Junto com o presidente soviético assinou o primeiro tratado de redução de armas atômicas do planeta

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Juntamente com presidente soviético assinou o primeiro tratado de redução de armas atômicas do planeta

Richard Nixon (Yorba Linda, 9 de janeiro de 1913 – Nova York, 22 de abril de 1994), o presidente do escândalo, da renúncia e da paciente reabilitação, foi o 37° presidente dos Estados Unidos (1969-1974) e foi o único presidente a renunciar na história dos Estados Unidos.

O nome do ex-presidente americano Richard Milhous Nixon, morto aos 81 anos no dia 22 de abril, em Nova York, passa à História eternamente amarrado à expressão Watergate, o escândalo que sacudiu os Estados Unidos e o varreu do poder em 1974. Por causa dele, a palavra impeachment entrou para o vocabulário político moderno, a imprensa alçou um novo patamar na investigação dos governantes e os eleitores acostumaram-se à ideia de que um presidente pode, sim, ser despachado de volta para casa no meio do mandato – fenômenos que se repetiriam no Brasil da era Collor. Escorraçado, com toda a justiça, pelas trapaças políticas que promoveu, desequilibrado nos dias finais na Casa Branca aponto de convidar o ex-secretário de Estado Henry Kissinger a se ajoelhar a seu lado para rezar, repudiado pela nação em peso, Nixon desceu mais abaixo do que qualquer outro governante americano. Pacientemente, com o passar dos anos, teceu sua reabilitação a ponto de, no fim da vida, usufruir uma situação única entre os ex-presidentes americanos: era ouvido com o respeito e a atenção devidos aos estadistas que deixaram marca pessoal nas relações internacionais.

Sua morte, em decorrência do derrame que o atingiu no dia 18 de abril, foi apressada pela decisão tomada por Nixon há vários anos proibindo que sua vida fosse prolongada por meio de aparelhos. Assim, os médicos só puderam acompanhar o coma do ex-presidente. A aceitação corajosa da morte foi a pedra de toque da contraditória carreira política do republicano Richard Nixon. Parlamentar nos anos 50, foi duas vezes vice-presidente de Wwight Eisenhower, em 1952 e 1956. Quase encerrou sua carreira com duas pesadas derrotas – contra John Kennedy, pela Presidência em 1960, numa campanha que inaugurou a era dos debates políticos pela televisão, e pelo governo da Califórnia, dois anos depois. Livrou-se da fama de perdedor elegendo-se o 37° presidente americano, em 1968, reeleito em 1972. Entrou para A História como o único presidente americano a renunciar ao cargo.

Watergate também marcou o páis e transformou sua alma. A divulgação das gravações de suas conversas na Casa Branca, recheadas de palavrões, retirou para sempre a aura de integridade que, nos Estados Unidos, cercava a Presidência. Consolidou a era do cinismo, na qual políticos apanhados em qualquer tipo de delito afirmam com a maior cara-de-pau que não têm nada a ver com isso. Durante o escândalo, e depois dele, Nixon sempre negou de pés juntos qualquer envolvimento nas tentativas de acobertamento do caso.

O “longo pesadelo nacional”, na definição de Gerald Ford, o homem que sucedeu e anistiou Nixon de “qualquer erro que ele possa ter cometido” enquanto presidente, durou exatos 25 meses e vinte dias. Foi uma revolução nacional. Quando começou, na noite de 17 junho de 1972, parecia só “um arrombamento de quinta categoria”, na frase célebre do secretário de imprensa da Casa Branca. A invasão do escritório do Partido Democrata do edifício Watergate, em Washington, era mito mais. Os cinco invasores tinham sido contratados por gente do comitê de reeleição de Nixon. Ao terminar, no dia 9 de agosto de 1974, com a renúncia do presidente, o escândalo havia transfixado o país e manchado suas instituições.

PAULADA FINAL – A invasão e a prisão dos arrombadores foram tratadas inicialmente como um caso policial, de escassa interferência política – tanto assim que Nixon se reelegeu em 1972, aplicando uma surra (61% dos votos) em George McGovem, o democrata ultraliberal. Só mais tarde soube-se que o objetivo era instalar aparelhos de escuta eletrônica nas salas. Em jlho, quando a televisão começou a transmitir ao vivo as investigações do Senado, Watergate ganhou dimensão nacional. No dia 16, uma bomba: um ex-assessor de Nixon revela que o presidente vinha gravando todas as conversações na Sala Oval da Casa Branca desde 1971. Ou seja, as eventuais provas de malfeitorias estavam preservadas. Daí em diante estabeleceu-se uma ácida e prolongada batalha entre Nixon e os investigadores do escândalo pela posse das fitas – no total, cerca de 4 000 horas de gravação, atualmente guardadas num depósito do Arquivo Nacional, em Virgínia.

Usando e abusando de manobras protelatórias, Nixon cedeu poucas fitas, mas cada concessão abria maiores rombos na defesa do presidente, sempre aferrado à tese de que ele não tivera conhecimento prévio da invasão e de que não tentara em nenhum momento obstruir as investigações. A paulada definitiva veio em agosto de 1974. Forçado pela Corte Suprema a entregar mais fitas a um promotor especial, o presidente mandou divulgar no dia 5 as transcrições de três gravações feitas seis dias depois da invasão de Watergate. Lá estava. Nixon sabia do arrombamento e, pior, tinha tentado obstruir as investigações do escândalo “por razões políticas”, segundo alegou. Quatro dias depois, renunciou.

