instalação colonial. Ao lado disso, ao modo de um etnólogo, compõe uma narrativa em que os detalhes constitutivos daqueles povos, seus costumes e sua organização social vão sendo atravessados pela presença do colonizador.
1 Ver Maran (1921).
A publicação de Batouala foi um grande feito para abalar os alicerces sócio-literário-políticos franceses. Em 1921, não se ousava suspeitar das boas intenções civilizatórias da colonização, que levaria paz e harmonia para além das fronteiras do ocidente. Como, então, um funcionário francês poderia denunciar os abusos da administração colonial na África Equatorial e os malefícios causados pelo imperialismo? Que ousadia transpassar o gênero narrativo francês pela sobreposição da estrutura narrativa africana! Ou ainda, entremear à sublime língua francesa nomes e palavras dos dialetos africanos! Batouala foi, certamente, um atrevimento. Mas o autor o considera um alerta, que conclamaria os bem-intencionados da nação a levantar a voz contra as injustiças coloniais, como ele explica em seu prefácio de 1937: “Meus irmãos de espírito, escritores da França, tudo isso não é senão a pura verdade […] Ergam suas vozes” (MARAN, 1989, p. 7, tradução nossa). Com sua obra, Maran acreditava poder mudar a ordem das coisas naquele tempo. Cem anos depois, seu texto é de uma atualidade perturbadora, tão desconcertante quanto o apagamento do autor, de sua engenhosidade literária e a sua ausência da história literária francesa.
 O mesmo espanto nos atinge ao constatar que, tanto tempo depois, o romance não tenha sequer uma versão traduzida em português. O público brasileiro ainda não conhece essa obra-prima de René Maran e tudo o que a reflexão sobre ela diz a respeito de nossa própria história. Não surpreende, portanto, que os Estudos Literários em língua francesa ainda estejam tão longe de incluí-lo nos programas de graduação e pós-graduação ao redor do Brasil. Apesar de próximo geograficamente e no que tange a aspectos históricos constitutivos dos territórios da América Latina, René Maran é ainda um autor longínquo para o público acadêmico e no imaginário do leitor brasileiro. Aos mais atentos, que hoje se debruçam sobre autores como Frantz Fanon, é possível lembrar de Maran através de Peles Negras Máscaras Brancas (1952)2. Com efeito, Fanon dedica ao escritor um capítulo inteiro para falar da alienação do homem negro numa relação com uma mulher branca a partir do romance “autobiográfico” Un homme pareil aux autres (1920)3.
 Essa “má reputação” criada por Fanon seria mais um motivo de desinteresse do público brasileiro pelo autor de Batouala? Vale lembrar que, apesar de seu romance premiado não estar, como se sabe, traduzido hoje (2021), há, contudo, duas traduções em língua portuguesa: Djumá, cão sem sorte (1955), pela editora Livraria Cultura Brasileira4, e o ensaio “Os escritores franceses de cor”, sem nome do tradutor e publicado na revista Anhembi, número 51, volume XVII, de fevereiro de 19555. Ademais, a Livraria Cultura Brasileira prometeu lançar Batouala pela lavra do mesmo tradutor do livro maraniano já publicado, Aristides Avila. Entretanto, essa tradução não foi publicada ou ficou engavetada e se perdeu. Esquecido como muitos autores negros, no Brasil e na América Latina, René Maran marcou, contudo, presença na sociedade e na literatura, produzindo uma obra diversa nos gêneros romance, poesia, conto e ensaio.
2 Ver Fanon (2020).
3 Ver Maran (1947).
4 Ver Maran (1955a).
Tendo em vista esse cenário, traçado aqui apenas em linhas gerais, o centenário do livro mais famoso de Maran pareceu um pretexto oportuno para que coloquemos um desafio literário e acadêmico na ordem do dia. No mundo francófono, alguns eventos buscaram rememorar a beleza e a importância da escrita desse autor. Neste momento de recrudescimentos de autoritarismos e fragilização da democracia em todo o mundo, falar do passado colonial parece uma urgência. Nestas primeiras décadas do século XXI, ainda estamos às voltas com os resquícios da violência colonial e nada parece mais premente do que refletir sobre o racismo, a miséria, o massacre dos povos indígenas e a devastação ambiental que estão nos rastros deste passado.
 Portanto, é no Brasil conturbado de 2021, em que nada parece mais importante do que o enfrentamento a imensas muralhas de retrocesso e de crises na área da saúde, notadamente, mas também nos campos da educação, cultura e ciência, a oportunidade de trazer o autor e sua obra para o centro do debate pareceu uma empreitada inadiável. Assim, nos dias 16, 17 e 18 de junho, René Maran se tornou, pela primeira vez, foco exclusivo de investigação em um colóquio internacional – CLEF Colóquio de Literaturas e Estudos Francófonos – com o tema “René Maran e a Guianidade”6, organizado também por nós que assinamos este editorial e a organização deste número.
