Fernand Braudel, historiador francês, tinha a erudição de um enciclopedista

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Braudel: autor de obras fundamentais, foi o historiador mais consistente e inovador do século 20

 

Fernand Braudel

Braudel: autor de obras fundamentais, foi o historiador mais consistente e inovador do século 20 (Foto: Solitary Dog Sculptor / Reprodução)

 

Fernand Braudel (Luméville, França, 24 de agosto de 1902 – Paris, 27 de novembro de 1985), historiador francês, tinha a erudição de um enciclopedista, a clareza de um professor exemplar, o rigor de um cientista, a sabedoria de um filósofo, a prosa de um grande escritor e a inventividade de um revolucionário. Misturando todos esses talentos, Braudel construiu uma obra que é um dos poucos marcos definitivos da historiografia do século XX. Ele não apenas reformulou o próprio conceito de História como soube transformar suas ideias em livros fascinantes, exemplos vivos das teorias que defendia. “O poder que o historiador possui é o de fazer os mortos viverem”, disse Braudel. Nos seus livros, estão vivos milhares de homens, civilizações, costumes, modos de pensar e de agir que ele resgatou do esquecimento.

Fernand Braudel nasceu em Luméville-en-Ornois, na França, em agosto de 1903. Depois de lecionar na Argélia, veio ao Brasil com o grupo de intelectuais franceses que ajudou a fundar a USP e ficou três anos no país. Aluno de Lucien Febvre, foi um dos maiores historiadores franceses de seu tempo, tendo publicado no início dos anos 40 seu estudo mais conhecido, “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II”.

Seu primeiro grande livro, o “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico” desenvolve-se em diferentes ritmos: passa do “longo prazo”, do ritmo quase imóvel da geografia e das civilizações, ao tempo lento de grandes ciclos econômicos e sociais e, por fim, ao tempo breve e dinâmico dos acontecimentos do cotidiano.

Sua segunda grande obra original, “Civilização Material, Economia e Capitalismo”, lançado na França em 1979, onde recolheu informações com o distanciamento de um entomologista e conta com lirismo arrebatador. Suas teses revolucionárias, no entanto – como a que atribui à geografia um papel mais relevante que as tiranias no processo histórico.

Braudel foi autor de um dos maiores clássicos da historiografia “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico” redigido de memória por Braudel durante os cinco anos em que ficou na prisão na II Guerra Mundial, este livro é um empreendimento intelectual assombroso. Narra a História do Mar Mediterrâneo, que banha terras e povos da Europa, Ásia e África e portanto concentra grande parte da História  antiga, moderna e contemporânea.

Braudel, que viveu no Brasil entre 1935 e 1938, onde foi professor da Universidade de São Paulo, celebrizou-se por privilegiar em seus estudos aspectos desconsiderados pelos historiadores, como o clima, a geografia e a vida cotidiana.

A obra de Braudel é curta em títulos (apenas sete), mas enorme em dimensões. Seu primeiro livro, “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico” na Época de Filipe II – publicado em 1949, quando o historiador tinha 37 anos -, se estende por quase 1 500 páginas. Nele, Braudel fornece as linhas mestras de seu pensamento histórico. Ele considera em O Mediterrâneo que a História se desenvolve em três tempos distintos. O primeiro é o tempo de longa duração ou “geográfico”, que capta as transformações quase imperceptíveis: o das mudanças demográficas, climáticas e físicas. É o tempo em que se edificam e acabam as civilizações. O segundo tempo é o de média duração, em que transcorrem os ciclos econômicos. O terceiro é o tempo das oscilações políticas, da turbulência conjuntural ou, como o próprio Braudel escreve, do cotidiano da “poeira brilhante dos fatos”. Unindo esses três tempos, Braudel chega à concepção de “História total”.

