Ivan Turguêniev, escritor aristocrata russo, foi o mais permeável a influências estéticas europeias

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O TERCEIRO RUSSO

Turguêniev: um autor cosmopolita, aberto às influências europeias

Ivan Turguêniev (Orel, 9 de novembro de 1818 – Paris, 3 de setembro de 1883), escritor aristocrata russo, foi o mais permeável a influências estéticas europeias (passou boa parte de sua vida adulta na Alemanha e na França). Foi amigo do escritor francês Gustave Flaubert.

E foi o menos ocupado com dilemas nacionais como a defesa do eslavismo (ou seja, de uma tradição puramente russa) ou a servidão, cuja abolição, no entanto, defendia.

Menos lembrado que Tolstoi e Dostoievski, Ivan Turguêniev foi tão grande quanto eles. Na área literária ele foi contemporâneo, conterrâneo e desafeto cordial dos dois maiores nomes da literatura russa do século XIX, Leon Tolstoi (autor de “Guerra e Paz”) e Fiodor Dostoievski (autor de “Crime e Castigo”).

A fama de ambos acabou por obscurecer a sua. Muito injustamente, contudo. O aristocrata Turguêniev, nascido em novembro de 1818, foi o mais cosmopolita dos três.

Enquanto as obras de Tolstoi e Dostoievski soam como sinfonias majestosas – místicas, nacionalistas, redencionistas -, a de Turguêniev é como um quarteto de cordas, lacônica e delicada.

É essa qualidade de música de câmara que encontramos em Ássia, não a maior de suas obras, mas bastante exemplar. Publicada em 1858, é uma novela quase sem enredo.

Neles o autor retratava a indiferença se sua própria geração às injustiças da Rússia czarista – tipos sob medida para seu estilo de narrar distante, desapaixonado e levemente irônico.

Cabe a Ássia toda a energia, ação e decisão descritas na novela. Apesar de muito jovem e atrapalhada, ela é a única com vontade e caráter, contrastando com a letargia dos personagens masculinos.

É assim com a maioria das heroínas de Turguêniev – a virtude é delas, não deles.

Depois de estudar humanidades na Rússia e na Alemanha, abandona os planos acadêmicos para se dedicar inteiramente à literatura.

Após o sucesso inicial de seus contos, Turguêniev consolida tanto o gênero do romance como a figura pública do romancista nas letras russas, em obras polêmicas como Ninho de fidalgos (1859) e Pais e filhos (1862).

Passou boa parte da vida no estrangeiro, teve seus livros traduzidos e foi o primeiro escritor russo a gozar de renome em todo o Ocidente.

(Fonte: Veja, 16 de outubro de 2002 – Ano 35 – N° 41 – Edição 1773 – LITERATURA/ Por Marilia Pacheco Fiorillo – Pág: 137)

 

 

Ivan Turgueniev (Foto: Retailatthepalace/Divulgação)

Ivan Turgueniev (Foto: Retailatthepalace/Divulgação)

 

 

Turguêniev: a alma e a história russas a um só tempo

Ivan Turgueniev, é autor de um dos maiores romances políticos de todos os tempos, o clássico “Pais e Filhos” , onde sua obra revela um profundo conhecimento da natureza humana, examinada em estilo elegante, onde a narrativa se desdobra em sucessivos diálogos, por meio dos quais os personagens ganham voz e aos poucos, uma existência concreta.

A Rússia do tempo de Turguêniev vivia no atraso, presa a uma economia agrária e feudal. Um grande clamor por reformas se fazia ouvir, sobretudo nas camadas mais esclarecidas, às quais Turguêniev pertencia (descendente de uma família rica, o escritor recebeu educação esmerada, cursou a universidade e passou boa parte de sua vida em Paris). As opiniões se dividiam entre os favoráveis à ocidentalização e os eslavófilos, que exigiam a manutenção das antigas tradições.

Pais e Filhos tem como pano de fundo esse conflito. Arkádi Kirsánov, um estudante, retorna à casa do pai, Nikolai Petróvitch, em companhia de seu amigo Bazárov, estudante de medicina de origem plebeia que associa a crença no progresso científico a um profundo pessimismo em relação à cultura e à sociedade. Turguêniev falava de uma situação concreta: eram comuns à época, sobretudo na universidade, jovens para os quais um bom sapateiro seria mais útil que um Goetche – pois a humanidade precisa mais de sapatos do que de poesia. Na visão desse grupo, a religião seria substituída pela ciência, o casamento pelo maor livre, a propriedade privada pelo coletivismo, a administração central por comunas independentes.

No campo, os revolucionários tratavam de mobilizar os servos (que o governo havia, aliás, emancipado) contra os proprietários, que deveriam ser eliminados para que os pobres pudessem, afinal, ter terras. Essa campanha não teve muito sucesso nem podia ser levada à imprensa, fortemente censurada. O niilismo à moda russa acabaria evoluindo para um movimento revolucionário de cunho anarquista e mesmo terrorista.

No romance, Bazárov não chega a tais extremos. Seus conflitos são sobretudo de natureza emocional. Ele não tarda a entrar em choque com o gentil e romântico Nikolai e, d emaneira mais acentuada, com seu irmão, o aristocrático Pável. Arkádi e ele prosseguem viagem, e hospedam-se na casa da bela e sedutora viúva Odíntsova, por quem ele desenvolverá uma paixão não correspondida.

Seguem para a casa de Arkádi, onde o atrito entre Bazárov e Pável termina num duelo bizarro – uma das grandes cenas do livro. Bazárov mais uma vez retorna à casa dos pais. Ali, ao afzer uma necropsia, fere-se e contrai uma infecção mortal: ironicamente, a paixão pela ciência custa-lhe a vida.

O romance Pais e Filhos do russo marcou a cultura por ser um dos mais perfeitos exemplos de romance político jamais escritos. Ele também se destacou por ter dado ampla circulação ao termo niilismo (embora não o tenha inventado), que se aplica a uma das figuras centrais do livro, o estudante Bazárov. O niilista, explica Turguêniev por intermédio de um de seus personagens, “é uma pessoa que não se curva diante de nenhuma autoridade, que não admite nenhum princípio sem provas.”

Descrever Pais e Filhos como um romance político não é o mesmo que qualificá-lo como um livro de teses abstratas. Tudo nele está profundamente calcado na realidade russa que Turguêniev conheceu. Essa foi, aliás, uma das grandes audácias do escritor: analisar um quadro político e social no momento mesmo em que ele começava a tomar forma, e não com um confortável distanciamento histórico.

(Fonte: Veja, 3 de março de 2004 – ANO 37 – Nº 9 – Edição 1843 – Livros/ Por Moacyr Scliar – Pág: 106/107)

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