Lee Miller, modelo, fotógrafa e correspondente na Segunda Guerra Mundial.

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Lee Miller, do glamour a guerra

Lee Miller (1907-1977), pseudônimo de Elizabeth Miller, modelo nos anos 20, fotógrafa e correspondente na Segunda Guerra Mundial. Uma combinação de beleza e personalidade que despertou paixões e fez dela a musa do surrealismo.

Este poderia ter sido apenas mais um caso típico de moça bonita que deu a sorte de estar no lugar certo na hora certa, tornando-se modelo de sucesso. Mas nada na vida e na personalidade de Elizabeth Miller foi típico. Quando a viu pela primeira vez, em 1926, caminhando numa rua de Manhattan, o magnata das comunicações, Condé Nast, sentiu estar diante da nova imagem de mulher independente e ousada que procurava para sua revista VOGUE. Mal podia imaginar que não se tratava de mera imagem. A loira de grandes olhos azuis, perfil aristocrático e beleza quase etérea estava destinada a ser musa dos maiores artistas de vanguarda do século XX, eleita uma das mais brilhantes fotógrafas do mundo e a única mulher a registrar os horrores da Segunda Guerra Mundial nos campos de batalha da Europa. Lee orgulhava-se de sempre ter feito o que quis. Nos últimos 20 anos de vida, dedicou-se obsessivamente a culinária, recusando-se a falar do passado de aventuras e conquistas.

Até aos 18 anos, era uma garota do interior (nascida em 1907 em Poughkeepsie, estado de Nova York), com um trauma de infância. Violentada aos 7 por um amigo da família, aprendeu durante o tratamento psquiátrico a dissociar sexo de amor. Talvez por isso concordasse, aparentemente sem relutância, em posar nua para o pai, engenheiro e fotógrafo amador, com o qual tinha uma relação apaixonada e de quem herdou o gosto pelas artes e o temperamento nada convencional. Na primeira viagem a Paris, em 1925, tornou-se amante do dono da vanguardista École Medgyes (onde deveria apenas ter aulas de dança e coreografia) e se hospedou num hotel que era também bordel. De volta aos Estados Unidos, um ano depois, decidiu dedicar-se a dança, na companhia George White’s Scandals. A falta de dinheiro levou-a a empregar-se como modelo de lingerie da Stewart&Company, na 5ª Avenida. Foi aí que cruzou o caminho de Condé Nast, dono de um império editorial. Quando a edição de março de 1927 da VOGUE chegou as bancas com a deconhecida Lee Miller na capa, o sucesso foi imediato. Tornou-se a modelo favorita dos principais fotógrafos de então, como Edward Steichen e Arnold Genthe, e, incentivada por eles, retomou as câmeras e as lições aprendidas com o pai. Causou escândalo ao posar para uma empresa de produtos de higiene íntima e provocou protestos dos admiradores ao largar tudo para levar a sério seu talento como fotógrafa e embarcar para Paris em 1929, atraída por um homem antes mesmo de conhecê-lo.

Amante de Man Ray
Considerado o fotógrafo que melhor expressava o então nascente surrealismo com suas imagens anticonvencionais e as vezes delirantes e chocantes, Man Ray custou a acreditar quando a petulante compatriota apareceu em seu estúdio em Montparnasse declarando-se sua aluna. “Não aceito alunos e vou passar o verão fora de Paris”, avisou. “Vou junto”, disse ela. Nos três anos seguintes, não se separaram. Lee tornou-se sua pupila, assistente e, apesar de 17 anos mais jovem, sua amante e modelo retratada em poses eróticas. Um dos mais famosos testemunhos desse relacionamento é a fotoautorretrato em que Ray está ao lado de uma arma e com uma corda no pescoço, tirada logo que ela o deixou.

Mas durante os anos felizes trabalharam muito (desenvolveram juntos, a técnica de solarização de fotos) e conviveram com os maiores artistas da época, que fizeram de Lee a musa do surrealismo. Apadrinhada também por George Hoyningen-Huene, chefe do estúdio da VOGUE francesa, ela se sentiu bastante confiante para abrir o próprio estúdio, em 1930, e conquistar, como fotógrafa e modelo, clientes como os monstros sagrados da moda Elza Schiaparelli, Jean Cocteau e foi convidada a estrelar o primeiro filme que ele dirigiu, O SANGUE DE UM POETA.

Ela voltou para Nova York em 1932 para abrir um estúdio com o irmão caçula, Erik. Até 1934, dedicou-se a fazer retratos intimistas de gente famosa e campanhas para marcas como Sak’s Fifth Avenue, Macy’s, Helena Rubinstein e Elizabeth Arden. Eleita naquele ano pela revista VANITY FAIR um dos sete fotógrafos mais brilhantes do mundo, surpreendeu a todos ao largar tudo novamente. Agora, por amor.

No deserto e no Dia D
o empresário Aziz Eloui Bey fora aos Estados Unidos comprar equipamentos para ferrovias egípcias. Ao voltar ao Cairo, levava também uma esposa 16 anos mais jovem, sinceramente decidida a sossegar, ser fiel e só tirar fotos por hobby. Durante cinco anos, Lee conseguiu. Em parte porque se apaixonou pela paisagem surrealista do deserto. São dessa época alguns de seus melhores trabalhos, entre os quais PORTRAIT OF SPACE, uma visão das areias do Saara através do tecido esgarçado de uma tenda, que teria inspirado René Magritte a pintar a famosa tela LE BAISER. Mas um dia sentiu falta de inspiração e de estímulo intelectual. Vendo que ela se consumia de tédio, o marido concordou que embarcasse sozinha para Paris. Lá, ela conheceria o grande amor de sua vida.

