Nelson Goodman, uma das mais influentes e originais figuras da filosofia contemporânea.

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Nelson Goodman (Somerville, Massachussets, 7 de agosto de 1906 – Needham, Norfolk, 25 de novembro de 1998), uma das mais influentes e originais figuras da filosofia contemporânea.

Linguagens da Arte é um dos mais influentes, originais e controversos livros de filosofia da arte dos últimos cinquenta anos, escrito por Goodman.

Nascido em 1906 no estado americano do Massachussets, Nelson Goodman ensinou nas universidades de Tufts (1945-1946), Pennsylvania (1946-1964), Brandeis (1964-1967) e Harvard (a partir de 1967). Foi uma pessoa com uma curiosidade intelectual e uma gama de interesses verdadeiramente invulgares, sentindo-se à vontade nos mais diversos domínios.

Durante doze anos foi co-proprietário e director da Walker-Goodman Art Gallery, em Boston, e um bem-sucedido negociante de arte. Ao longo da sua vida revelou-se um incansável coleccionador de arte antiga e contemporânea, de diferentes estilos e tradições. Vários museus de Massachussets e Wisconsin receberam importantes obras doadas por si.

Na Universidade de Harvard fundou o Project Zero, cuja finalidade era, e continua a ser, a compreensão e o desenvolvimento da aprendizagem e do pensamento criativo nas artes, nas humanidades e nas ciências, tanto a nível individual como institucional, envolvendo a participação de várias escolas, universidades e museus. Trata-se de um projecto em que o conhecimento das artes é seriamente encarado como uma importante atividade cognitiva.

Ainda em Harvard fundou e dirigiu o Harvard Dance Center e colaborou na criação de peças de dança com a coreógrafa Martha Gray, o compositor minimalista John Adams e a pintora Katharina Sturgis, sua mulher, além de participar em performances de outros artistas. Muitas destas actividades decorriam em paralelo com a preparação e publicação de inúmeros livros e artigos, que abarcam um leque bastante vasto de tópicos filosóficos.

Além de Linguagens da Arte, publicado em 1968, os seus livros mais importantes são The Structure of Appearance, de 1951, Fact, Fiction and Forecast, de 1954 (trad. port.: Facto, Ficção e Previsão, 1991), Problems and Projects, de 1972, Ways of Worldmaking, de 1978 (trad. port.: Modos de Fazer Mundos, 1995), Of Mind and Other Matters, de 1984 e Reconceptions in Philosophy and Other Arts and Sciences, de 1988, escrito em parceria com Catherine Z. Elgin.

Nos anos 50 do século XX foi durante dois anos vice-presidente da Association for Symbolic Logic e em 1967 desempenhou o cargo de presidente da American Philosophical Association, Eastern Division.

Empenhou-se activa e intensamente em várias causas, nomeadamente na protecção dos animais não humanos, tendo sido um membro destacado da World Society for the Protection of Animals.

Goodman não só conferiu à estética e filosofia da arte o rigor analítico patente em outras áreas filosóficas, como contribuiu visivelmente para disciplinas como a metafísica, a lógica, a epistemologia, a filosofia da ciência e a filosofia da linguagem. Muitas das ideias de Goodman nestas áreas deram início a importantes discussões que envolveram alguns dos mais destacados filósofos contemporâneos.

