Daphne du Maurier, escritora inglesa, conhecida pelo romance Rebecca: A Mulher Inesquecível

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Daphne Du Maurier, a autora de ‘Rebecca’ — que foi de Hitchcock à Netflix

 

Escritora inglesa desafiou os padrões da literatura do início do século XX e teceu obras de suspense que conquistaram o cinema e, agora, o streaming

 

Daphne du Maurier (Londres, Reino Unido, 13 de maio de 1907 – Fowey, Reino Unido, 19 de abril de 1989), escritora inglesa com mais de vinte livros publicados, que se tornou conhecida mundialmente pelo romance Rebecca: A Mulher Inesquecível, de 1938. Levado às telas em 1940 por Alfred Hitchcock, com Laurence Olivier e Joan Fontaine, ganhou o Oscar da academia como melhor filme do ano.

Autora de origem aristocrática, que mesclava romance e mistério em suas histórias, Daphne preferiu abandonar Londres e se instalar em Fowey, na Cornualha, cenário da maioria dos dez títulos que escreveu. Em 1963, seu conto Os Pássaros foi também adaptado para o cinema, mais uma vez por Hitchcock, se tornando um dos grandes sucessos do mestre do suspense.

 

Em 1937, em uma casa alugada em Alexandria, no Egito, a escritora Daphne du Maurier lançou na lata de lixo o embrião do que seria a sua obra mais famosa, descrevendo as 15 000 palavras redigidas até então como um “aborto literário”. Na ocasião, a autora inglesa, que aos 30 anos já havia publicado quatro romances e duas biografias, acompanhava o marido, oficial do exército britânico, em uma expedição ao país dos faraós, levando na bagagem o esboço de uma história com apenas duas coisas definidas: a premissa de uma narrativa sobre duas esposas, uma viva e outra morta, e o título, Rebecca, também nome de uma delas. Um ano e muito esforço depois, o livro finalmente foi publicado, e encantou o cineasta Alfred Hitchcock, que eternizou a narrativa nas telas em 1940, arrebatando em seguida o Oscar de melhor filme.

 

No suspense psicológico, revivido esta semana pela Netflix em uma nova versão estrelada por Lily James, o ricaço Maxim DeWinter apaixona-se pela narradora da história — uma mulher simples de nome desconhecido que, ao mudar-se para a glamourosa mansão de Manderley, vê-se cada vez mais obcecada por Rebecca, a ex-esposa morta do bonitão. Em sua primeira remessa, o livro teve 20.000 cópias impressas e, de lá pra cá, nunca mais deixou as estantes, vendendo cerca de 4.000 unidades mensalmente no mundo — um feito para uma obra lançada há 80 anos. O estilo intrigante de contornos góticos fez Daphne du Maurier cair nas graças do diretor Alfred Hitchcock, também responsável por adaptar de sua obra os romances A Estalagem Maldita (1939) e Os Pássaros (1963). O cineasta a transformou numa autora cobiçada em Hollywood, que levaria às telas outras tramas assinadas por ela. Agora, Daphne chega ao streaming do século XXI, ainda arrebanhando espectadores para seu já populoso séquito – embora a ideia de readaptar uma história transformada em clássico absoluto por Hitchcock tenha resultado, como era de esperar, em uma produção muitos patamares abaixo.

 

A história de Daphne confunde-se, de certa forma, com a dos seus personagens — há quem diga que ela seria a inspiração para a ácida Rebecca, embora compartilhasse, na verdade, da timidez e do perfil reservado da narradora sem nome. Nascida em Londres, em 1907, Daphne foi educada em casa, ao lado de duas irmãs, com quem compartilhou a infância mergulhada em arte. Seu avô, George Du Maurier (1834–1896), era um escritor renomado, enquanto os pais, Gerald Du Maurier e Muriel Beaumont, faziam sucesso no teatro inglês. O clã era tão bem colocado na alta sociedade britânica que, para Daphne e as irmãs, J.M Barrie (1860-1937), o famoso autor do clássico infantil Peter Pan, era apenas o “tio Jim”, uma visita corriqueira na residência da família. Não foi surpresa, portanto, que ela demonstrasse talento para a escrita.

 

Ainda na adolescência, quando se dedicava aos poemas, foi enviada à França para aprender o idioma, um privilégio desfrutado pelos mais abastados da época. Seu primeiro romance, Loving Spirit, foi publicado em 1931, aos 24 anos, mas carreiras promissoras eram relegadas ao segundo plano para a classe feminina da época, quando um “bom casamento” era a maior conquista que uma mulher poderia almejar.

