Hirohito, imperador da guerra e da paz, foi protagonista do mais longo, tumultuado e decisivo reinado de todos os 123 monarcas que, 2° a tradição, ocuparam antes dele o Trono do Crisântemo

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1926-1989 (ERA SHOWA)

É O PERÍODO QUE CORRESPONDE AO REINADO DE HIROHITO

Em vez de ser um tempo de paz e harmonia, acabou sendo marcado pela Segunda Guerra Mundial. O país, pela primeira vez, é invadido por forças estrangeiras. Nessa fase o imperador perde a divindade e passa a ser um símbolo do Estado

 

Hirohito

 

 

Hirohito (Tóquio, 29 de abril de 1901 – Tóquio, 7 de janeiro de 1989), imperador da guerra e da paz. O imperador Hirohito, chefe de Estado japonês durante a Segunda Guerra Mundial, havia alertado para os perigos do conflito.

 

Durante a II Guerra Mundial, mesmo sem muito poder real, era a autoridade máxima na época.

 

Foi protagonista do mais longo, tumultuado e decisivo reinado de todos os 123 monarcas que, segundo a tradição, ocuparam antes dele o Trono do Crisântemo durante quase 2 600 anos.

 

A fantástica distância percorrida pelo Japão e pelo próprio Hiroito desde o fim da guerra, transformando-se de país humilhado, derrotado e ocupado numa superpotência econômica que só fica atrás, dos próprios Estados Unidos, foi ilustrada pelos termos usados na nota oficial do presidente Ronald Reagan depois da morte do imperador. “Sua Majestade desempenhou um papel verdadeiramente heróico no encerramento das hostilidades entre nossos povos”, disse Reagan.

 

Hiroito foi o 124º imperador do Japão, de acordo com a ordem tradicional de sucessão, reinando de 25 de dezembro de 1926 até sua morte, em 1989. Apesar de ser muito conhecido fora do Japão por seu nome pessoal, Hirohito, no Japão ele é atualmente referido pelo seu nome póstumo, Imperador Shōwa.

 

Em 27 de agosto de 1945 – O exército americano entrou no Japão depois que o imperador Hiroito anunciou a rendição do país.

 

Hiroito, é certo, tomou a decisão mais importante da sua vida ao aceitar, diante do inevitável, a rendição japonesa que pôs fim à II Guerra Mundial. Ainda assim, para o imperador de um país que provocou 16 milhões de mortos com sua política de agressão militar, ser chamado de heróis pelo presidente dos Estados Unidos é um caminho muito, muito longo.

 

LONGO CAMINHO – Hiroito nunca se recuperou plenamente da cirurgia realizada em 1987, quando teve um tumor extraído do pâncreas. Um ano depois, no dia 19 de setembro de 1988, ele desmaiou e vomitou sangue. Começou então a agonia passada na cama de seu quarto no Palácio Imperial, transformado numa espécie de unidade de terapia intensiva.

 

Submetido a constantes transfusões de sangue, o velho imperador experimentava rápidas melhoras para em seguida enfrentar novas crises. A última delas começou às 4 horas da madrugada. O chefe da equipe médica foi chamado. Também chegaram ao palácio Akihito e sua mulher, Michiko, para acompanhar os momentos finais, e pouco depois o primeiro-ministro Noboru Takeshita (1924-2000).

 

Com a morte do pai, Akihito tornou-se imperador automaticamente, mas todo o ritual de entronização só foi dado por terminado dentro de dois anos, depois de uma complicada cerimônia chamada daijosai, que marcou sua união simbólica com os deuses da religião xintoísta.

 

O enterro de Hiroito demorou devido ao mesmo preciosismo ritualístico – pelo menos quarenta dias, o tempo necessário para preparar a sepultura no cemitério imperial. Seguindo o conselho do Departamento de Estado, George Bush, que tomou posse na Casa Branca dia 20 de janeiro, esteve presente.

 

A ironia da presença de um presidente dos Estados Unidos – o país que lançou contra o Japão as duas únicas bombas atômicas jamais usadas contra seres humanos, durante a II Guerra Mundial – no enterro do imperador que, mesmo sem muito poder real, era a autoridade máxima na época, ganhou uma dimensão especial no caso de Bush.

 

Como jovem piloto da Marinha, ele teve seu avião derrubado durante uma missão de bombardeio nas Ilhas Bonin, ao sul do Japão, em setembro de 1944, caiu no mar e só escapou vivou graças à presença de um submarino americano que o resgatou.

 

Durante 111 dias, ele agonizou. Seu corpo frágil, de um homem com 87 anos de idade, perdeu mais da metade do peso, recebeu ao todo 38 litros de sangue- sete vezes o volume total que circula num organismo adulto – e foi mantido vivo quase à força. Poucas horas antes do fim, ele ainda esboçou uma reação, tentando arrancar o tubo de oxigênio que lhe entrava pelo nariz.

