Graham Greene, um mestre na arte de tratar grandes temas com simplicidade

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A matéria da literatura

Greene: política, religião, bem, mal, amor, sexo e ficção

Graham Greene (Berkhamstead, Inglaterra, 2 de outubro de 1904 – Vevey, Suíça, 3 de abril de 1991), escritor inglês, um mestre na arte de tratar grandes temas com simplicidade.

Ser uma celebridade literária de primeiríssima linha num idioma que, no passado, teve alguns dos escritores de maior importância da literatura mundial e continua a produzir dignos representantes não é tarefa para qualquer um. Mais difícil ainda é se consagrar sem se deixar afetar pelos furacões que mudaram a face da literatura no século XX, conservando um estilo primorosamente realista. Por fim, parece quase impossível que um escritor, nessas circunstâncias, se mantenha inabalável em sua posição por mais de sessenta anos, sessenta livros e 20 milhões de exemplares vendidos nos quatro cantos do planeta. Foi isso, porém, o que ocorreu com o inglês Graham Greene. Autor de romances formidáveis, entre os quais O Poder e a Glória (1940), O Americano Tranquilo (1955), O Cônsul Honorário (1973) e Monsenhor Quixote (1982). Greene conquistou seu lugar numa literatura poderosa como a inglesa por uma razão muito simples – sua obra consegue o prodígio de ser, a um só tempo, simples e sofisticada, inofensiva e davastadora, reflexiva e apaixonada.

Greene sempre soube disso e durante muito tempo dividiu sua produção literária em livros “sérios” e de “diversão e entretenimento”. Sério seria O Americano Tranquilo, uma espécie de profecia dos horrores da Guerra do Vietnã. Entretenimento era Viagens com Minha Tia (1969), capaz de provocar boas gargalhadas. Aos poucos, no entanto, o próprio Greene percebeu que a separação era absurda. O Americano poderia tratar, e tratava, de um tema sombrio, mas só por isso era incapaz de entreter o leitor? Essa capacidade costuma depender menos do tema do que da forma de apresentá-lo. E a narrativa de O Americano Tranquilo é impecável. Por outro lado, só pelo fato de Viagens apresentar uma dose farta de humor é possível deixar de lado a evidência de que o romance também se debruça sobre questões como a velhice e a morte? Em Monsenhor Quixote, a dificuldade de separar a obra de Greene em dois compartimentos estanques chega às raias da impossibilidade. O romance – que põe frente a frente um religioso e um comunista – é um exemplo acabado do encontro das duas “vertentes”.

CATÓLICO POR AMOR – Religião e política sempre estiveram na ponta dos dedos de Greene quando ele se sentava diante de uma máquina de escrever. Nascido no interior de uma tradicional família anglicana de Berkhamsted, em outubro de 1904, o escritor se converteu ao catolicismo em 1926 – em princípio, por uma razão que nada tinha a ver com fervor religioso. Greene estava apaixonado por uma católica praticante, Vivien Dayrell Browning, e não viu nada demais em trocar de credo para lavá-la ao altar. Mas o catolicismo o surpreendeu. “Os argumentos dele eram muito mais convincentes que os das outras religiões”, dizia, na tentativa de explicar o mistério que levou um intelectual, em pleno século XX, a enveredar pelos caminhos da fé e a perscrutar ao longo de sua obra os temas da culpa e da redenção. Embora tivesse rompido com o Partido Comunista na década de 60, Greene manteve uma persistente, comovedora e, no fim de sua vida, fora de moda simpatia por regimes de esquerda, ao mesmo tempo que dava uma rara substância intelectual às críticas ao que nunca deixou de chamar de imperialismo americano.

Turista profissional, irresistivelmente atraído por lugares perigosos, complicados e miseráveis, Greene viajou muito para produzir seus romances. Foi depois de visitar o México e ver de perto a discriminação sofrida pelos católicos naquele país que decidiu escrever O Poder e a Glória, seu livro mais famoso. Trabalhando para o serviço secreto inglês durante a II Guerra Mundial, Greene esteve na África Ocidental, numa experiência que lhe rendeu O Coração da Matéria. Em 1960, Greene esteve no Brasil participando de um congresso de escritores. A viagem não rendeu livro nenhum, mas deu ao escritor a sofisticada e surpreendente impressão de que havia visitado “um país sério e com um desenvolvido senso de humor”.

Talvez estivesse pensando em sua própria obra quando disso isso. Afinal, foi a partir da decisão de orientá-la nesse sentido que Greene desistiu do suicídio, tenatando várias vezes na adolescência, e encontrou uma maneira de preencher o vazio da vida – dele mesmo e de seus leitores. Sem medo de morrer e à vontade com a injustiça de não ter recebido o Nobel de Literatura, Graham Greene era uma espécie de luz no mundo da literatura, sempre tão sujeito a blecautes. Amor,política, religião, sexo, Deus, ética, o bem e o mal – as questões fundamentais foram tratadas em sua obra com uma dignidade que nem de longe se encontra em sucedâneos pseudoliterários que faturam em cima da eterna sede de respostas que atormenta a natureza humana. Greene não tinha respostas – oferecia desafios. É dessa matéria que se faz a literatura, e a vida. Greene morreu dia 3 de abril de 1991, aos 86 anos, de “uma espécie de leucemia”, no Hospital da Previdência, em Vevey, na Suíça, onde residia há alguns meses, depois de viver as últimas décadas na França.
(Fonte: Veja, 10 de abril de 1991 – ANO 24 -– N° 15 – Edição 1177 –- DATAS – Pág; 64)

(Fonte: Veja, 18 de outubro de 1972 – Edição 215 – LITERATURA/ Por L. G. R – Pág: 99/100)

 

 

 

 

Greene tinha uma espirituosidade, uma graça, personegens, histórias e uma compaixão que o colocaram para sempre entre os grandes da literatura mundial.”

John le Carré

3 de abril de 1991 – Morte, em Vevey, França, do escritor Grahm Greene, nascido em Berkhamstead, Inglaterra, em 2 de outubro de 1904.
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 117 – Nº 186 – CRONOLOGIA – PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 3 DE ABRIL DE 2012)

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