No primeiro livro que publicou, The Structure of Appearance, Goodman apresentou, de forma muito persuasiva, uma versão contemporânea de nominalismo, ao defender que nem as coisas, nem as qualidades, nem as semelhanças entre coisas têm qualquer fundamento ontológico exterior, sendo apenas o produto dos nossos hábitos linguísticos. Para o nominalista, não há universais (como a sabedoria, a brancura, a triangularidade, a beleza) nem entidades abstractas ou ideais (como géneros ou classes), opondo-se assim ao platonismo metafísico, o qual, segundo o nominalista, confere realidade independente a meras abstracções conceptuais. Para o nominalista extremo, só há indivíduos (como Lisboa, Porto, Cavaco Silva, José Sócrates, esta casa, aquela casa). Quando se pensa numa frase como “Sócrates é sábio”, aquilo que está a ser denotado é diferente para o nominalista e para o platonista. Apesar de tanto para um como para o outro o nome “Sócrates” denotar um objecto extralinguístico, a saber, a pessoa de Sócrates, para o nominalista o predicado “é sábio” não denota algo do domínio extralinguístico, enquanto para o platonista denota algo do domínio extralinguístico, a saber, a propriedade da Sabedoria. Assim, para um nominalista como Goodman, só há objectos, pelo que predicados como “é sábio” são apenas etiquetas linguísticas — essa é, aliás, a razão que leva Goodman a utilizar recorrentemente o termo “etiqueta” em Linguagens da Arte. Etiquetas essas que, de forma puramente convencional, se aplicam a vários objectos, conforme os nossos hábitos linguísticos e o modo de organização das coisas que melhor serve os nossos interesses. Nada há nos próprios objectos que nos leve a classificá-los de uma ou de outra maneira.

A defesa do nominalismo foi retomada por Goodman no seu livro Modos de Fazer Mundos, articulando-o com uma forma de construtivismo relativista. A tese central aí exposta é que não há um mundo que esteja à espera de ser descoberto por nós.

O construtivismo consiste na ideia de que há vários mundos e esses mundos, assim como os objectos que deles fazem parte, são construídos, e não descobertos. Goodman argumenta que se pensarmos nos membros de um qualquer grupo de objectos, verificamos que se assemelham em certos aspectos, mas que também são muito diferentes em outros. Segundo ele, isto mostra que a mera inspecção das suas características não permite estabelecer se duas coisas são do mesmo tipo ou se dois eventos são a manifestação da mesma coisa. Precisamos de algum esquema ou sistema categorial que nos permita distinguir as diferenças que contam das que não contam, de modo a classificar os objectos numa mesma categoria. Estes esquemas não estão disponíveis na natureza; são construídos por nós. Somos nós quem decide que objectos pertencem a que domínio, havendo várias maneiras de o fazer. A tarefa do artista, do cientista ou do homem comum consiste em organizar e classificar as coisas, construindo versões de mundos.

O relativismo, por sua vez, consiste na defesa de que diferentes maneiras de organizar e classificar objectos, ainda que divergentes, são igualmente viáveis, na medida em que apresentam mundos diferentes. Sendo assim, nenhuma versão de mundo é mais ou menos verdadeira, pois não há qualquer critério exterior que permita estabelecer tal coisa. Pode-se apenas dizer que as versões são correctas ou incorrectas, em função dos seus próprios objectivos. A gama de crenças pré-teóricas que possuímos pode ser adequadamente explicada por sistemas divergentes, pois cada versão tem em vista diferentes objectivos. É por isso que não esperamos de um guarda prisional a quem foi dada ordem de disparar sobre todos os prisioneiros que se mexessem que dispare sobre todos eles, alegando que se movem em torno do Sol. O heliocentrismo e o movimento da Terra não se ajustam aos objectivos de uma versão de mundo em que os guardas prisionais recebem ordens para atirar sobre todos os prisioneiros que se mexam.

Apesar de não haver qualquer critério exterior de verdade, Goodman não aceita, contudo, o tipo de relativismo segundo o qual vale tudo e tudo se equivale, pois defende que há um critério geral de aceitabilidade para as diferentes versões de mundos. Esse critério é a correcção, sendo a verdade apenas um caso particular do critério de correcção. A noção de correcção tanto se aplica a teorias científicas como a pinturas, esculturas (abstractas ou figurativas), às peças musicais e aos juízos morais, assim como a qualquer tipo de símbolo. Neste aspecto, a arte, a ciência e o senso comum encontram-se exactamente no mesmo plano.

