Ernesto Geisel, o mais esclarecido dos ditadores: um general poderoso, autoritário e bem formado

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O DITADOR ESCLARECIDO

Geisel: Viveu, amou, conspirou e exerceu o poder, o ditador da distensão

Ernesto Geisel (Bento Gonçalves, 3 de agosto de 1907 – Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1996), um general corajoso no seu reacionarismo, e cuja obra presidencial foi desfeita pelo tempo e pela sociedade.

Ernesto Geisel deixou o poder em 1979 e morreu em 1996, mas a sua Presidência e as ideias que a embasaram parecem tão anacrônicas e distantes quanto a infância do general. “Naquele tempo não havia energia elétrica, usava-se lampião de querosene e, quando se ia dormir, levava-se um castiçal com vela”, lembrava o presidente, falando da vida com seus irmão no interior do Rio Grande do Sul. “Não havia água encanada, era água de poço, tirada em balde ou com bomba manual.” No início do século 20, naquela serra gaúcha de forte imigração italiana, todas as famílias viviam mais ou menos dessa maneira. Só entre os Geisel, porém, as tarefas domésticas tinham o objetivo didático de “criar uma certa disciplina através do trabalho.” Luterano num meio católico, loiro num Brasil moreno, descendente de alemães convivendo com italianinhos “malcriados, cheios de palavrões, sujos”, Ernesto Geisel foi diferente da maioria já na infância.

Também diferiu de seus companheiros de ditadura militar. Ao contrário de Castello Branco, que se deixou levar pelos humores da tropa, tinha um plano e o executou. Viciado em trabalho, achava Costa e Silva preguiçoso. Enquanto Médici era afável e obtuso, seu sucessor fez fama de irascível e culto. Geisel exerceu o poder com gosto, Figueoredo deixou que ele lhe escapasse.

Por falta de tempo, doença, incapacidade, burrice, irresponsabilidade, nenhum dos ditadores do regime de 1964 deixou livros de memória, anotações sobre o poder ou diários. Já Geisel, o mais silencioso deles, um precioso depoimento a Maria Celina Araujo e Celso Castro, pesquisadores do Centro de Pesquisa e Ducumentos de História Contemporânea do Brasil, o CPDoc. Foram dezenove sessões de entevista, feitas entre 1993 e 1994, que renderam 33 horas de gravação e 800 páginas de transcrição. Seguiram-se mais dez encontros entre o presidente e os historiadores, quando foram feitas perguntas complementares.

Um homem cônscio de ser diferente da maioria, que tem a coragem de atacar as eleições diretas e justificar a tortura em alguns casos, ao mesmo tempo em que critica seus companheiros de farda e os presidentes civis. Geisel foi o caçula dos cinco filhos de um órfão alemão que veio para o Brasil com 16 anos, trabalhou como operário numa fundição, como professor primário, como escrivão e terminou dono de cartório. A família do presidente era pobre, digna e orgulhosa.

Pobre a ponto de Geisel só poder ter continuado os estudos porque seu pai ganhou 100 contos de réis na loteria. Na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, por duas vezes foi o primeiro da turma, e ganhou como prêmio uma viagem à Alemanha. Tinha menos de 20 anos, e não viajou porque a pobreza e o orgulho impediram: não tinha roupas adequadas nem disposição para pedi-las emprestado. Geisel conta essas histórias sem nenhuma afetação. É de modo sereno, igualmente, que relata seu namoro com a prima Lucy e a morte do filho Orlando.

Disciplinado e estudioso, sempre se destacou nos quartéis. Dos galardões só lha faltou a glória de ter combatido com a Força Expedicionária Brasileira na Itália – por preconceito antigermânico da cúpula militar.

Como de 1922 a 1984 a oficialidade do Exército não fez outra coisa senão se rebelar, dar golpes e usurpar o poder democrático, Geisel foi revoltoso e golpista.

Participou da derrubada de João Goulart e em 1964 assumiu o Gabinete Militar da presidência de Castello Branco. Com a subida de Costa e Silva ao poder, o seu grupo, cuja liderança divide com o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987) , vai para o ostracismo. No governo de Médici é nomeado presidente da Petrobrás, mantém uma discreta distância em relação ao Planalto e é escolhido para ser o próximo presidente.

É o ápice de sua carreira, e o cume também da ditadura – na medida em que ele era o general mais bem preparado para o cargo e o que tinha mais clareza do que queria. Ele sabia o que queria no plano político (promover uma abertura controlada à direita civil e arrochar a repressão às organizações de esquerda não-terroristas), no militar (enquadrar os órgãos de segurança, redisciplinando as Forças Armadas), no econômico (estatizar ainda mais a economia, controlando os movimentos do empresariado) e na política externa (afastar-se da órbita de influência americana, ter relações estreitas com a África). Esse ápice é também o fracasso de Geisel. Fracasso que o livro deixa entrever. A defesa que ele faz do estatismo econômico, é contundente, articulada e, no final das contas, patética, pois o mundo caminhou noutra direção.

