Clovis Lugon, historiador suíço, que se dedicou ao estudo das Missões Jesuíticas da América Latina.

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Primeira tentativa racional de organização da sociedade na América

A primeira República comunista da História

Clovis Lugon (1907-1991), sacerdote e historiador suíço, que se dedicou ao estudo das Missões Jesuíticas da América Latina. Clovis Lugon escreveu uma obra sobre as reduções jesuítas com o sugestivo título: “República comunista cristã dos Guaranis – 1610-1768”.

A república comunista cristã dos guaranis, de Clovis Lugon, padre suíço, que se dedicou ao estudo das Missões Jesuíticas da América Latina. A experiência jesuítica-guarani é narrada em quatro partes, é abordada a história dos guarani antes da chegada dos jesuítas; a situação e o aspecto das reduções “no que se refere à população, à organização política, às forças armadas e às relações com a Coroa Espanhola; o trabalho agrícola, “onde predomina o tupãbaê (trabalho para Deus)”; e os ataques do mundo colonial, “os méritos dos jesuítas, o Tratado de limites e a guerra guaranítica onde avulta a figura do índio Sepé Tiaraju”.

Mesmo sem nunca haver estado no Brasil, ou na América do Sul, o padre suíço escreveu a mais completa obra sobre um dos mais controvertidos e importantes períodos da história latino-americana: os 158 anos de existência da “República dos Guaranis”, ou das missões jesuíticas do Paraguai. Na verdade, Lugon raramente saiu da pequena cidade de Sion (20 000 habitantes), no cantão do Valais, Suíça, onde há 43 anos exerce seu ministério na igreja românica de Sion, da qual é pároco.

Na edição de República comunista cristã dos Guaranis, volta a esclarecer um dos mais fascinantes períodos históricos dos pampas gaúchos, que vai de 1610 a 1768. Nesses 158 anos, missionários jesuítas e índios guaranis aldeados numa extensa faixa territorial que atualmente se divide entre o Rio Grande do Sul, o Paraguai, a Argentina e o Uruguai, desenvolveram temporalmente aquela que teria sido a primeira República comunista da História. Afinal, nem mesmo a União Soviética, após cinquenta anos de existência, foi capaz de estabelecer uma sociedade verdadeiramente comunista.

Embora espiritualmente cristã e teocraticamente governada, a República Guarani consagrada o primado do direito à propriedade privada, tornava coletivas as ferramentas e os meios de produção, e, além de estabelecer que a população trabalhasse de acordo com suas aptidões, fazia cada um receber na proporção de suas necessidades. Ela nos aparece na História como a mais fervorosa das sociedades cristãs e a mais original das sociedades comunistas.

Fraternidade cristã – O livro é no conjunto, uma demonstração de que essa “primeira tentativa racional de organização da sociedade na América” representou um modelo sem precedentes de vivência cristã. A República Guarani foi uma sociedade fraternal organizada segundo os princípios cristãos. Com efeito, enquanto o resto do Brasil vivia num sombrio primitivismo, cidades missionárias, como São Miguel, hoje em ruínas, no município gaúcho de Santo Ângelo, dispunham de majestosos templos barrocos, ruas amplas, praças arborizadas, grandes escolas públicas e sólidas casas de arenito vermelho. Orientados pelos jesuítas,os índios despejavam na terra sementes de trigo, vinha, algodão e fumo, pastoreavam o gado, curtiam o couro, fabricavam rendas, tapetes, sinos, relógios e imprimiam livros sagrados – algo que o Brasil só iria fazer cem anos depois com desembarque de dom João VI.

A experiência jesuítico-guarani nas terras à esquerda do rio Uruguai, que a Espanha cedeu a Portugal por força de tratado diplomático, praticamente se encerrou em 1756, quando os portugueses subjugaram militarmente os índios que não desejavam abandoná-las. E, em 1768, a Espanha promulgou decreto expulsando os últimos jesuítas das três províncias do Paraguai, Plata e Tucumã. “O pano cai, assim, sobre uma cena que ilumina cruelmente, para os vencedores, o triunfo por eles obtido sobre os jesuítas e sua República”, diz Lugon.

(Fonte: Veja, 13 de outubro de 1976 – Edição n° 423 – LITERATURA/ Por J. A. Dias Lopes – Pág; 127/128)

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