Francisco Bernardone, ou São Francisco de Assis, venerado pelos católicos.

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O SANTO DE ASSIS

O tempo e as circunstâncias do Poverello

Francisco Bernardone (Assis, 5 de julho de 1181 – Assis, 3 de outubro de 1226), ou São Francisco de Assis, monge e teólogo italiano, venerado pelos católicos, admirado pelos protestantes e por outras filosofias. Francisco nos deu o exemplo que é possível viver uma vida reta, basta viver este Deus que mora no seu coração.

No mundo real, algo próximo da reencarnação de Jesus ocorreu quando, em 1181 ou 1182, na cidade italiana de Assis, veio à luz um certo Francisco Bernardone. Ele não nasceu pobre, como Jesus – era filho de rico comerciante de tecidos. Mas se fez pobre por escolha, e inaugurou a nova vida numa cena teatral em que, tendo de um lado o bispo da cidade e, do outro, seu indignado pai, se despiu até ficar todo nu – “nu como Cristo”, disse. Conhece-se, talvez como a de nenhum outro santo, a legenda de São Francisco de Assis. Ele pregava aos passarinhos. Andava com uma simples túnica, na qual amarrava uma corda, à guisa de cinto. Tinha horror a tudo o que era posse ou poder. Beijava os leprosos. Fazia poesias singelas, como o “Cântico do Irmão Sol”. Sobretudo, o Poverello, como foi apelidado, tinha como projeto, mais de um milênio depois, retomar o Evangelho em sua literalidade. Foi tão bem sucedido, na empreitada da imitação de Cristo, que consta ter sido premiado, ao fim da vida, com os estigmas – as mesmas marcas que Jesus recebeu na cruz.

São Francisco transportou para a religião, ele que na juventude viveu entre os ricos, e assimilou-lhes as modas, as fórmulas corteses da cavalaria. A pobreza, ele a chamava de “Senhora Pobreza”. Era uma namorada a quem cortejava. O “jogral de Deus”, como foi chamado, aproximava-se com cuidados de amante de flores da repulsa como a miséria, a sujeira e a lepra. Às moedas, dizia que não se devia dar mais importância do que às pedras. Tudo o que cheirasse a riqueza e poder lhe merecia aversão. Não gostava de livros, porque eram objetos caros, que só a riqueza podia comprar, e porque traziam conhecimento, algo que leva à superioridade, ou à ilusão da superioridade, e portanto ao poder.

Da perspectiva de hoje, São Francisco estaria entre o hippie e o revolucionário – em qualquer caso, um contestador do sistema. Ele próprio reconhecia-se como, digamos diferente. “Disse o Senhor papa mim que queria que eu fosse um novo louco no mundo”, afirmou. Sua face “revolucionária” compreende a decisão de pregar nas praças, junto ao povo, encarando o mundo de frente, bem como escolher os pobres e os simples como modelos. Mas há também uma face “reacionária”. Numa época em que a Europa se reencontrava com o conhecimento, e floresciam as universidades, condenou os livros e a ciência. Numa época em que a economia monetária propiciava a passagem do sufoco feudal para a abertura do capitalismo, condenou o dinheiro.

Francisco equilibrou-se a um passo da heresia. Não é certo, como demonstra, que quisesse fundar uma ordem. Preferiria uma “fraternidade”, uma comunidade de uns poucos, como a de Jesus. Sua insistência em cultivar a pobreza e reviver o Evangelho, numa época em que a Europa se enriquecia e o alto clero mergulhava no luxo, já era, de si, um escândalo. A ojeriza ao poder e às hierarquias piorava-lhe a situação. Ao contrário de outros movimentos contemporâneos com igual dose de contestação, no entanto, o seu não foi anatematizado. O balé de aproximações e distanciamento em que se constituiu sua relação com a hierarquia católica desembocou em conciliação.

Para começar, ele acabou concordando em transformar o movimento numa ordem, o que significava acomodá-lo no seio da Igreja. Ao redigir a Regra da nova ordem, Francisco incluiu itens como a obrigação de pregar, para todos os irmãos, e o direito de desobediência a superiores eclesiásticos, por razões de consciência. Ao passar pelo crivo da Cúria Romana, no entanto, a Regra foi drasticamente modificada. A pregação só poderia ser feita com autorização dos bispos, e o direito de desobediência desapareceu. No capítulo do culto à pobreza, Francisco havia estatuído que, em viagem, os irmãos não levassem bolsa, alforje, dinheiro ou cajado. Depois da intervenção da Cúria, só restou a proibição de ir a cavalo.

Aos poucos, desarmava-se o franciscanismo de sua radicalidade. E, se isso pôde ser desencadeado ainda em vida do santo, depois se tornou muito mais fácil, e célere. A canonização veio logo em 1228, dois anos após a morte, pelo papa Gregório, o que sugere a estratégia de, sem perda de tempo, apropriar-se de sua memória e administrar-lhe o culto, em vez de deixa-lo perigosamente solto nas ruas e praças que Francisco tanto percorreu. Mais dois anos e, em 1230, dá-se a “injúria” como da majestosa basílica erguida em Assis em louvor do santo – monumento que, até hoje, faz simultaneamente a delícia dos turistas e admiradores da arte e a negação do cultuado. Não demorou igualmente para que o dinheiro fosse aceito na Ordem, salvo para fruição individual, e o estudo e os livros entrassem na rotina dos irmãos.

Fica-se indeciso entre o que mais admirar. Se a empreitada de São Francisco ou a habilidade com que ela foi absorvida e retrabalhada. Se o desafio do santo ou a facilidade com que tal desafio foi desarticulado. O que nos traz de volta ao Grande Inquisidor, nem tem nada a ver com ele, mas que nos serve para formular uma conclusão. Que fogueira, que nada. O poder e a ordem estabelecida têm modos muito mais sutis e eficazes de lidar com o que lhes soa inconveniente. Em 3 de outubro de 1226, num sábado, com 45 anos, em Assis o planeta perde o seu maior representante divino.

(Fonte: Veja, 23 de maio de 2001 – ANO 34 – N° 20 – Edição 1701 -– LIVROS/ Por Roberto Pompeo de Toledo – Pág; 160/161)

 

 

O SANTO QUE DISSE NÃO

Ao meditar sobre a Paixão de Cristo, em 1224, Francisco teria visto um serafim crucificado ao alvorecer. Quando este desapareceu, o santo, em êxtase, gritou de dor ao ver as chagas do Senhor em seu corpo.

(Fonte: Veja, 18 de junho de 2003 – ANO 36 – N° 24 – Edição 1807 – LIVROS/ Por Antônio Gonçalves Filho – Pág: 104/105)

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