Juarez Távora, marechal, chefe do gabinete militar do presidente João Café Filho, em 1954/1955

0
Powered by Rock Convert

Juarez do Nascimento Fernandes Távora (Jaguaribemirim, Ceará 14 de janeiro de 1898 – Rio de Janeiro, julho de 1975), marechal que, teve na vida brasileira uma carreira singular. Desde a mocidade, empenhou-se em conspirações e revoltas, em nome da necessidade de mudar a face política e administrativa do país, mas jamais chegou a definir um roteiro de ideias que pudesse nortear tais transformações. Integrante da lendária Coluna Prestes, com a passagem de seu chefe para a clandestinidade do comunismo emergeria como o mais popular e importante líder tenetista na vitória da Revolução de 1930.

Revelou, então, notável escrúpulo em aceitar cargos. Foi ministro pouco tempo, e, enquanto outros tenentes construíam sólidas bases eleitorais nos Estados, recusou tudo e voltou a carreira militar, depois de ter consumido parte de seu prestígio chefiando a delegacia do nordeste, um estranho cargo apelidado de vice-reinado por seus inimigos, onde quase nada pode fazer de útil para concretizar seus ideais. Em 1954, depois de conspirar para a segunda derrubada de Getúlio Vargas, jurou jamais apelar para a força, novamente, para decidir questões políticas.

Política ortodoxa – Por isso, quando sua geração de tenentes chegou ao generalato, e na Escola Superior de Guerra (da qual foi diretor) começou a desenvolver uma doutrina de governo, Távora, numa radical mudança, praticava a política segundo o modelo convencional. A Revolução de 1964, comandada por companheiros, como Humebrto de Alencar Castello Branco e Arthur da Costa e Silva, foi encontrá-lo deputado federal e presidente do modesto PDC, sem disposição seuqer para a parte civil da conspiração.

Chefe do gabinete militar do presidente João Café Filho, em 1954/1955, pouco fala do turbulento ambiente político e militar de então. O poderoso esquema que poderia ser montado para elegê-lo presidente da República, com a participação de Café Filho, o então ascendente governador de São Paulo Jânio Quadros, a UDN, o PL, o PDC, o PTN e boa parte do PSD, que não engolira Juscelino Kubitschek, foi desfeito quando Távora se negou a ser candidato. Logo depois, desfaria o novo esquema montado por essas forças em torno de Etelvino Lins, lançando-se a luta pelo PDC. Lins acabou fora da disputa, mas não há dúvida de que tais idas e vindas ajudaram a vitória de Kubitschek.

A essa altura, torna-se visível o desgaste da liderança militar de Távoras, que também nunca seria influente chefe político. E suas memórias chegam ao fim de forma tão pouco condizente com sua passada condição de legionário da Coluna Prestes quando sua vida pública. Ao morrer em julho de 1975, aos 78 anos, no Rio de Janeiro, Juarez Távora mal acabara de retocar as últimas páginas do seu derradeiro volume de memórias “Uma Vida e Muitas Lutas”. O último capítulo do livro é um pesado relatório de seus três anos no Ministério da Viação durante o governo Castello Branco, período do qual destaca duas escassas e modestas alegrias: a chegada a Vacaria, Rio Grande do Sul, a bordo de um trem minuano, que trafegava sobre linha construída por sua administração; e sua entrada em Brasília, tocando o apito de uma veterana locomotiva “Maria Fumaça”, para anunciar a ligação ferroviária da capital federal com o resto do país.
(Fonte: Veja, 10 de março de 1976 – Literatura/ Por Almir Gajardoni – Edição 392 – Pág; 100)

Nos últimos meses, o marechal Juarez do Nascimento Fernandes Távora seguidamente manifestava seu receio aos amigos: morrer antes de concluir o terceiro e último volume de suas memórias, “Voltando à Planície” (o primeiro intitulou-se “Da Planície à Borda do Altiplano” e o segundo, “A Caminhada no Altiplano”). O velho marechal não deixou de cumprir a última das missões a que se propusera, em benefício do país, ao qual pretendia oferecer “um depoimento desapaixonado sobre os desafios e as incompreensões com que se defrontou, no Brasil, a minha geração”.