A fim de impulsionar a visibilidade do autor no território nacional, mas também com o objetivo de trazer à tona uma fortuna crítica em língua portuguesa sobre o autor, tal colóquio somou-se a outras homenagens e encontros universitários sobre o autor e Batouala na França, África do Sul e Caribe (Martinica). O evento mobilizou especialistas de vários países e estudiosos que, assim como nós, conheciam pouco desse autor, mas aceitaram o desafio de se debruçar sobre algum aspecto de sua obra que dialogava com seus interesses de pesquisa. Na ocasião, tivemos a oportunidade de propor reflexões sobre Batouala e a extensa obra narrativa de Maran, sua escrita poética e ensaística, as traduções de alguns de seus livros, bem como de cotejá-lo com outras obras e autores, na perspectiva dos estudos comparados. Além do debate que se estabeleceu entre os estudiosos brasileiros, estudantes e a comunidade acadêmica, o colóquio foi importante para fazer conhecido e acessível ao público brasileiro o trabalho de alguns especialistas estrangeiros de Maran.
5 Ver Maran (1955b).
6 Ver Colóquio de Literaturas e Estudos Francófonos (2021). 
No âmbito desses acontecimentos é que este número surge. Igualmente dedicado ao autor, ele reúne a maior parte dos trabalhos apresentados no referido colóquio. Dentre nossos convidados internacionais, o leitor poderá encontrar um conjunto de artigos de sete autores, quais sejam: Charles Scheel, Ferroudja Allouache, Kathleen Gyssels, Laura Gauthier Blasi, Mylène Danglades, Roger Little, Tina Harpin, sendo dois desses artigos traduzidos para o português. No grupo dos pesquisadores nacionais, brasileiros ou não, a maioria oriunda da rede de universidades públicas das cinco regiões do país, encontra-se um conjunto de dez artigos cujas autorias são de Ana Cláudia Romano, Annick Belrose, Danielle Grace, Daniel Padilha Pacheco da Costa, Dennys Silva-Reis, Israel Victor de Melo, Josilene Pinheiro-Mariz, Jéssica Pozzi, Paola Karyne Ribeiro, Rosária Cristina Costa Ribeiro e Vanessa Massoni da Rocha.
          Este número que o leitor encontra na revista Lettres Françaises é, portanto, o resultado da união e do desejo de muitos estudiosos. Ao se lançarem nesta nova empreitada, os autores e as autoras abrem espaço para o interesse renovado na pesquisa literária em língua francesa e comparada. A relevância deste trabalho foi reconhecida por estudiosos já consagrados em suas pesquisas, que aceitaram se deslocar de seus interesses específicos para acolher um novo desafio. Reconhecemos, assim, como em todo trabalho que se pretende pioneiro, o caráter coletivo da rede de pesquisadores que se apresenta aqui. Agradecemos o apoio da coordenação desta revista, especialmente à professora Guacira Marcondes Machado, que acolheu nossa proposta e nos acompanhou no processo de organização do número. Além disso, aos comunicadores, comunicadoras e palestrantes do CLEF René Maran e a Guianidade que contribuíram com seus trabalhos.
(Crédito: https://periodicos.fclar.unesp.br/lettres/article/view – Lettres Française/ René Maran, Batouala e a literatura francófona no Brasil/

Danielle Grace (UFRN)

Dennys Silva-Reis (UFAC)
REFERÊNCIAS
COLÓQUIO DE LITERATURAS E ESTUDOS FRANCÓFONOS [CLEF], 2021. René Maran e a Guianidade. Disponível em : <https://www.youtube.com/watch?v=kfs HQNTFeKo>. Acesso em: 18 jun. 2021.
MARAN, R. Préface. In: MARAN, R. Batouala: véritable roman nègre. Paris: A. Michel, 1989. p. 5-11.
MARAN, R. Djumá, cão sem sorte. Tradução de Aristides Avila. São Paulo: Livraria Cultura Brasileira, 1955a.
MARAN, R. Os escritores franceses de cor. Anhembi, São Paulo, n.51, v. XVII, pág. 449 – 456, 1955b.
MARAN, R. Un homme pareil aux autres. Paris : Editons Arc-en-ciel, 1947.
MARAN, R. Batouala : véritable roman nègre. Paris : A. Michel, 1921.
FANON, F. Peles negras máscaras brancas. Tradução de Sebastião Nascimento e colaboração de Raquel Camargo. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
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