João Maldonado, João Ramalho nasceu em Vouzela em Portugal, em 1493. Foi um galanteador eficaz.

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O primeiro PLAYBOY brasileiro

João Maldonado, nasceu na cidade de Vouzela, em Portugal, em 1493. Ali cresceu e casou, com Catarina, sua primeira mulher. Foi batizado como João Maldonado e só adotou o sobrenome Ramalho no Brasil, “por causa da barba ramalhuda”. Barbudo carismático, poderoso e fã de carne de pato, assado de veado e de ostras cruas. Foi um galanteador eficaz que seduziu conterrâneos nos negócios, jesuítas nas disputas e as primeiras brasileiras na rede.
Quando morreu, supostamente com 87 anos, deixou tantos filhos que não houve registro capaz de elencar a galera. Só do casamento com a índia Bartira, grande amor de sua vida, foram nove. Mas ele admitia que a prole direta, entre filhos fora do casamento e netos, somava coisa de 70 pessoas. Se São Paulo se fez grande, isso começou com João Ramalho. Seus herdeiros eram mamelucos, a definição em português para os que nascem de pais brancos e índios, mas ele preferia o vernáculo no tupi: cariboca (originário do branco, ou filho de branco, palavra prima de carioca, que significa casa de branco).
Em Portugal, num lugarejo minúsculo, não devia ter muito a fazer e resolveu cair na estrada. Deu a Catarina a desculpa da época e nunca mais voltou. Tinha 20 e poucos anos quando chegou a Lisboa. Há 500 anos, estar em Lisboa era algo como estar hoje em Nova York. Era “o” lugar. Mas, para ele, era só uma escala rumo ao Brasil. Sua ideia era fazer dinheiro com o comércio de pau-brasil. Na zona portuária, onde dava bobeira a espera de uma embarcação que cruzasse o Atlântico, conheceu um marinheiro de origem britânica.
“Ele me disse que o Brasil é o nome verdadeiro da Ilha do Paraíso.” Um refúgio de praias lindas, animais exóticos, mulheres nuas de peles macias…Se João Ramalho veio de Portugal para cá porque acreditou naquele marinheiro, ou se queria mesmo entrar no ramo de pau-brasil, ou ainda se fugia de alguém ou da Justiça, não se sabe. Maldonado, seu verdadeiro sobrenome, era um nome comum a cristãos novos, os judeus convertidos.
Nosso playboy reinou soberano. Forte, cabeleira farta, barba desgrenhada, carismático, viajado e aventureiro, fazia um gênero entre o clássico e o chique-despojado. Era sem roupa, porém, que ele preferia estar. E, entre caçadas de animais, caçava índias. Todas que pudesse. Até encontrar Potira, a mulher de sua vida, que entre os portugueses era chamada de Bartira. Seu pai era o cacique Tibiriçá. João achava ruim vender índios como escravos aos portugueses e aos espanhóis que os repassavam na região do rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina. Mas a tradição mandava comer os índios inimigos capturados, e nosso playboy não curtia essa iguaria.
João Ramalho metia medo, mas estava mais para um sujeito da paz. Por seu estilo de vida, não só foi o primeiro bom-vivant do Brasil como também um inominado precursor do movimento hippie. Vivia em tal harmonia com a natureza. E com as índias, evidentemente.
Um de seus raros deslizes aconteceu em 1560. Estava perto dos 67 anos e havia ajudado, seis anos antes, o jesuíta Manuel da Nóbrega e erguer São Paulo. Por decisão de Mem de Sá, o governador-geral do Brasil, a vila de Santo André foi transferida, com todo mundo, para São Paulo. O pretexto era promover a evangelização dentro de um discurso único, o dos jesuítas. Na prática, foi uma manobra política de Mem de Sá, que via naquela vila instalada na entrada do planalto, bem na virada da serra, obstáculo para escravizar índios. João Ramalho e Mem de Sá nunca se gostaram. João tinha seus princípios, e um deles era apenas vender índios capturados dos inimigos – aqueles que seriam mortos num banquete antropofágico mesmo. Quando percebeu a manobra, já era tarde. Em São Paulo, tentaram amaciá-lo com um cargo público, mas João recusou. Pegou Bartira e seguiu em direção ao Vale do Paraíba. Queria distância de São Paulo, e Santo André já não existia. Dois anos depois, em 1562, sem guardar mágoas, ajudou São Paulo e os jesuítas a se defender de ataques dos tamoios.
Quase duas décadas mais tarde, em 1580, decidiu ditar o que seria seu testamento. Nesse depoimento, buscava a paz espiritual com a Igreja. E um padre foi encarregado de ouvi-lo. Enviaria sua carta-depoimento a autoridades religiosas da cidade de São Paulo. “Padre, trate de encomendar minha alma a Nosso Senhor, deus dos brancos, que um pajé já a encomendou a Tupã, deus dos índios.”
Era um safado esse João. Foi amigo dos portugueses, dos padres, dos índios. Brigou com todos eles. Mas, como todo conquistador, João Ramalho era homem de um amor só. E o dele foi Bartira. No tradicional bairro de Perdizes, em São Paulo, duas ruas homenageiam Ramalho e Bartira. São paralelas. E, como todos sabemos, as paralelas se encontram no infinito. Para sempre.

(Fonte: Playboy – Edição N° 362 – agosto 2005 – O primeiro PLAYBOY brasileiro/ Por Edson Rossi – Pág; 172/176)

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