Do antiamericanismo e do africanismo também pouco restou. E restaram os cadáveres da repressão política: no seu governo, 42 adversários do regime foram mortos e 39 desapareceram.

Embelezamento – Mesmo a noção de que Geisel agiu com grande sabedoria para restaurar a disciplina militar sai chamuscada do livro. Candidamente, ele diz que nem tomou conhecimento dos resultados do inquérito militar que investigou a morte de Vladimir Herzog nas dependências do II Exército, em São Paulo, em 1975. Na prática, Geisel passou a mão na cabeça dos culpados do assassinato do jornalista do PCB. Esse carinho com os culpados fez com que, no ano seguinte, o operário comunista Manoel Fiel Filho também fosse assassinado, no mesmo local. Só então o presidente exonerou o general Ednardo Mello, comandante do II Exército. Nem a demissão do ministro do Exército, Sylvio Frota (1910-1996), quase dois anos depois, acabou com a insubordinação militar. Tanto que, no governo seguinte, o de Figueiredo, houve explosões de bancas de jornal, assassinatos e o atentado do Riocentro. No livro, Geisel critica Figueiredo por ter aceito os resultados do inquérito fraudulento do Riocentro – como ele mesmo fez com o inquérito de Herzog.

Esse ligeiro embelezamento de seu papel, à custa do escancarado acobertamento feito por Figueiredo, é talvez o único ponto ilógico do depoimento de Geisel. O livro é de uma lógica interna cerrada, de um racionalismo altamente crítico. Ernesto Geisel elucida o que pensava, e o que queria, o mais esclarecido dos ditadores: um general poderoso, autoritário, bem formado e complexo, corajoso no seu reacionarismo, e cuja obra presidencial foi desfeita pelo tempo e pela sociedade.

Um câncer o matou-o em setembro de 1996, aos 89 anos.
(Fonte: Veja, 22 de outubro de 1997 –ANO 30 – Nº 42 – Edição 1518 – HISTÓRIA/ Por Maria Celina Araujo e Celso Castro – Pág; 42/45)

 

 

 

 

 

 

Geisel: o ditador da distensão

Mão de ferro na abertura

Ernesto Geisel, botou ordem nas Forças Armadas (Foto: jornalismoibmec / Divulgação)

O ditador que mandava, autoritário e imperial, Geisel botou ordem nas Forças Armadas

Quarto presidente do regime militar de 1964, Geisel tinha uma característica incomum entre os presidentes militares: mandava. Foi assim que, com mão de ferro, inviabilizou a ditadura.

Descendente de colonos alemães que precisaram acertar na loteria para sustentar a educação dos filhos, Geisel teve uma longa trajetória até a Presidência da República. Seu pai, o professor Guilherme Augusto Geisel, chegou ao Brasil em 1890. Em 1900 casou-se com Lídia Beckmann, filha de um pastor protestante. Ernesto, nascido em Bento Gonçalves em agosto de 1907, seguiu os irmãos Orlando (1905-1979) e Henrique no Colégio Militar, porque Guilherme Augusto sonhava em ter um filho general. Teve três. Ernesto Geisel formou-se como primeiro da turma em 1924, recebeu a espada das mãos do presidente Washington Luís (1869-1957). E em 1930 estava entre os tenentes que derrubaram a República Velha. Nisso, foi típico de sua geração. Meteu-se em todas as crises militares. Aos 29 anos, quando ajudou a sufocar o levante comunista, já era veterano de quatro rebeliões.

 

Com a vitória de Vargas em 1930, foi para o Nordeste, onde participou da intervenção no Rio Grande do Norte como responsável pela Segurança Pública. Na Paraíba, foi secretário de Fazenda, Agricultura e Obras Públicas. O chefe da política paraibana José Américo de Almeida (1887-1980) ofereceu-lhe um mandato de deputado. Recusou. Nunca teve em alta conta os políticos. Capitão, participou da repressão no Rio de Janeiro ao levante da Escola de Aviação Militar, em 1935. Mas contribuiu para a coleta que ajudou a família de seu colega Agildo Barata, preso como líder da Intentona durante quase todo o Estado Novo. Em 1945, na deposição de Vargas, Geisel levou os tanques do Núcleo da Divisão Blindada para o Palácio Guanabara. Em 1961, na Casa Militar do governo interino de Ranieri Mazzilli (1910-1975), apoiou a solução negociada que deu posse a João Goulart (1919-1976) em troca do parlamentarismo e três anos depois, em 1964, ajudou a derrubá-lo. Sabia lidar com golpes militares, por conhecê-los bem.

 

Depois de 1964, quando assumiu a Casa Militar de Castello Branco (1897-1967), viu o governo dissolver-se ao ser derretido pela candidatura do ministro da Guerra. Tomou alergia a sucessões presidenciais decididas no Ministério do Exército. Portanto, uma década mais tarde, Sylvio Frota iria tropeçar num veterano da derrota para Arthur da Costa e Silva (1899-1969). Catorze anos depois, quando Geisel estivesse tratando de negociar a trégua com a sociedade civil que pavimentou sua própria sucessão, o jurista Raymundo Faoro (1925-2003), então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, saiu espantado de uma conversa com o presidente: “Foi nossa única conversa e ele passou um bom tempo falando mal de Costa e Silva”.

