José Abelardo Barbosa de Medeiros, o “Chacrinha” o que mais influiu na história da televisão no país

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José Abelardo Barbosa de Medeiros, o “Chacrinha” apresentador que espelhava com irreverência e alegria as cores da confusão brasileira. O mundo dos espetáculos brasileiro conheceu um de seus personagens mais notáveis e populares da televisão e do rádio, o “Velho Guerreiro” da cultura popular.

Um dos inventores do humor radiofônico e, posteriormente, do que se batizou de programas de auditório era o capitão das tardes de sábado da Rede Globo. Em seu Cassino do Chacrinha, com média semanal de audiência de 65 pontos, altíssima para o horário, ele atuava como um dos maiores divulgadores da MPB, anfitrião e carrasco de calouros, dono de um circo eletrônico de sinuosas dançarinas e irresistíveis palhaços – ele próprio o maior de todos. No comando desse circo, balançando a pança e comandando a massa sob fantasias extravagantes, buzina em punho, ele sedimentou a trajetória de um dos personagens-símbolos do país. Chacrinha abriu um espaço até então inédito na televisão brasileira – fazia um programa popular sem ser popularesco.

O mundo dos espetáculos brasileiro perdeu na quinta-feira, dia 30 de junho de 1988, que viveu para a alegria e a irreverência e, por um golpe do destino, morreu sofrendo. Na quinta-feira, às 20 horas, Chacrinha queixou-se à mulher, Florinda, de fortes dores no peito. Ela ligou para o cardiologista do hospital Lourenço Jorge. Por telefone ele diagnosticou que o apresentador tinha gases e receitou um remédio. Por volta de 22h30, Chacrinha levantou-se do sofá, segundos depois, seus berros ecoaram pela casa. Com dores aguda no peito e muita dificuldade para respirar, foi colocado na cama. Uma hora depois, morreu às 11 e meia da noite em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, vítima de um enfarte aos 70 anos, sob os olhares do amigo, o diretor artístico do grupo Chico Recarey, José Ramalhete, que acabou por testemunhar sua morte, juntamente com a sua mulher, a respiração ofegante cessou por completo.

COBALTO – Chacrinha foi fulminado pelo coração, mas há tempos tinha a saúde debilitada, em consequência principalmente da cirurgia a que se submeteu há 27 anos, quando perdeu o pulmão esquerdo. Na época, os médicos diagnosticaram enfisema pulmonar. No início de 1988, foi constatado câncer no pulmão que lhe restava. Os médicos preferiram dizer a Chacrinha que ele sofria de uma infiltração de água na pleura e o submeteram a um tratamento à base de radiação de cobalto.

Com o início do tratamento, Chacrinha entregou o comando de seu programa ao humorista Paulo Silvino e, posteriormente, ao ator João Kleber. No final de junho, decidiu voltar aos poucos ao programa, fazendo pequenas entradas ao lado de Kleber. Uma dezena de quilos mais magro, ofegando ao falar ao microfone, deixava evidente que a doença o consumia. Sua visão foi abalada e, no primeiro programa de sua volta, pediu para que as letras das fichas de apresentação das atrações fossem aumentadas.

“PILAR DA PROGRAMAÇÃO” – O velório e o enterro de Chacrinha, na manhã de sexta-feira, dia 1° de julho, mobilizaram a população do Rio de Janeiro. Cerca de 30 000 pessoas se reuniram no cortejo que saiu da Câmara dos Vereadores, onde o corpo foi velado, e foi até o Cemitério São João Batista. Na hora do enterro, a multidão em coro saudou o apresentador com um de seus gritos de guerra: Ó Terezinha, Ó Terezinha, é um barato o Cassino do Chacrinha.

“A Rede Globo perdeu um dos pilares de sua programação”. “O programa será extinto porque ele é insubstituível”, informou José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, vice-presidente de Operações da Rede Globo.

BANANA E ABACAXI – Para dois artistas em particular, a morte de Chacrinha representou o desaparecimento de uma espécie de companheiro de luta, alguém a quem ajudaram e foram ajudados – Caetano Veloso e Gilberto Gil, que no final dos anos 60 transformaram Chacrinha num dos emblemas, no muso do movimento tropicalista.

Ambos admitem que choraram ao saber da morte do apresentador. “O Chacrinha era a encarnação da irreverência, do grotesco, do deboche sádico que o humor brasileiro tem em relação a tudo – ele foi um elemento revelador da Tropicália e era a cultura de massa em pessoa”, diz Gilberto Gil, que homenageou o apresentador como um símbolo do país na canção Aquele Abraço, feita pouco antes de partir para o exílio, em 1969. “Identificamo-nos com ele de imediato pela sua postura anárquica”, diz Caetano, a quem Chacrinha ajudou, na época em que a Tropicália eclodia, promovendo “Noites da banana e do abacaxi” em seu programa.

A Tropicália, na verdade, representou um divisor de águas na carreira de Chacrinha. A revolução estética pregada por Caetano, Gil e seus companheiros tirou do apresentador a aura de personagem cafona e popularesco com que aparecia aos olhos arrogantes da intelectualidade que ditava normas na época. A Tropicália chamou a atenção de todos de que naquele senhor gordo e alegre, vestido com fantasias estapafúrdias e jogando bacalhau à plateia, repousava um retrato do Brasil e de seus paradoxos. “Eu fui o primeiro tropicalista”, costumava dizer Chacrinha, com uma boa gargalhada. Tinha razão. Desde o início de sua carreira, o apresentador exercitou, além do comportamento anárquico, uma notável capacidade de filtrar o velho para acoplá-lo ao novo.
Em seu programa, até os últimos tempos, mantinha os mesmos truques do rádio – interromper as músicas para fazer piadas, promover o improviso -, cercado pela tecnologia e pelo ritmo da televisão moderna. Por alguma fórmula misteriosa, que só ele conhecia, a combinação dava certo, agradando velhos e crianças, analfabetos e intelectuais.

Nascido em Surubim, Pernambuco, Chacrinha começou a trabalhar em rádio no Recife. Em 1943, desembarcou no Rio de Janeiro e começou a granjear fama com um programa na Rádio Clube Niterói, batizado de Cassino da Chacrinha porque os estúdios da rádio eram localizados numa pequena chácara – mais tarde, ele incorporaria o apelido. Seu programa era apresentado entre 23 horas e 1 da manhã. “Eu precisava manter o ouvinte acordado e, para isso, fazia barulho: batia panela, mexia em chocalho e buzinava – me chamavam de louco”, declarou certa vez.

Nos anos 60, depois de passar com sucesso por muitas outras emissoras de rádio, Chacrinha transportou para a televisão o estilo que criara, adicionou suas célebres dançarinas, as “chacretes”, que na época se chamavam “as vitaminas do Chacrinha”, e foi aos poucos transportando para a linguagem visual seu estilo radiofônico. Chacrinha foi o pioneiro dos apresentadores de televisão de sucesso no país e de longe o mais original, o mais identificado com os valores brasileiros e o que mais influiu na história da televisão no país. Pode-se enxergar suas lições seja em seus imitadores, seja em apresentadores que desenvolveram um estilo próprio, como Silvio Santos ou Gugu Liberato. Nenhum dos dois, no entanto, tem a inventividade delirante e a capacidade de surpreender de Chacrinha. Com sua morte, colegas e telespectadores ficam um pouco órfãos.

(Fonte: Veja, 6 de julho, 1988 – Edição n° 1035 – DATAS – Pág; 86/87)

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