Giovanni Boccaccio, escritor e poeta, considerado o criador da prosa italiana

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Boccaccio: vivendo conforme o gênio

Giovanni Boccaccio (Paris, França, 16 de junho de 1313 -– Certaldo, Itália, 31 de dezembro de 1375), escritor e poeta, considerado o criador da prosa italiana. Em seus 62 anos de vida guardou pelo menos um rancor: contra o pai, que não se casara com Donna Bella, sua mãe. Teve um grande amor intelectual: Dante Alighieri. Vários amores menos platônicos, e a rara possibilidade de viver conforme seu gênio e sua vontade.

Foi um dos maiores exemplos da literatura medieval é Decameron, escrito em italiano e de conteúdo altamente erótico e satírico. Com o objetivo de fugir da epidemia de peste em Florença, dez jovens refugiam-se numa casa na periferia da cidade. Na falta do que fazer, decidem alternar-se na tarefa de contar histórias, como a de Masetto de Laporecchio, que se finge mudo para seduzir as freiras de um convento, ou a do frade Alberto, que se traveste de anjo Gabriel para dormir com uma crente.

Coma demonstra Boccaccio, só conseguimos encontrar certa forma de redenção quando admitimos os nossos vícios. Os temas da literatura erótica são quase sempre recorrentes. Para escrever algumas de suas histórias, Boccaccio inspirou-se em Apuleio, que foi influenciado por Luciano, que, por sua vez, se baseou num antigo mito milésio.

Filho de um mercador florentino, destinava-se a continuar a atividade paterna, segundo a praxe de seu tempo. Não quis. Preferiu ser poeta e literato. Como, de qualquer forma, teria que obedecer ou desobedecer, optou pelas duas coisas: desobedeceu ao pai, obedeceu à inclinação. E obedecer à inclinação natural foi mais tarde a base moral da sua obra-prima, o “Decamerão”.

Boccaccio começou escrevendo obras eruditas em latim, depois poemas arcádicos, um romance ousado (“Fiammetta” – exame sutil da psicologia feminina), uma sátira (“O Corbaccio”, contra as mulheres, de que, aliás, gostava muito) e outras experiências menores. De sua poesia, interessa o maravilhoso lirismo e a maneira quase sensual de brincar com o belo italiano construído por Dante.

Mas a uma dada altura de sua vida, o filho do mercador, curiosamente nascido em Paris, teve a sensibilidade de mudar de rumos. Intuiu que os tempos iam se transformar no pensamento, nos costumes e portanto na cultura. Percebeu o advento da Renascença. A sua não foi uma evolução, mas uma revolução. Sereno, era o oposto da inquieta alma medieval. E já vivera o bastante na corte licenciosa do rei de Nápoles para aprender muitas coisas não exatamente ortodoxas.

Sentido vital – Boccaccio deixou então as alturas da cultura humanística e do platonismo metafísico para olhar a pequena humanidade da rua. Ela lhe pareceu tão importante em seus vícios e defeitos que o artista lhe dedicou a grande comédia realística, caricatural, fervilhante, que é o “Decamerão”, considerado pela crítica moderna como um dos mais vivos documentos da história do pensamento humano. Já existiam contos, fábulas, canções populares francamente obscenas, que o público erudito não conhecia, pelo menos oficialmente.

Àquela matéria tosca Boccaccio impôs belíssima forma literária, sem tirar-lhe o sentido vital. Na hora da morte sofreu uma crise de remorsos e tentou destruir o livro, achando talvez que uma tardia lacrimuccia (como diria Dante) lhe garantiria a paz celeste ameaçada por uma vida despreocupada. Mas o “Decamerão” sobreviveu à “pequena lágrima” de seu autor. E na poderosa obra a inspiração poética, que talvez fosse para ele uma forma de dolce far niente, se transformou na perspectiva viril e crítica da realidade terrena, representada em mil figuras, que tantas só se encontram em Dante e William Shakespeare.

O protagonista é quase sempre um plebeu. Quem narra os cem contos do “Decamerão”, porém, são sete damas e três cavalheiros abrigados numa mansão campestre longe de Florença, castigada por uma peste. Enquanto na cidade o povinho morre, cada um deles conta por dez dias (decameron = dez dias) sua fábula licenciosa.

Mas não licenciosa como um fim – porque atrás do tom picaresco existe uma intenção crítica. Sem amarguras, sem invectivas, Boccaccio abre na selva selvaggia dos ressentimentos e da ira dantesca a clareira da indulgência. Golpeia a decadência da Igreja, do costume, as mulheres levianas, os maridos cegos, a “grande turma dos imbecis” com a arma terrível do ridículo. Suas personagens proclamam o retorno do homem a uma mais livre consciência de si mesmo e de seus direitos.

Sem estabelecer castigos eternos como Dante, sem chorar digna e cristãmente sobre suas próprias dúvidas como Petrarca (os dois colossos quase contemporâneos que ele nã se atrevia a imitar e que, talvez sem querer, chegou a igualar), Boccaccio denunciou e absolveu um mundo cuja filosofia é o acaso e ao qual num certo sentido ele pertenceu, intimamente.

(Fonte: Veja, 10 de setembro de 1975 –- Edição 366 -– Seiscentos anos, de Boccaccio – LITERATURA/ Por Bruna Becherucci -– Pág; 111/112)

(Fonte: Veja, 22 de dezembro de 1993 -– ANO 26 – Nº 51 – Edição 1319 -– Livros/ Por Diogo Mainardi -– História da Literatura Erótica, de Alexandrian – Pág: 112/113)

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