Francisco de Goya y Lucientes, artista espanhol que marcou a arte de sua época

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Herança espanhola

Francisco de Goya y Lucientes (Espanha, 30 de março de 1746 – França, 16 de abril de 1828), pintor espanhol que começou como um pintor de cores claras, cenas alegres, festejado pela corte, e acabou exilado em Bordeaux, pintando o horror do mundo que via e que o atormentava.

Uma série completa de quarenta gravuras, intitulada Tauromaquia, edição de 1870, se insere entre os grandes momentos de Goya, situada no começo da descoberta do lado negro da vida, por Goya, e marcou a arte de sua época.

No final do século XVIII, com a Revolução Francesa começando a convulsionar a Europa, sua visão fica mais densa e a surdez o torna cada vez mais sombrio.

Em 1797 ele lança a sua primeira série de gravuras, Os Caprichos – uma trágica visão da insensatez do mundo. Seguem-se outras duas séries: Tauromaquia e Desastres da Guerra. Das três a Tauromaquia é a mais leve. Nela, Goya se propõe a fazer um pequeno histórico do esporte nacional da Espanha, mostrando alguns de seus grandes momentos.

Seguindo a tradição, Goya mostra o Cid Campeador, Rodrigo Díaz de Bivar (1043-1099), tido como o primeiro toureiro, lançando um touro.  Em gravuras como Ligeireza e Atrevimento de Juanito Apiñani na Praça de Madrid, o artista abre grandes espaços brancos nos quais o toureador, em lance inusitado, pula com uma vara por entre os chifres do animal.

Em outra, surge O Destemido Mouro Gazul, o primeiro que teria toureado segundo as regras do esporte. Em todas, o mundo violento e contido da luta do homem contra o touro se delineia de maneira admirável.

Goya já tinha 70 anos quando foi colocada pela primeira vez à venda, em 1816, a primeira edição de gravuras da série Tauromaquia. 

Até 1925, foram feitas apenas cinco edições destas gravuras (1816, 1855, 1870, 1905 e 1925) em tiragens irregulares, mas que podem ser reconhecidas pelas mudanças na nitidez da impressão. A primeira, de 1816, alcança preços muito altos – num leilão de 1982, na França. No mesmo leilão, um lote da quarta edição, de 1905, só alcançou 66 000 francos.

No caso de gravuras de Goya, a questão da data de edição é decisiva para o comprador poder medir o seu valor.

(Fonte: Veja, 10 de outubro de 1984 – Edição 840 – ARTE/ Por Casimiro Xavier de Mendonça – Pág: 117/118)

 

 

 

 

 

O espanhol Goya pintou as assombrações do mundo e da vida interior do homem

Toda forma de horror

Goya não foi somente um grande pintor, mas também um intelectual que conseguiu refletir de modo profundo sobre o que acontecia ao seu redor.

Influenciado pelos iluministas espanhóis do final do século 18 e contemporâneo da invasão da Espanha pelas tropas napoleônicas – que, em nome dos direitos humanos e dos ideais das Luzes, matavam e trucidavam, Goya assistiu de perto a um espetáculo de horror – e registrou em diversas obras, de forma direta ou alusiva, as atrocidades cometidas tanto pelos franceses quanto pelos espanhóis.

Os desastres da guerra”, que mostra pilhas de cadáveres de combatentes jogados em fossas comuns e fuzilamentos sumários. Os espanhóis lutavam por patriotismo e pela defesa dos valores tradicionais da religião, enquanto os franceses combatiam em nome da razão e da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Mas os horrores perpetrados pelos dois lados eram semelhantes. A tomar partido, Francisco José de Goya y Lucientes preferiu marcar posição contra a guerra.

O pintor aragonês era um dos artistas favoritos da Corte espanhola. retratando reis e nobres, além de pintar temas bíblicos sob encomenda da Igreja. Em 1793, o ano em que os franceses guilhotinaram seu rei, ele contraiu uma doença misteriosa que o deixou completamente surdo, o que transformou seu modo de ver e registrar o mundo: Goya substituiu a representação da realidade objetiva e o respeito pelas convenções acadêmicas por visões fantásticas e assustadoras, mergulhando nos subterrâneos mais obscuros da natureza humana, em séries radicais como os “Caprichos” e “Os desastres da guerra”. Muito mais que um pintor, Goya – foi comparado por Ortega y Gasset a um operário “inculto e de mente lenta” – foi um pensador profundo de seu tempo, comparável a Goethe e Dostoievski na observação lúcida da grandeza e da miséria da condição humana.