 

Às 6h33 da manhã de 7 de janeiro, no Japão, os quase quatro meses de agonia terminaram. “Ele parecia calmo e morreu em paz”, disse o camareiro-mor do Palácio Imperial de Tóquio, Shoji Fujimori. Foi assim, sem grandes sobressaltos, como um fato esperado há tempos, que morreu o imperador Hiroito.

 

Quatro horas depois, o filho e herdeiro do velho imperador, Akihito, de 55 anos, recebia em cerimônia realizada num templo xintoísta os símbolos sagrados da monarquia – um espelho, uma espada e um diadema.

 

O ritual é antigo, mas foi mantido, mesmo quatro décadas depois da dessacralização da monarquia. Da mesma forma, durante toda a agonia de Hiroito, a influente Agência da Casa Imperial – o organismo com mais de 1 000 funcionários que administra os assuntos do trono – fez questão de manter a chamada “cortina de discrição lançado sobre todos os aspectos mais privados da vida da família reinante.

 

Somente 1 hora depois da morte do velho imperador o camareiro-mor Fujimori confirmou o que já se sabia no país inteiro e no resto do mundo, mas que a imprensa japonesa não podia divulgar, sob pena, como aconteceu em duas ocasiões, de ser obrigada a se retratar publicamente. “Ele morreu de câncer no duodeno”, disse Fujimori, explicando que a doença se propagou por todo o organismo.

(Fonte: Veja, 11 de janeiro de 1989 – ANO 22 – N° 2 – Edição 1062 – JAPÃO – Pág; 42)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O imperador do sol nascente

Pela primeira vez em 200 anos, os japoneses assistem à abdicação de um imperador – sai Akihito, senta-se ao trono seu filho, Naruhito, e o país entra na chamada Era Reiwa, que indica paz e harmonia na sociedade.

 

RITUAL Akihito, ao subir ao trono, em 1989: seu traje representa a glória e a solidez do império japonês (Crédito: HANDOUT)

 

A imagem acima mostra o imperador japonês Akihito em janeiro de 1989, dia em que ascendeu ao trono, logo depois da morte de seu pai, Hirohito. A roupa é quase idêntica a que vestiu Naruhito, filho e sucessor de Akihito, na cerimônia que o converteu em soberano na semana passada. Também serviu de vestimenta para todos os monarcas que o antecederam. Trata-se de um quimono de gala do estilo “sokutai”, na cor marrom dourado, que se refere ao sol. Apenas o imperador pode usá-lo. O traje é decorado com a fênix chinesa, símbolo da paz que se espera que vigore depois da posse. A mão direita segura um cetro conhecido como “shaku” – acessório cuja solidez demonstra a atenção e o foco da realeza. E na sua cabeça há um chapéu de 60 centímetros, que aponta para o alto e significa a maior glória do monarca. A sociedade japonesa é altamente ritualística e cerimoniosa. E a monarquia, uma de suas instituições inabaláveis. Embora, desde Hirohito, os imperadores tenham perdido o caráter de divindade e o poder político, eles ainda são o símbolo máximo do Estado e da unificação do país. Akihito, pacifista convicto que abdicou do cargo na terça-feira 30, depois de três décadas no poder, foi responsável pela humanização do trono do Crisântemo, flor que simboliza a família real. Espera-se que Naruhito, 59 anos, siga a trilha aberta pelo pai e seja um imperador próximo do povo.

 

NOVA ERA Akihito se dirige à cerimônia de abdicação do trono com as vestes cerimoniais (Crédito: HANDOUT)

 

Para honrá-lo, Naruhito, 126º imperador japonês, terá que suar o venerável quimono. De alguma forma, Akihito dessacralizou o cargo e reanimou a instituição. Foi um monarca bastante popular e querido, que viajou muito pelo país e pelo mundo e quebrou algumas tradições imperiais. Diante das grandes tragédias que aconteceram no Japão durante seu reinado, soube demonstrar empatia pelas vítimas e apoiar a recuperação do país com disposição e emoção. No seu trono houve paz, mas também paralisia econômica e desastres naturais, como o terremoto de Kobe, em 1995, e o acidente nuclear de Fukushima, em 2011. Em Fukushima, consolou as pessoas desabrigadas e se ajoelhou diante delas, em uma evidente demonstração de compaixão. Também apertava a mão dos súditos para cumprimentá-los, algo que nenhum imperador anterior ousou fazer.

 

Para seu pai, Hirohito, era algo impensável. O povo que deveria se ajoelhar diante dele. Prestar-lhe reverência. Embora os mais conservadores não tenham gostado da atitude de Akihito, a maioria da população se comoveu com a demonstração de humanidade. Sua mulher Michiko Shoda, primeira plebeia a se tornar imperatriz, também é adorada pela população, considerada uma referência de elegância e cultura.