Além disso, uma vez adoptada uma dada versão de mundo, o que é ou não é permitido obedece a critérios precisos, pelo que não há lugar para a arbitrariedade. Neste sentido, nada pode estar mais em desacordo com a perspectiva de Goodman do que o relativismo desconstrucionista pós-moderno. Quando certa vez lhe perguntaram se havia alguma afinidade entre o seu pensamento e o de Derrida, Goodman respondeu prontamente que não; que o objectivo de Derrida era desconstruir, ao passo que o seu era construir mundos. De resto não é fácil catalogar um pensamento tão original como o de Goodman. Ele mesmo escreve no preâmbulo da Modos de Fazer Mundos que se trata de um livro que “está igualmente em desavença com o empirismo e com o racionalismo, com o materialismo, com o idealismo, com o essencialismo e o existencialismo, com o mecanicismo e o vitalismo, com o misticismo e o cientismo e com a maioria das outras doutrinas apaixonantes”, caracterizando a sua perspectiva como “relativismo radical sob restrições rigorosas”.

Outro aspecto em que Goodman marcou a discussão filosófica contemporânea diz respeito ao problema da justificação da indução. Ao velho enigma da indução, discutido por David Hume, Goodman acrescentou o famoso “Novo Enigma da Indução” — título de uma das secções de Facto, Ficção e Previsão. Este novo enigma da indução é também conhecido como “paradoxo de Goodman”.

Como é sabido, Hume levantou sérias dúvidas acerca da indução, procurando mostrar que não temos uma boa justificação racional para concluir, por exemplo, que o Sol irá nascer amanhã com base na observação de que, até hoje, nasceu todos os dias. Segundo Hume, a conclusão de que o Sol irá nascer amanhã só pode ser obtida se partirmos do princípio que a natureza é uniforme. Mas, alega Hume, temos de recorrer à indução para concluir que a natureza é uniforme. Sendo assim, acabamos por justificar a indução indutivamente, o que resulta num raciocínio circular.

Mas Goodman vai mais longe, mostrando que não é apenas o tipo de justificação que está em causa, mas também os predicados que se prestam mais a generalizações nuns casos do que noutros. Por exemplo, do ponto de vista estritamente lógico, a mesma colecção de observações tanto permite concluir que todas as esmeraldas são verdes como que todas são verduis.

“É verdul” é um predicado introduzido por Goodman e que ele define do seguinte modo: um objecto é verdul se, e só se, for observado antes de um determinado momento e for verde, ou for observado depois desse momento e for azul. Imaginemos que o momento em causa é o ano de 2500. Sendo assim, do ponto de vista estritamente lógico, a descoberta de que todas as esmeraldas observadas até hoje são verdes tanto permite concluir que todas as esmeraldas são verdes como permite concluir que todas as esmeraldas são verduis.

A questão é, então, a de compreender por que razão favorecemos certas induções em vez de outras igualmente possíveis, se não existe qualquer diferença entre elas, a não ser que os predicados envolvidos são diferentes. Este é um enigma de que Hume não se tinha dado conta. Goodman pensa, como Hume, que a indução não nos garante seja o que for e que não há maneira de saber se as esmeraldas que viermos a observar no futuro serão verdes ou verduis. Mas avança outro tipo de razões diferentes das de Hume.

Neste caso, o mais importante para Goodman é saber como proceder na ausência de tal conhecimento. A sua resposta é que devemos favorecer os predicados que até aqui nos têm permitido fazer um uso mais eficiente dos nossos recursos cognitivos e dos nossos hábitos linguísticos e de pensamento.

Morreu em dezembro de 1998, com 92 anos de idade.

(Fonte: http://criticanarede.com/fa_17intro – Aires Almeida – 17 de Junho de 2006 – Estética – Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, Portimão)
Retirado de Linguagens da Arte, de Nelson Goodman (Lisboa: Gradiva, 2006)

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