Émile Zola, costuma ser lembrado como o romancista que criou o naturalismo, autor de Germinal.

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Émile Zola previu, com humor e ironia, a vitória do impressionismo

Émile Zola (Aix-en-Provence, Paris, 2 de abril de 1840 – Paris, 29 de setembro de 1902), crítico e escritor francês, costuma ser lembrado como o romancista que criou o naturalismo, autor de Germinal, sua obra mais famosa no gênero, em que relata uma greve de mineiros de carvão e denuncia as terríveis condições de trabalho a que eram submetidos. Zola também é admirado pelo libelo Eu Acuso, que promoveu uma reviravolta no famoso Caso Dreyfus, inocentando um oficial francês da acusação de espionagem, num dos processos judiciais mais rumorosos da História da França no final do século 19. A fama do escritor francês veio não só de suas obras como também de seu empenho em defender a absolvição de um condenado, desafiando a justiça e a política de sua época. Zola iria basear sua obra na denúncia social, enquanto os impressionistas iriam pintar cenas da pequena burguesia em festa ou de boêmios decadentes -, eles tinham princípios semelhantes. Ambos elegeram como alvo o cotidiano, as pessoas comuns, a luz natural. Os “confeitos” da mitologia e das ruínas gregas foram banidos das telas e páginas graças a eles.

Poucos admiradores do estilo vibrante de Zola tiveram oportunidade de entrar em contato com uma outra faceta do escritor: o crítico de arte que descobriu e defendeu de seus detratores a primeira grande revolução da arte moderna, o impressionismo. É esse Zola que aparece em A Batalha do Impressionismo, uma coletânea de textos críticos escritos por Zola de 1866 a 1896 que guarda toda a saborosa vibração dos testemunhos feitos no calor dos acontecimentos.

Zola, nesse período, foi uma espécie de Júlio Verne das artes visuais. Assim como Verne anteviu com precisão assombrosa inventos do futuro, como o submarino e a nave espacial, ele previu que alguns pintores ainda em início de carreira iriam ser admirados como mestres de sua geração e criadores de uma nova arte. O nome desses então novatos: Édouard Manet, Paul Cézanne, Claude Monet (1840-1926) e Camille Pissarro, entre outros.

ESCÂNDALO – Em sua primeira tarefa na função de crítico, em 1866, Zola deveria comentar para o periódico L”Événement um salão de arte instalado em Paris aquele ano. Poderia ser mais um entre tantos salões promovidos em Paris anualmente desde o século XVII, reunindo a última safra de pintura em milhares de telas vistas por multidões. Mas o salão de 1866 não foi apenas mais um na visão de Zola. Em meio à enorme massa de telas produzidas dentro da fórmula de sucesso da época – um academicismo requentado e decadente com temáticas históricas e mitológicas -, ele vislumbrou as telas de Manet e, em especial, O Tocador de Pífaro. Manet, na época, era apenas motivo de escândalo e riso. O público se sentia afrontado com a nudez de Olympia ou rebentava em gargalhadas diante de O Almoço na Relva (Déjeuner sur L”Herbe). Zola, então um romancista de 26 anos que ainda não tinha escrito seu primeiro livro de sucesso, não hesitou em decretar: “O lugar de Manet é no Louvre”. E desafiou: “É impossível que Manet não tenha seu dia de triunfo e que não esmague as mediocridades tímidas que o rodeiam.”

Essa nova pintura ainda não tinha nome. Só anos mais tarde, em 1872, Claude Monet iria exibir a tela Impressão – Sol Levante, despertando a ira da crítica e o rótulo então pejorativo de “impressionista”. O movimento artístico só iria se firmar em 1883. Zola, no entanto, com dezessete anos de antecedência, já sabia os fundamentos dessa nova maneira de pintar. Além do olho privilegiado, Zola tinha também um caloroso convívio com os artistas. Ele podia ser visto com frequência em animadas conversas com Cézanne ou Renoir no Café Guerbois – o território onde os jovens pintores tramavam suas revoltas artísticas.

NINFAS – Zola considerava que existem dois tipos de pintores: os que apenas completam o trabalho iniciado pelos pedreiros, tratando de adornar as paredes com decorações elegantes, e os verdadeiros artistas, que “vivem por si mesmos, fora de qualquer escola”. Para esses, ele cunhou a frase célebre: “Uma obra de arte é uma porção da criação vista através de um temperamento.” Sem a impressão digital do artista, sem uma arte pessoal e livre de qualquer receita, o que há nos quadros são “meros exercícios de caligrafia”, assinala. Zola não tinha papas na língua nem com artistas consagrados como Camille Corot. Ele fulmina: “Se o senhor Corot concordasse em matar de uma vez por todas as ninfas que povoam seus bosques e se as substituísse por camponesas, eu o admiraria de forma incomensurável”. Mais uma vez, o ataque não tem nada de pessoal ou gratuito. O crítico se dá conta que a nova pintura não precisa de histórias para narrar, não precisa se apoiar em mitologia – o assunto da pintura é a própria pintura, e tanto faz retratar uma casa ou um bosque, pois o que importa são as cores que a luz revela e que o artista coloca em pinceladas puras na tela.

A franqueza e a veemência exercitadas nas críticas de Zola lhe valeram, como é de se imaginar, muitos desafetos. Nenhum deles chegou a ser lamentado por Zola. O único afastamento que o magoou foi o de Cézanne. Amigos de infância e colegas de escola em Aix-en-Provence, Zola e Cézanne brigaram após o escritor publicar o romance A Obra, o 14° volume do ciclo Rougon-Macquart. Cézanne não perdoou Zola por tê-lo tomado como modelo para o protagonista do romance, um pintor fracassado que acaba se suicidando.

(Fonte: Veja, 10 de janeiro de 1990 – ANO 23 – N° 1 – Edição n° 1 112 – ARTE/ Por Angélica de Moraes – Pág; 100/101)

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