 

Por isso, a renúncia de Akihito não foi simples – nada o é no Japão. A abdicação, a primeira nos últimos 200 anos do império, que tem 2,6 mil anos, só foi possível por causa de uma mudança na Lei da Casa Imperial para permitir a saída do monarca antes da morte. A mudança da lei, além de ser um reconhecimento de que Akihito não está bem para exercer o cargo, representa um indicador de prestígio. Era incerto que o Parlamento abrisse uma exceção para a renúncia. Mas foi o que acabou ocorrendo. Akihito pediu o direito de abdicar há um ano e meio devido a problemas de saúde – ele tem 85 anos e enfrenta doenças no coração. Passou por uma cirurgia cardíaca em 2012 e fez um tratamento de câncer na próstata. Alegou que não sentia mais condições de se manter no trono e de cumprir seus deveres da melhor forma. Assim foi feito.

 

Apesar de, oficialmente, os imperadores terem perdido o caráter de divindade, não se pode dizer que a aura divina do monarca japonês tenha desaparecido na prática. As velhas gerações ainda cultuam a imagem do imperador e exibem fotos dele em suas casas. Os mais jovens demonstram respeito. A troca no comando do Estado, por exemplo, envolve diversas cerimônias protocolares e motiva dez dias de feriado, com fechamento de creches, repartições públicas, bancos e empresas. Numa sociedade que exalta o valor do trabalho isso é uma prova de que o deus do sol Amaterasu continua animando o império. Cada imperador inaugura uma nova era, o que aconteceu quarta, 1º de maio. Os nomes das eras refletem o ideal da nação e passam por um rigoroso processo de escolha. Akihito esteve à frente da Era Heisei ou “culminação da paz” e cumpriu os seus desígnios. Seu filho Naruhito inaugura agora a chamada Era Reiwa, ou “harmonia bela”. Por conta disso, o calendário escolar sofre modificações, assim como os documentos oficiais. Para que a liturgia se cumpra, novas moedas também precisam ser cunhadas.

 

Rendição Humilhante

 

Hirohito, pai de Akihito e avô de Naruhito, foi o imperador da era Showa (paz e harmonia), a mais longeva da história da monarquia japonesa. O reinado durou 63 anos, entre 1926 e 1989, e indicava um período de prosperidade, mas coincidiu com longos anos de conflitos e guerras, em que o Japão vivia sob uma feroz ditadura militar e estava tomado por um sentimento expansionista. Hirohito foi um imperador belicoso, que apoiou as ofensivas japonesas na Segunda Guerra Mundial. Cumpria a função de chefe de Estado e queria que o império se fortalecesse. No final da guerra, protagonizou uma rendição humilhante para os americanos, que derrubou os brios da nação. Os americanos pouparam sua vida depois da capitulação. Era mais interessante manter o poder simbólico e unificador do monarca do que destruir o sistema político e abrir espaço para o avanço dos comunistas. Em compensação, o fizeram abrir mão da sua divindade e impuseram uma nova Constituição, em 1947, em que o papel do imperador estava definido como sendo “um símbolo do Estado”.

 

À frente da nova era que se inicia, Naruhito dá sinais de ter um temperamento ameno. Especialista em história medieval japonesa, com forte interesse em transportes aquáticos, ele é um amante da música clássica e gosta de esportes ao ar livre. Assim como Michiko, a nova imperatriz, Masako Owada, também é uma plebeia. Ex-diplomata, estudou em Harvard e Oxford. Naruhito diz que quer aprender com seus antecessores para perpetuar a monarquia japonesa, cuja sobrevivência está ligada ao fato de os monarcas terem perdido poder e se transformado em figuras simbólicas. Por causa disso, não há tanta necessidade de se livrar deles. Diferentemente dos imperadores do passado, porém, para os novos monarcas se tornou fundamental conquistar a simpatia e o carinho do povo para buscar legitimidade. Como se vê, Naruhito tem um importante desafio pela frente.

No tempo dos faraós

 

Os faraós eram figuras inalcançáveis e enigmáticas, como foram os imperadores japoneses até o reinado de Hirohito. A palavra faraó vem do hebraico e significa “casa elevada”. Eles eram os monarcas do Egito antigo e acumulavam as máximas funções jurídicas, militares e religiosas. Eram líderes supremos. Como os imperadores japoneses do passado, considerados descendentes diretos do deus do sol Amaterasu, os governantes do Egito descendiam do seu próprio deus do sol, Hórus. Segundo a lenda, Hórus governou o Egito e a partir dele se sucedeu uma linhagem suprema cujo sangue continha traços de divindade que tornavam os governantes sagrados. Segundo a tradição, o primeiro faraó do Egito Antigo foi Menes, por volta de 3100 a.C. O último foi Ptolemeu XV, filho de César e de Cleópatra VII, que governou até 30 a.C.

(Fonte: https://istoe.com.br – EDIÇÃO Nº 2575 – INTERNACIONAL / O imperador do sol nascente / Por Vicente Vilardaga – 03/05/19)

 

 

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