Judith Butler, uma das mais importantes filosofas dos EUA, referência no estudo da teoria de gênero

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Uma das mais importantes filosofas dos Estados Unidos, referência no estudo da teoria de gênero, mas também com uma obra de destaque em outros campos, como a violência do Estado

 

Judith Butler (Cleveland, Ohio, 24 de fevereiro de 1956), professora, filósofa e autora norte-americana, uma das maiores referências na teoria queer. É uma referência da teoria queer, ela não criou os estudos de gênero, é apenas uma expoente desse campo, “aplicação da teoria de gênero nas escolas”.

A “ideologia de gênero” apregoada no discurso de Butler, principal expoente da teoria queer –campo para o qual o gênero, a orientação e a identidade sexual são resultados de uma construção social, e, portanto, não biológicos.

Grupos conservadores têm apontado Judith Butler como “idealizadora” e “mãe” da ideologia de gênero, que, na verdade, conta com diversos outros teóricos e é estudada pelas principais universidades do mundo.

Doutora em Filosofia pela Universidade de Yale, professora na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde leciona no Departamento de Literatura Comparada e no Programa de Teoria Crítica, ela é autora de 15 livros, dos quais (como o clássico “Problemas de Gênero — Feminismo e Subversão da Identidade”, de 1990, e “Caminhos Divergentes: Judaicidade e Crítica do Sionismo”, de 2012, que ela lança aqui nesta visita).

Judith é, de fato, um nome importante nos estudos de gênero: introduziu o conceito de “performatividade”, que aponta o gênero como uma construção performativa, ajudando a pensar a identidade para além das diferenças biológicas.

A filósofa é conhecida por ter desconstruído a obrigatoriedade entre sexo, gênero e desejo. Mas os estudos sobre o queer não são o único campo explorado pela autora. Inclusive, não será sobre esse assunto que ela falará no Brasil. A palestra de hoje é sobre o seu livro “Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo”, obra em que critica as posições do país no conflito Israel-Palestina, e, ao mesmo tempo, reafirma a sua própria cultura judaica. O curioso é que, nos Estados Unidos, são suas posições sobre Israel (seu livro contesta “a subjugação colonial exercida sobre o povo palestino”) que provocam controvérsia.

A autora é alvo de polêmica em seu país (Estados Unidos) muito mais por suas posições sobre o governo israelense — contra o qual promove boicotes — do que por suas teorias sobre gêneros.

Judith, porém, aborda sobre outros assuntos, como o conflito israel-palestino e os impasses da democracia ocidental. Plataforma que visa oferecer, segundo suas próprias palavras, “uma visão cristã do ser humano e da ordem social”.

Em livro de 1997, filósofa analisa o método político de grupos extremistas, cuja atuação só fez crescer desde então

 

Quando, em 1997, a filósofa Judith Butler publicou Excitable Speech: A Politics of the Performative, ainda estava desdobrando algumas ideias centrais discutidas em Gender Trouble (1990), traduzido por Problemas de gênero apenas em 2003. Desde então, a produção intelectual da autora se deu em função de debates surgidos a partir de propostas apresentadas no seu primeiro livro. Foi assim com Bodies that’s Matter (1993), com The Psychic Life of Power: Theories in Subjection (1997) – “A vida psíquica do poder: teorias da sujeição” –, e com Excitable Speech, ainda sem edição brasileira. Suas ideias nesse livro são de grande ajuda para a compreensão do que consiste os discursos de ódio usados contra ela neste momento no Brasil.

 

No livro, Butler reúne a todos esses problemas de gênero uma certa tomada de posição no campo político norte-americano. Na análise que faz sobre como os discursos de ódio se tornam injúrias capazes de alterar o estatuto social do sujeito, Butler está pensando também no método político de grupos extremistas, cuja atuação só fez crescer desde então. Passados 20 anos da edição de Excitable Speecho discurso de ódio que ela havia analisado na sociedade norte-americana chegou ao Brasil, principalmente no campo moral. Para ela, trata-se de perceber que o ódio faz coisas com palavras, configura sujeitos como abjetos, e coloca em questão aquilo que se está enfrentando diante dos discursos de ódio que pretendem impedir a realização de um colóquio acadêmico: qual é a força da violência verbal, da injúria, das palavras que agridem, das representações que ofendem, e como compreender suas linhas de fuga?