 

O desfecho do governo Castello Branco marcou o de Geisel nos seus dois efeitos mais duradouros: de um lado, o positivo, a demissão de Frota e, do outro, a vitória malbaratada na disputa sucessória com a escolha do general João Figueiredo (1918-1999) para suceder-lhe. Fez do general do Serviço Nacional de Informações um presidente sem consultar a caserna. Fixou-se em seu nome antes mesmo de tomar posse. E arrependeu-se depois. Figueiredo esteve no velório do antigo chefe. Mas havia muitos anos os dois evitavam encontra-se.

 

Depois do governo Castello Branco, promovido a general-de-exército, mas num desvio político, foi para o Superior Tribunal Militar. Lá, mostrou-se um ministro duro. Votou, por exemplo, a favor da manutenção da prisão preventiva do estudante José Dirceu, em 1996, presidente do PT, preso em Ibiúna durante um congresso clandestino da UNE. Em 1967, foi voto vencido contra o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, num processo por desacato às autoridades. O tribunal considerou inepta a denúncia. Geisel, não. Em 1969, tornou-se presidente da Petrobras, a empresa que consolidou sua fama de estatizante. Com ele, criaram-se a BR Distribuidora, a Braspetro e a Petrofértil. Rompeu com seu irmão, o general Orlando Geisel, o temível ministro do Exército de Médici que pavimentou o caminho de sua candidatura, e ele não quis manter no posto.

Foi um dos poucos políticos e o único militar com explicações para cada passo de sua vida, da formação à Presidência. Geisel era assim, objetivo, opiniático e detalhista.

 

Os 59 milhões de brasileiros que nasceram depois de 1979 não sabem o que é temer um governo. No tempo do presidente Ernesto Geisel, temia-se. Naqueles cinco anos, a repressão sumiu para sempre com 39 esquerdistas. Houve tortura nas prisões militares e 42 adversários do regime morreram. No dia em que ele demitiu do Ministério do Exército o general Sylvio Frota, no feriado de 12 de outubro de 1977, pareceu verossímil até às autoridades em Brasília que o terrorismo oficial despejasse sobre o Palácio do Planalto bombas incendiárias. Com tudo isso, quem não temeu seu governo dificilmente saberá que vive há décadas sem medo do arbítrio político por herança do general autoritário.

 

No governo Castello Branco, trabalhando em arquivos da Casa Militar, em meados dos anos 60, o que sobrava em Geisel era disciplina. Trabalhou até 1991, dando expediente diário como diretor da Norquisa, uma petroquímica. A atitude fez dele um caso singular na política brasileira, em que são raros os ex-presidentes. Na dinastia dos generais, Costa e Silva morreu aos poucos no cargo. Seu antecessor, Castello Branco, sobreviveu poucos meses ao mandato.

Mas Geisel, como nenhum outro presidente, exerceu a prerrogativa de inaugurar a fase de normalidade em que passaria o resto da vida. Evitava dar palpites sobre problemas nacionais, mas era uma referência para onde o país virava os olhos em todas as crises.

 

(Fonte: Veja, 18 de setembro de 1996 – ANO 29 – Nº 38 – Edição 1462 – MEMÓRIA – REGIME MILITAR/ Por Marcos Sá Corrêa – Pág: 41/48)

 

 

 

 

 

 

 

 

A Arena, partido do governo militar, homologa o nome de Ernesto Geisel como candidato à Presidência, em 14 de setembro de 1973.
(Fonte: Zero Hora – ANO 45 – N 15.721 – Hoje na História – 14 de setembro de 2008 – Almanaque Gaúcho – Olyr Zavaschi – Pág; 62)

 

O presidente Geisel cassa os mandatos dos deputados gaúchos Nadyr Rossetti e Amaury Muller, em 29 de março de 1976.
(Fonte: Zero Hora – ANO 49 – N° 17.338 – Hoje na História – Almanaque Gaúcho – Ricardo Chaves – 29 de março de 2013 – Pág; 46)

 

Em 13 de outubro de 1978 – O presidente Ernesto Geisel assinou um documento que revogava o Ato Institucional nº 5 a partir de janeiro do ano seguinte. O AI-5, lançado em 1969, foi o instrumento mais severo durante a ditadura militar.
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia)

 

 

 

Em 8 de junho de 1978, o presidente Ernesto Geisel suspende a censura prévia a três jornais brasileiros.

(Fonte: Zero Hora – ANO 53 – N° 18.485 – 8 de junho de 2016 – Almanaque Gaúcho – Ricardo Chaves – Hoje na História – Pág: 36)

 

 

O presidente Geisel sanciona a lei da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1º de julho de 1974.

(Fonte: Zero Hora – ANO 51 – Nº 17.795 – 1º de julho de 2014 – Almanaque Gaúcho – Ricardo Chaves – Hoje na História – Pág: 28)

 

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