COM CASTELLO BRANCO – O resultado dessa História total em O Mediterrâneo é espantoso. O livro descreve desde o ambiente físico da região na época do rei da Espanha Filipe II (1527-1598), suas montanhas e rios, até as rotas comerciais e a política dos impérios árabe, turco, pontificial e espanhol. Além disso, fala de detalhes da vida de pastores na Itália e conta como o primeiro camelo chegou a Anatólia, no século XVI. Para conseguir essa proeza, Braudel trouxe para os domínios da historiografia o que de melhor havia em outras ciências, como a Economia, a Geografia, a Antropologia, a Psicologia Social e até a Linguística. Trouxe para a historiografia, ainda, um estilo elegante e claro, capaz de unir todos os dados em sínteses majestosas.

Nascido em Luméville, no nordeste da França, em agosto de 1902, Braudel estudou na Universidade de Paris, a Sorbonne, e, logo depois de se formar, em 1924, partiu para a Argélia, onde lecionou durante doze anos. Em 1935, Braudel veio ao Brasil, junto com intelectuais como o antropólogo Claude Lévi-Strauss e o sociólogo Roger Bastide (1898-1974), para integrar o quadro de professores e fundadores da Universidade de São Paulo. “O Brasil me transformou intelectualmente, disse o historiador em 1984. Foi durante os três anos passados em São Paulo que ele começou a escrever O Mediterrâneo. Em 1949, Braudel voltou ao Brasil para dar conferências. Numa delas, conheceu o futuro marechal Humberto Castello Branco. “Ele se encontrava na plateia, com sua cara de esquilo, muito interessado, lembrou Braudel. Quando Castello Branco assumiu a Presidência, em 1964, o historiador se correspondeu com ele. “Em nome de nossa amizade, por favor não prenda fulano”, pedia o historiador em seus telegramas. O presidente respondia, sempre: “Pedido satisfeito”.

“CULTURA MATERIAL” – Ao retornar à França em 1937, Braudel foi feito diretor da renomada École Pratique des Hautes Études. Durante a II Guerra Mundial, o historiador foi capturado pelos nazistas e internado no campo de concentração de Lübeck, na Alemanha. Contando apenas com sua memória, Braudel continuou a escrever O Mediterrâneo no campo de concentração. Ele sabia de cabeça os dados que pesquisou durante décadas em arquivos da Europa, da África e da América. O Mediterrâneo foi considerado um livro clássico desde a sua publicação. De um lado, o estudo contribuiu para abalar o desenvolvimento, até então célebre, da historiografia marxista, centrada no conceito da luta de classes é apenas um dos elementos, e não o motor da História. Por outro, o livro desmontou também a historiografia acadêmica, que alinhava os fatos políticos numa sucessão retilínea, deixando de lado as condições sociais em que a História transcorre. Braudel trabalhava com a ideia de “cultura material” – aquela que leva em conta os objetos, utensílios, costumes e maneiras de viver.

Essa cultura material está na base dos três volumes de Civilização Material, Economia e Capitalismo – do Século XV ao XVIII, livro que o historiador escreveu ao longo de 28 anos e publicou em 1980. Braudel foi então coberto de glórias, recebendo elogios de todas as partes do mundo. Apesar de ter recebido o título de doutor honoris causa de treze universidades da Europa e da América, Braudel deixou poucos seguidores efetivos. Em parte, isso se deve a que seria preciso ser um outro Braudel para chegar às dimensões que ele atingiu. Em parte, no entanto, a causa é o fato de a historiografia estar se tornando, cada vez mais, um domínio de especialistas em temas restritos ou um reino de ideólogos que apenas querem provar teorias. Por isso mesmo, a obra de Braudel, com sua largueza de vistas, é um monumento único, um vertiginoso empreendimento intelectual.

O historiador francês Braudel morreu no dia 28 de novembro de 1985, em Paris, aos 83 anos.

(Fonte: Veja, 4 de dezembro, 1985 – Edição 900 – DATAS – Pág; 137)

(Fonte: Veja, 23 de agosto, 1989 – Edição 1093 – LIVROS – Pág: 114/115)

(Fonte: Veja, 21 de agosto de 1996 – ANO 29 – N° 34 – Edição 1458 – LIVROS/ Por ANGELA PIMENTA – Pág: 107)

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