Em fevereiro de 1814, pouco depois de as tropas de Napoleão Bonaparte serem expulsas da Espanha, o pintor Goya enviou um requerimento às autoridades. Pintor oficial da corte, ele manifestava o “desejo ardente” de enaltecer por meio da arte a bravura dos espanhóis durante a resistência contra a ocupação francesa.

Aproveitava para ressaltar que, em razão de seu estado de penúria, aceitaria de bom grado uma ajudinha dos cofres públicos para financiar tal projeto. Um inventário revela que, na verdade, Goya era um homem bem remediado naquele momento da carreira. Seu rasgo de patriotismo também continha um tanto de oportunismo: era a maneira encontrada por um liberal de primeira hora de se mostrar mais realista que o rei diante da caça às bruxas instalada com a volta do monarca ultra-tradicionalista Fernando VII ao poder. Mas essa falta de sinceridade justifica-se plenamente com o resultado de sua proposta à coroa.

Como a escolha de uma vida dupla foi essencial para que o espanhol se transformasse numa espécie de pintor-pensador, Goya ganhava dinheiro com trabalhos sob encomenda para a corte. Ainda que isso não implicasse abrir mão da dignidade e da coerência: pela crueza de sua denúncia da guerra, em Três de Maio. Mas foi no recôndito de seu ateliê, sem compromisso com nada além de sua consciência, que criou a parcela de sua obra que fez dele o último e talvez o mais atemporal dos velhos mestres.

Um dos frutos da empreitada ufanista é a tela Três de Maio de 1808, na qual Goya retrata a execução de revoltosos espanhóis por um batalhão napoleônico. Representação máxima da opressão, a imagem se tornaria famosa e muito copiada. Antes dela, porém, Goya pintou uma cena semelhante que não se destinava às rodas áulicas, apenas a seu currículo íntimo.

As diferenças entre o quadro oficial e Fuzilamento num Acampamento Militar (1800-1810) são eloquentes. Em vez do combatente que se oferece ao martírio numa pose altiva, emulando os braços abertos de Cristo, o que se vê na tela “não palaciana” é uma mulher que foge dos fuzis carregando um bebê. O semblante, esboçado em poucas pinceladas, é a tradução do pânico. Os atiradores, sem uniforme, podem ser franceses ou espanhóis. Não há, enfim, me, vestígio do patriotismo da tela posterior.

 

 

Goya, “Los fusilamientos del 3 de mayo”

 

 

Não há desgraça no noticiário que não se possa ilustrar à perfeição com a obra de Goya. A tortura cometida por soldados americanos contra prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib? Os personagens da série de gravuras Desastres da Guerra, que o pintor não publicou em vida para não ferir brios patrióticos, exibiam a mesma indiferença cínica que tanto choca naquelas imagens.

Basta debruçar-se sobre sua obra para identificar o gérmen da barbárie: embora adepto dos ideais iluministas, ele não se furtou a denunciar que o radicalismo (aliado ao populismo) conduziria a Europa ao abismo. Massacres, estupros, linchamentos – a civilização ia ladeira abaixo. Goya pinta os resultados calamitosos de projetos nobres e constata: a tentação do bem é mais perigosa que a do mal.

Goya exprimiu não só o horror da guerra ou dos manicômios mas também, pela primeira vez com tal intensidade, o horror que habita dentro do homem. O gatilho que libertou seus fantasmas foi a surdez. Ele perdeu a audição em 1793, depois de ser acometido por, talvez, uma poliomielite.

Mergulhado em sua “noite auditiva”, Goya pintou bruxas e demônios que faziam a delícia de uma elite que cultivava o desdém pela superstição como certificado do quanto era “esclarecida”. O pintor inovou ao retratar esses seres numa encruzilhada perturbadora entre o real e o imaginário. Os personagens noturnos de Goya inquietam porque insistem em se infiltrar nas brechas da razão.

Na velhice, Goya soltou de vez os grilhões de sua vida interior nas chamadas “Pinturas Negras” que fez nas paredes de sua casa de campo – entre as quais se inclui um Saturno que devora o corpo inerte do filho. Em carta a um amigo, o pintor certa vez explicou por que abraçou toda forma de horror: “Eu já não temo as bruxas, nem os duendes, nem os fantasmas, nem os gigantes fanfarrões (…), não temo nada nem a ninguém, exceto os humanos”.

(Fonte: Veja, 12 de março de 2014 – ANO 47 – Nº 11 – Edição 2 364 – Livros – Cinema/ Por Marcelo Marthe – Artes & Espetáculos – Pág: 102/105)

(Fonte: http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2014/02/16 – MÁQUINA DE ESCREVER/  por Luciano Trigo – 16/02/14)

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