GOLPES SUJOS – Watergate foi também, paradoxalmente, o instrumento de redenção de Nixon. A mística de Watergate o transformou num ex-presidente em situação singular. Nenhum de seus sucessores foi forçado à suprema humilhação de declarar em público, como ele fez, que não era “um escroque”. O sucessor Gerald Ford, aos 80 anos, colhe hoje os frutos de uma bem-sucedida carreira empresarial: o democrata Jimmy Carter, 69, distrai-se em trabalhos de carpintaria, além de se envolver em movimentos pró-direitos humanos: Ronald Reagan, com 83 anos, segue desfilando seu sorriso e seu popete como um ator de Hollywood: e George Bush, 69, de volta ao Texas.

Nixon – apenas Nixon – tratou de preparar para si mesmo uma programação que restaurasse, tanto quanto possível, sua estatura pública. Para quem foi forçado a abandonar o governo às vésperas de um impeachment, acusado de aplicar golpes sujos nos adversários, de manipular serviços públicos para perseguir inimigos, o que teria de enfrentar dali em diante não era pouco. “Não havia precedentes para o que enfrentei”, disse o presidente em seu livro autobiográfico Na Arena, um dos nove que escreveu. “Ninguém havia ido tão alto e caído tão baixo.”

“COMO VIOLINOS” – Para sair do buraco, o ex-presidente planejou meticulosamente sua volta. Precisou esperar até meados dos anos 80 para começar a saborear os frutos da reabilitação. Toda a estratégia foi concentrada no principal cabedal que lhe sobrou – sua visão e seu conhecimento da política externa. Sob seu comando, e num único ano (1972), os Estados Unidos deram uma virada de grande alcance e impacto na política exterior. Em fevereiro, Nixon visitou Pequim e celebrou a aproximação dos Estados Unidos com a China de Mao Tsé-tung. Três meses depois, em Moscou, o presidente americano e seu colega soviético Leonid Brejnev assinaram o primeiro tratado de redução de armas atômicas do planeta, o Salt I. Em janeiro de 1973, os Estados Unidos firmam em Paris um acordo de cessar-fogo com o governo comunista do Vietnã do Norte – foi o fim do atoleiro no Vietnã, a guerra mais importante da História americana.

Não admira que em 1992, o maior momento de Nixon estivesse ligado à política externa. Ele retomou a Washington em grande estilo para um discurso no qual pediu dinheiro grosso para salvar a tíbia e nascente democracia na Rússia. Falou sem o auxílio de anotações, foi ouvido com atenção e acabou saudado pelo presidente Bush como “um dos maiores estadistas do século”. Para chegar lá, Nixon não hesitou em esquecer seu divórcio com a imprensa, com a qual sempre mantivera um relacionamento turbulento – afinal, foi o impiedoso cerco dos meios de comunicação, simbolizado pelas reportagens sobre o escândalo de BobWoodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, que afundou o barco presidencial.

MULHER DE CÉSAR – Na década de 80, quando os republicanos recapturaram a Casa Branca pelas mãos de Reagan, Nixon dispensava incontáveis rapapés e jantares aos figurões da imprensa americana, primeiro em seu apartamento na Rua 66 em Nova York, depois numa mansão imponente em Saddle River, Nova Jersey. “Éramos tocados como violinos”, conta um participante, dando conta do controle absoluto exercido pelo ex-presidente nos encontros. A música funcionou: em 1986, posou para fotografias ao lado de Katharine Graham, a dona do Washington Post, e foi capa da revista Newsweek, que anunciou a “reabilitação de Richard Nixon”.

Foram anos produtivos. Enquanto a saúde de sua mulher defininhava (Pat Nixon, com quem teve duas filhas, morreu de câncer em 1993), Nixon não parecia um homem à beira dos 80. Com a voz mais rascante do que nos tempos da Presidência, ele contou numa entrevista em 1992 que o que mais doera, em relação à idade, tinha sido uma ordem médica de abdicar do vinho, depois de sofrer um distúrbio cardíaco em 1990. Pressionado, doou sua adega a parentes e amigos. Em casa, ele se levantava quando ainda estava escuro, vestia terno e gravata e andava 3,5 quilômetros nas redondezas. No resto do dia costumava permanecer na biblioteca, lendo e escrevendo.

Era uma vida confortável e sem luxos nabalescos. Importunado com boatos que jogavam suspeitas sobre a origem de seu patrimônio (outra sequela de Watergate), Nixon tratou de precaver-se, orientando-se de acordo com o padrão de comportamento da mulher de César – que, além de honesta, devia parecer honesta. Assim, durante anos o ex-presidente recusou qualquer cachê oferecido por seus discursos, uma das boas fontes de renda de colegas como Reagan e Bush. Rejeitou empregos em grandes corporações, ao contrário de Ford, e até abriu mão em 1985 de parte significativa da proteção do serviço secreto a que tinha direito.

Adversários do ex-presidente, contudo, nunca se deixaram convencer com tais gestos e insinuam que Nixon dificilmente conseguiria viver apenas com sua aposentadoria, direitos autorais e investimentos imobiliários, sobretudo considerando os gastos constantes e pesados em diversas batalhas judiciais destinadas a manter longe do público as gravações secretas feitas no Salão Oval entre 1971 e 1974. Em vida, pelo menos, o ex-presidente venceu essa disputa. Até abril de 1994, apenas cerca de 2% das gravações tinham sido divulgadas. Em contrapartida, o empenho que dedicou em impedir sua divulgação sugere que elas contêm dinamite suficiente para destroçar a imagem do ex-presidente. Por isso, caberá às fitas, talvez, a sentença final sobre o legado de Nixon.

(Fonte: Veja, 27 de abril, 1994 – ANO 27 – N° 17 – Edição n° 1337 – MEMÓRIA – Pág; 84/85/86)

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