Odete Lara, atriz e musa inconteste do cinema brasileiro.

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Ela não era só uma mulher bonita: ‘enchia a tela’, como diz o jargão do cinema

Odete Lara, atriz e musa inconteste do cinema brasileiro. Aqueles olhos claros e grandes, incisivos e separados, sugeriam tempestades, no mínimo abismos insondáveis. No esplendor dos seus 50 anos, Odete decidiu que já estava bom e partiu para outra. Longa é a distância entre o tempo em que Odete Lara foi estrela absoluta do cinema brasileiro até seu retiro para meditação na serra fluminense. Uma mulher extraordinária, 16 dos 32 filmes de que participou, de 1956 a 1985. Entre eles, algumas obras-primas, como Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khouri, e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha.

Odete Lara ( 1929), paulistana da Bela Vista, o popular Bexiga, era mesmo uma deusa. Mas existem mulheres bonitas que não encontram grande expressão na tela grande. Somem, encolhem-se. Com Odete era o contrário. Mesmo em papeis pequenos, ela se expandia e tomava conta do filme. “Enche a tela”, como se diz no jargão do cinema. E foi essa fotogenia cênica, sua intensidade a 24 quadros por segundo que fez dela a musa de certa fase da nossa cinematografia.

Sua estreia se dá em O Gato de Madame (1956), ao lado de Mazzaropi. Em seguida, vêm Absolutamente Certo (1957) e Moral em Concordata (1958). E, em 1963, um papel marcante em Boca de Ouro, a versão cinematográfica da peça de Nelson Rodrigues, dirigida por Nelson Pereira dos Santos. Alguém consegue esquecê-la naquele vestido de bolinhas, dando o testemunho de sua relação com o bicheiro vivido por Jece Valadão? Odete era mesmo muito sexy. Mostrava-se à vontade no universo rodriguiano, que parecia sob medida para a sua intensidade.

Walter Hugo Khouri, com sua sensibilidade nunca desmentida para descobrir talentos femininos, escalou Odete para o elenco de Noite Vazia. Talvez seja o melhor trabalho de Khouri. E também existe quem ache o melhor desempenho de Odete Lara, sublime como a garota de programa Regina. Mesmo porque ela contracena com outra fera, Norma Bengell, também no auge da forma, ambas batendo um bolão. As duas, desafiando-se mutuamente, roubam todas as cenas de que participam. É um trabalho até exasperante de tão bom, ela como a garota mais experiente e desiludida. Norma, a mais ingênua e romântica. Poucas vezes a metrópole apareceu de maneira tão viva, devorando seus filhos. O ser humano, mínimo diante da hidra de cimento e asfalto, se refletia nos olhos de Odete, cheios da melancolia que vem do conhecimento das coisas do mundo.

Por falar em intensidade, nesse quesito Odete Lara encontrou o parceiro ideal em Glauber Rocha. Há uma sequência em Dragão da Maldade em que ela esfaqueia o coronel. Ela mesma conta que já estava exausta de tanto dar facadas no homem, mas Glauber ficava ao seu lado gritando “Mais, mais, mais!”.

Odete é igualmente admirável em Os Herdeiros, de Cacá Diegues, e A Rainha Diaba, de Antonio Carlos da Fontoura, com quem foi casada. Depois de Diaba e A Estrela Sobe, de Bruno Barreto, de 1974, Odete começou a afastar-se do cinema. Ainda voltou para fazer O Princípio do Prazer (1979), de Luiz Carlos Lacerda, e depois uma pequena participação em Um Filme 100% Brasileiro (1985), de José Sette. Mas já estava em outra. Descobriu o budismo, retirou-se, passou a meditar e a escrever livros – Eu Nua, Minha Jornada Interior e Meus Passos em Busca da Paz. Sua trajetória é exemplo de sabedoria; de cada fase extraiu o melhor; enterrou os excessos da juventude e, com eles, construiu a serenidade da velhice.

(Fonte: www.estadao.com.br – CULTURA/ Por Luiz Zanin Oricchio – O Estado de S.Paulo – 31 de maio de 2011)

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