Quando ela o viu pela primeira vez, numa festa em 1937, o pintor e poeta inglês Roland Penrose tinha os cabelos tingidos de verde, a mão direita pintada de azul e usava calças com as cores do arco-íris. Sua fama de bissexual não fez a menor diferença para Lee. Juntos, passaram o verão na Provença, hospedados com um grupo de amigos artistas na casa de Picasso e sua mulher, Dora Maar, em Mougins. Lee tirou fotos memoráveis do grupo. Picasso pintou o primeiro dos seis retratos que faria dela. Se Aziz ficou sabendo do romance de férias, não demonstrou. Mas em 1939 ela o deixou para sempre.

Lee e Roland chegaram a Londres no dia em que Inglaterra e França declararam guerra a Alemanha. O casal resistiu aos apelos dos amigos para fugir da Europa. Ele, por ser inglês. Ela, por estar determinada a se alistar nas forças auxiliares. Como era estrangeira, seu pedido foi negado. Fez, então, o inimaginável: convenceu a editora Audrey Whiters a contratá-la como correspondente de guerra da VOGUE, mudando assim a imagem de futilidade da revista de moda. Seguiu para o front em 1944, a tempo de ser a única mulher a registrar a invasão da Normandia no Dia D. “Eu fotografava e virava o rosto para outro lado. Não queria encarar os feridos, com medo que minhas feições me traíssem e revelassem aqueles homens o horror que estava sentindo”, dizia no texto.

De coturno e uniforme, lavando-se com água da chuva recolhida no capacete, a indomável americana acompanhou as tropas que libertaram Paris, testemunhou o napalm ser usado pela primeira vez na batalha de St. Malo, fotografou a sangrenta luta pela reconquista da Alsácia, o encontro entre russos e americanos em Torgau e o horror dos campos de concentração de Buchenwald e Dachau. Ferrenha antinazista, dedicou grande parte dos últimos meses da guerra a fotografar soldados alemães mortos. Uma dessas imagens – o corpo de um guarda de Dachau boiando afogado – tornou-se um ícone. Em outra de suas fotos inesquecíveis, Lee está diante, não atrás da câmera. Tirada por seu amigo e amante David E. Scherman, correspondente da revista LIFE, mostra-a na banheira da casa que pertencia a Hitler e Eva Braun, em Munique. Data: 30 de abril de 1945. Horas antes, o odiado casal de proprietários suicidaram-se em Berlim.

Entre panelas e álcool
Todo o trabalho de guerra de Lee Miller foi reunido em julho daquele ano em um número histórico da VOGUE inglesa, a EDIÇÃO DA VITÓRIA. Estão lá as entrevistas que Lee fez com Jean Cocteau e com a novelista Collette e as fotos do primeiro show de Fred Astaire para as tropas americanas depois da libertação de Paris.

A fotógrafa estava pronta para voltar para Londres e para Roland Penrose. Casaram-se em 3 de maio de 1947, tiveram o filho Antony em setembro e compraram uma propriedade em Sussex – a Farley Farm House -, que se tornaria uma espécie de meca para artistas como Picasso, Man Ray, Henry Moore, Eileen Agar, Jean Dubuffet, Dorothea Tanning, Max Ernst.

A idade e as experiências da guerra cobraram, porém, um preço alto. É provável que o longo caso do marido com a jovem trapezista Diane Deriaz tenha contribuído. Lee perdera o frescor de modelo e faltavam-lhe batalhas para lutar que pudessem ser vencidas. Em 1957, trocou câmeras e lentes por panelas e receitas de culinária. Já não era movida a adrenalina, mas a álcool. Já não era ousada, mas maníaco-depressiva. Trancou o passado em baús no sótão e chegava a ficar agressiva quando tocavam no assunto. Virou avó de uma menina, deixou a própria imagem esmaecer até sumir, consumida por um câncer. Em 1977, morria a mulher que se dizia orgulhosa de jamais ter desperdiçado um segundo ou se deixado dominar. Durante seus primeiros 50 anos de vida, foi a pura verdade.
(Fonte: Claudia.com.br – ABRIL 2009 – N.° 4 – ANO 48 – Pág; 182/185)

Lee Miller (1907-1977)
A carreira iniciada na área de publicidade ganhou novos rumos a partir de 1929, quando a fotógrafa norte-americana se mudou para Paris. Considerada uma das mais belas mulheres de sua época, ela foi modelo, manequim, musa dos surrealistas, além de assistente e amante de Man Ray.

Foi ele que lhe ensinou o processo de solarização e a encorajou a assumir seu talento para a fotografia de uma vez por todas.

Excelente retratista, Lee Miller se notabilizou com imagens de personalidades de seu tempo, entre eles Marlene Dietrich e o amigo Pablo Picasso, que fotografou mais de mil vezes. Ainda nos anos 1930, ela abriu seu próprio estúdio em Nova York, casou-se com um rico empresário egípcio, mudou-se para o Cairo e fez ensaios sobre o deserto e as ruínas do Egito.

Em 1939, ao mesmo tempo em que eclodia a Segunda Guerra Mundial, Lee Miller foi viver no Reino Unido com seu segundo marido, o pintor inglês Roland Penrose.

Credenciada pelo Exército norte-americano para cobrir o confronto bélico na Europa, a fotógrafa fez impactantes ensaios sobre a guerra e esteve entre os primeiros repórteres a entrar nos campos de concentração de Buchenwald e Dachau.
Suas imagens sobre o horror foram publicadas na revistas Vogue americana. Embora tenha sido um exemplo de mulher moderna e emancipada, Lee Miller deixou a profissão aos 40 anos para se dedicar à família.

(Fonte: www.grandesfotografos.folha.com.br)

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