 

Ironicamente, foi a escrita que levou Daphne para os braços do marido, Frederick Browning. Encantado com Loving Spirit, o jovem oficial do exército inglês desdobrou-se para conhecer a autora, e não demorou até que os dois se apaixonassem e, em 1932, oficializassem a união, que culminaria em três filhos. Contrariando os ditames da época, Daphne não abandonou a carreira, e tornou-se cada vez mais reconhecida por sua escrita. Durante anos, renegou o rótulo de romântica que tentaram lhe enfiar goela abaixo, e consagrou-se com narrativas sombrias, quase sempre protagonizadas por mulheres complexas que vivenciam derrocadas psicológicas em meio a mistérios evolventes. Em uma comparação contemporânea, Daphne é quase uma Gillian Flyn (de Garota Exemplar) do século 20. O sucesso foi tanto que ofuscou o marido militar, relegando-o ao papel de coadjuvante na relação, algo incomum na Inglaterra do início do século XX. “São pessoas como eu, que tem uma carreira, que destroem a antiga relação entre homens e mulheres. Mulheres devem ser contidas, gentis e dependentes. Espíritos livres como o meu estão sempre errados”, escreveu em uma carta a Ellen Doubleday, esposa de seu editor.

 

Ellen, aliás, não era uma simples amiga, mas um amor não correspondido. Daphne passou a vida em conflito com a própria sexualidade. Segundo sua biografia, publicada por Margaret Forster (1938–2016) em 1993, a autora viveu alguns relacionamentos com mulheres, mas não considerava que o desejo pelo mesmo sexo a fizesse lésbica, e travava assim uma batalha com os próprios sentimentos. Na ótica de hoje, talvez fosse considerada bissexual, mas ela também não se mostrava exatamente confortável no próprio corpo. Nas cartas enviadas a Ellen, relata ser uma mulher com “coração e mente de garoto” e, quando criança, passava a maior parte do tempo vivendo como seu alter-ego masculino, Eric Avon, que, segundo as cartas, foi “trancado em uma caixa” na vida adulta — o que levantou rumores de que ela pudesse se identificar como transgênero, embora o termo sequer fosse usado na época.

 

Seu verdadeiro amor, no entanto, não era homem ou mulher, mas Menabilly, uma antiga mansão na região da Cornualha que é cenário de seus livros mais famosos — inclusive Rebecca, na qual o casarão foi renomeado como Manderley. O amor pela residência era tanto que a autora costumava chamá-la de “minha Mena”, um apelido carinhoso para o local que era seu refúgio. Quando se trancava para escrever, ninguém era permitido no cômodo, nem mesmo o filho preferido, que gozava de privilégios não concedidos às irmãs. Fora da literatura, Daphne era uma mulher reservada, e pouco se sabe sobre o que verdadeiramente maquinava em sua mente mirabolante. Dedicava-se ao casamento, mas não era das mais calorosas com a família, embora tenha se aproximado dos filhos quando atingiram a vida adulta.

 

Confira a seguir, três adaptações de sua obra que valem ser vistas:

 

Rebecca

 

Primeiro livro de Daphne a ganhar uma adaptação cinematográfica, Rebecca conta a história de uma jovem simples (Joan Fontaine), que casa-se com Maxim DeWinter (Laurence Olivier), um viúvo rico dono da mansão Manderley. Ao se mudar para a residência, a nova esposa passa a ser assombrada pelas memórias de Rebecca, a amada morta do marido que todos ali parecem idolatrar. O longa de Hitchcock levou a estatueta de melhor filme no Oscar, e é uma combinação primorosa de drama e thriller psicológico.

 

Minha Prima Raquel

 

Depois da morte de seu tutor, Phillip (Sam Claflin) desconfia que sua prima, a bela e misteriosa Rachel (Rachel Weisz), é a verdadeira responsável pela morte do amigo, e vai ao seu encontro em busca de vingança. Ardilosa e perigosamente sedutora, Rachel brinca com as desconfianças, e com a mente, do primo, que acaba perdido entre as suspeitas e uma atração irresistível. Escrito na década de 50, a história chegou às telas pela primeira vez nos anos 80, sob direção de Henry Koster, e ganhou nova versão em 2017, com o comando de Roger Michell (1956–2021).

 

Os Pássaros

 

Já consagrada com os thrillers psicológicos, Daphne jogou-se na ficção científica em Os Pássaros, um conto de temática social em que as aves passam a questionar a supremacia do homem sobre os animais. Adaptado por Hitchcock em 1963, a narrativa conta a história da socialite Melanie Daniels (Tippi Hidren), que vai ao encontro do advogado Mitch Brenner (Rod Taylor) depois de se encantar com ele em uma ida ao pet shop. Ao chegar ao seu destino, a pequena cidade de Bodega Bay, na Califórnia, Melanie descobre que milhares de pássaros tomaram conta da cidade, e estão determinados a matar todos ali.

 

Daphne faleceu dia 19 de abril de 1989, aos 81 anos, de parada cardíaca, na Cornualha, na Inglaterra, deixando mais de vinte livros, e um legado indefectível nos cinemas.

(Fonte: https://veja.abril.com.br/cultura – CULTURA / Por Amanda Capuano – 26 out 2020)

(Fonte: Veja, 26 de abril, 1989 – Edição 1077 – Datas – Pág; 103)

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