 

O tema do performativo acompanha a obra de Butler e reaparece em livro recente, Notes toward a performative theory of assembly (original de 2015, previsão de edição brasileira em 2018), em que Butler propõe pensar como performativas diferentes formas de ação política contemporâneas. Aqui, suas proposições sobre a precariedade dos corpos se encontram com os atos de fala políticos e performativos para pensar as formas de fazer política na contemporaneidade. A filósofa está tomando as manifestações de rua, as ocupações das praças e as mobilizações populares como signos dos acontecimentos políticos globais mais recentes para fazer duas perguntas que cabem ao contexto político brasileiro: “Quem é o povo, afinal?” e “a que operações de poder discursivo se circunscreve ‘o povo’ em determinadas circunstâncias e com que propósitos?” São questões que inspiram o colóquio Os fins da democracia, organizado pela Universidade de Berkeley e pela USP, cujo subtítulo é “Estratégias Populistas, Ceticismo sobre a Democracia e a Busca por Soberania Popular.”

Trata-se de repensar a política como espaço de reconstrução do conceito de comum, e não como sustentação de diferenças identitárias conciliáveis pela via da tolerância, tema em debate desde Gender Trouble, quando a filósofa estava se valendo da noção de performatividade da linguagem para pensar a “subversão da identidade”, expressão que está no subtítulo do livro. Desde então era a performatividade que Butler estava se valendo para argumentar que nossos corpos fazem, produzem, operam aquilo que somos, ainda que tal performatividade não seja organizada a partir de uma dimensão de pura decisão individual. Butler postula o conceito de performatividade para descrever o modo através do qual certo tipo de comportamento é repetido reiteradamente até cristalizar e virar substância, isto é, até ter a aparência falsa de que esteve o tempo todo lá.

Na sua visão, não há sujeito antes de ação de citação de certos comportamentos, considerados normas e leis, mas o sujeito vai se formando na medida em que se põe em relação com as normas sociais, se tornando sujeitos masculinos ou sujeitos femininos. O controle social, feito desde cedo na família, na escola, no consultório médico, enquadra o sujeito de tal forma que a ele ou ela não parece haver escapatória senão aderir a certos marcadores de comportamento, como vestimenta, entonação de voz, gostos, atração sexual pela pessoa do sexo oposto, para produzir para si uma identidade coerente, reconhecida socialmente, que esteja de acordo com o que se espera do comportamento de gênero adequado a sua classe, estatuto social, cultura nacional, raça, e outros. A subversão paródica da performatividade de gênero desperta a consciência para a sua artificialidade original.

Apesar da heteronormatividade buscar enquadrar sexo, gênero, e desejo dentro de um só modelo, o corpo queer, aquele que não cabe no espaço público, denuncia que essa norma é criada por interesses de controle e poder alheios às múltiplas formas de expressar desejo, sexualidade e gênero. Esses mecanismos desestabilizam o pressuposto de identidade coerente e fixa forjada pela norma. Butler entende, como Foucault, que a lei e a norma são pilares incontornáveis de qualquer processo de construção de identidade, mas dá um passo além quando afirma que, se toda norma depende de sua repetição, então a possibilidade de subversão já está inscrita na própria norma.

Nesse sentido, trataria menos de uma disputa no campo do “gênero”, mas muito mais uma disputa no campo das produções dos corpos e dos discursos sobre eles: corpos medicalizados, corpos precarizados, corpos violados, corpos expulsos dos espaços públicos por meio de uma violência que aparece na sua produção/exclusão. Desta perspectiva analítica, os estudo de gênero reencontram – não pela via materialista clássica, mas sem abrir mão do materialismo –, sua articulação decisiva entre sexo-raça-classe na produção do corpo político.

Corpo e linguagem nos permitem fazer coisas com palavras, daí a importância de Excitable Speech para pensar o momento atual brasileiro, pautado por discursos de ódio que se inserem numa rodada de violência neocolonial, na produção de precariedade e nas massas de excluídos, de “crises” que justificam ações sobre os corpos, enfim, de toda a rede de sustentação da vida, incluindo a memória, conhecimento e a cultura. São formas de violência que chegaram às escolas e universidades e já ameaçam a liberdade de professores. Essa mordaça é parte da precarização da vida, como Butler já demonstrou, o que só reforça o valor do seu pensamento no momento político brasileiro.

 

(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/livros – CULTURA / LIVROS / Por O GLOBO – 06/11/2017)

(Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/07/opinion – TRIBUNA – OPINIÃO / Por C. RODRIGUES, S. CASTRO, M. PISANI, F. OLIVEIRA, P. CARVALHO, V. WILKE, I. JOHANSON – 8 NOV 2017)

(Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/07 – NOTÍCIAS – COTODIANO/ Por Janaina Garcia Do UOL, em São Paulo – 07/11/2017)

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