Não se pode dizer que em vida Juarez Távora tenha sido um desapaixonado. Ele participou ativamente de todas as revoltas militares e lutas políticas travadas desde julho de 1922, quando, primeiro-tenente, ajudou a sublevar a Escola Militar do Realengo contra a eleição do presidente Artur Bernardes, até agosto de 1954, quando o suicídio do presidente Getúlio Vargas o levou a decisão de “nunca mais participar de golpes militares para tentar corrigir, pela força das armas, os desvios do poder público no Brasil”.

Lutador apaixonado – Seu velório, no Clube Militar, no centro do Rio de Janeiro – palco de algumas de suas mais ruidosas proezas -, mostrou que essa vida de combates não frutificou em ódios. Ali compareceu até mesmo seu adversário da campanha presidencial de 1955, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que ofereceu um depoimento comovido: “Nossa campanha foi de um nível muito alto. Não tínhamos divergências. As diferenças estavam no programa – o meu incluía Brasília, o dele não”.

É possível que o momento de consternação levasse Kubitschek ao exagero. Távora foi um candidato duro e combativo, e nunca poupou críticas aos adversários. No entanto, aquela altura, ele já desistira das conspirações, e por isso não se envolveu nas tentativas para evitar a posse do vencedor – impedido, por um perfeito serviço de cronometragem, de encontra-se, no funeral, com o presidente Ernesto Geisel. Tendo viajado ao Rio de Janeiro para verificar as conseqüências do desastre da Central, Geisel esteve no Clube Militar, onde ofereceu a família o consolo de sua fé religiosa: “Deus sabe o que faz”. Mas não chegou a falar a dona Nair – esposa e prima, objeto de algumas das mais belas páginas do segundo volume das memórias do marechal.

O general Juracy Magalhães, companheiro de ações no nordeste durante a revolução de 1930, também ofereceu seu depoimento: “Sua herança é, sobretudo, o exemplo de de tenacidade e espírito de sacrifício legada aos jovens de nossa pátria”.

Protagonista da história – Magalhães não foi fiel seguidor do exemplo de Juarez Távora, que, após a vitória de 1930, recomendava aos militares total afastamento dos cargos públicos. Como tantos outros tenentes, ele conquistou o governo de um Estado – a Bahia -, onde construiu uma sólida liderança política. Távora acabaria, ele próprio, por quebrar sua regra, ocupando o mInistério da Agricultura do governo provisório de Vargas e mais tarde a delegacia militar do nordeste, onde mereceu a alcunha de “Vice-rei”.

A herança de que falou Magalhães, em todo caso, não serviu integralmente aos próprios filhos – são três engenheiros e um procurador da Justiça do Trabalho -, pois nenhum se tornou militar ou político. Qualidades do morto sobriamente destacadas pelo marechal Oswaldo Cordeiro de Farias, seu companheiro de marchas e combates na Coluna Prestes, que na segunda metade da década de 20 cruzou o país pregando a renovação sonhada pelos tenentes: “Ele atuou sempre como protagonista de nossa história. Sua perda é, indiscutivelmente uma perda nacional”.

Embora aureolado por tantas glórias, Juarez Távora jamais conquistou o poder ou a fortuna. Vivia num casarão, no bairro de Botafogo, trabalhando num escritório atulhado de papeis desarrumados – queixava-se sempre do tempo perdido em busca dos documentos de que precisava para escrever.

Revolucionário puro – Perdia tempo, também, por causa da saúde, delicada, apesar da aparência sólida que manteve até os últimos dias. Os muitos anos de fugas, prisões, andanças na Coluna, deixaram marcas. Submeteu-se a delicada operação nas coronárias, em Houston, Estados Unidos. Perdeu parte dos intestinos em outra intervenção, mais antiga. Sofria da ausência de determinados ácidos gástricos, o que o obrigava a periódicos tratamentos numa clínica alemã para reconstituição dos tecidos intestinais.

Em todo caso, jamais deixou de ser personagem. Após a edição dos primeiros volumes de suas memórias, participou de uma série de noites de autógrafos refazendo quase que todo o roteiro da Coluna Prestes. Assim, mesmo tendo desistido das conspirações em 1954, e da política em 1967, ao fim do governo do marechal Castello Branco, de que foi ministro da Viação, mereceu um último elogio do historiador Hélio Silva, o minucioso reconstituidor do ciclo de Vargas: “Juarez foi a figura mais representativa do Tenentismo. Mesmo distante dos círculos do poder, continuava sendo o mais puro revolucionário brasileiro”.
(Fonte: Veja, 23 de julho de 1975 – Memória – Edição 359 – Pág; 22/23)

Powered by Rock Convert
Share.