Charles de Gaulle, general francês, estrategista político, herói nacional.

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A arte da retirada

De Gaulle: UM GRANDE ESTRATEGISTA

Charles de Gaulle (1890-1970), general francês, militar por formação e pensamento, um estrategista político, herói nacional. A arte da política e a arte da estratégia se confundem desde os tempos de Clausewitz e Lênin. Charles de Gaulle era um discípulo consciente do primeiro e talvez tenha sido um seguidor inconsciente do segundo. Sua vida foi a de um estrategista político – a vida de um homem para quem qualquer ação nasce de um pensamento, todos os pensamentos giram em torno da política e todos os atos políticos visam, seja derrubar um obstáculo seja criar uma situação nova ou uma relação de forças diferentes.

A arte da estratégia se decompõe numa grande variedade de atos, episódios e atitudes. O mais difícil em tudo isso, senão o mais importante, é provavelmente a retirada. O maior teste para um estrategista é, na verdade, reconhecer o momento em que a pressão do adversário fica demasiado forte, quando o enfrentamento significa a derrota e quando se torna então necessário o afastamento e mesmo a fuga. Enfim, essa manobra difícil para um combatente, que é recuar sem perder o equilíbrio e, o que é mais importante, a força moral. Charles de Gaulle, militar por formação e pensamento, embora não tenha conhecido da guerra mais do que o comando sem brilho particular de pequenas unidades, foi certamente um estrategista notável.

Sua vida, nesse sentido, foi marcada menos pelos êxitos e ofensivas do que por uma série de retiradas: o estrategista rompe o contato, reinventa uma distância em relação ao acontecimento e ao inimigo e retraça o campo de ação. Dessa maneira, o general Charles de Gaulle executou os quatro atos mais importantes de sua vida: sua partida para Londres no dia 17 de junho de 1940, sua demissão do governo em 20 de janeiro de 1946, seu brusco afastamento de Paris durante a revolução de maio de 1968 e o abandono da vida pública em 27 de abril de 1969.

No dia 17 de junho de 1940, o Exército francês se encontra totalmente dominado pelas forças alemãs. O Ministério chefiado por Paul Reynaud – onde De Gaulle figurava como subsecretário da Guerra – já tinha apresentado sua demissão e o presidente da República, Albert Lebrun, convocara para substituí-lo o marechal Philippe Pétain. Esperava-se que o nome e a glória de Pétain bastassem para facilitar um armistício rápido, de acordo com o desencorajamento da maioria dos franceses. De Gaulle, que acabava de ser nomeado general a título provisório, já gozava então de uma certa fama como especialista em tanques e escrevera quatro livros interessantes, embora ignorados pelo grande público.

No dia 17 de junho ele toma um avião e desce em Londres, onde é recebido por Churchill – que resolvera resistir a qualquer preço e andava à procura de aliados.

Dessa maneira, De Gaulle soube bater oportunamente em retirada, colocando-se num local inacessível aos alemães, recompondo lentamente as Forças Armadas e criando através do rádio, na França ocupada, um estado de espírito que custou a se manifestar mas acabou se transformando na Resistência. Alguns milhares de homens em 1940, algumas centenas de milhares em 1944. Ele tinha reinventado ao mesmo tempo uma certa liberdade francesa e um certo espaço estratégico definido pela fórmula “a França perdeu uma batalha, não perdeu a guerra”. Mas no próprio curso dessa política fundamental de alianças De Gaulle utilizou às vezes a arte da retirada e do contra-ataque em relação a Churchill e a Roosevelt, como se tivesse decidido ser tão orgulhoso, intolerante e mesmo insuportável nas negociações quando, na verdade, era pobre e desprovido de armas. Como ele declarou certa vez a Churchill: “Minha posição é fraca demais para que eu me incline”. Foi dessa maneira que ele conduziu a França para o campo dos vencedores.

No começo de 1946, Charles de Gaulle é, já há dezoito meses, o chefe do governo. Entrara em Paris como um triunfador, ganhara a estatura de um herói nacional e dirigia um governo composto por comunistas na sua terça parte – primeira experiência na história política da França – e fizera votar uma legislação social audaciosa. No conjunto, apesar do seu caráter demasiado rígido e da extrema dificuldade em se dobrar às regras da democracia, governava com êxito. A recuperação da França arruinada se opera lentamente e no fim de 1945 ele é escolhido novamente pelo Congresso, por unanimidade, como chefe de governo.

Mas De Gaulle já sente crescerem novas forças que não dependem dele, da sua lenda nem do seu passado. São os partidos, não apenas o comunista, como também os socialistas e os democratas-cristãos. Cedo ou tarde, o general seria envolvido por suas manobras, vítima das suas combinações ou sacrificado a seus interesses. Bruscamente, sem que nada ainda o ameace, ele convoca seus ministros para comunicar que, recusando as tentações de ditadura, se retira para dar lugar aos partidos. Talvez essa tenha sido também uma verdadeira retirada estratégica, uma manobra de artista que dá um passo atrás das cortinas do palco na esperança de que o público o chame novamente.

Havia na sua atitude, é verdade, uma parte de cansaço e de irritação provocados pelos jogos políticos que ele julgava indignos de si, uma impaciência acumulada ao longo dos anos da guerra e das provações da libertação. Havia também a recusa de ceder à tentação do que ele chamava ditadura, esse poder pessoal que alguns de seus companheiros gostariam de vê-lo conquistar. Mas na retirada de janeiro de 1946 houve talvez uma parte preponderante de astúcia. Com seu afastamento, De Gaulle desejava mostrar o vazio que se criaria e dar aos franceses a impressão de um desequilíbrio trágico. Se nessa noite ele falasse pelo rádio convidando o povo a segui-lo, talvez tivesse conseguido atrair uma maioria.

De Gaulle se reencontrou a sós consigo mesmo em Colombey, pronunciou alguns discursos sobre a necessidade de um poder forte, em Bruneval e Bayeux, e começou a ser procurado por amigos que lhe suplicavam para entrar na batalha. Então, em abril de 1947, ele anunciou a fundação do RPF (Rassemblement du Peuple Français), no qual via uma vasta organização não partidária, uma “resistência sem guerra”, mas que na realidade não tardou em reagrupar todas as forças tradicionais conservadores. O RPF obteve grandes sucessos eleitorais de 1947 a 1951. Mas, rapidamente, De Gaulle deixou de acreditar no movimento. Seja dito em sua honra que ele se recusou a chefiar um partido neofascista obcecado em travar uma cruzada anticomunista. Um ano mais tarde, De Gaulle retornava o caminho de Colombey, para iniciar sua “travessia do deserto”, dedicada à redação de suas memórias e a espaçadas conferências à imprensa, nas quais denunciava o sistema da IV República.

Em 1958, a guerra da Argélia provoca dissensões tão profundas no país, opondo brutalmente partidários da manutenção do sistema colonial e defensores da emancipação dos povos, que a França se vê à beira de uma guerra civil. De Gaulle é procurado para cortar o afrontamento pela raiz. Não que ele seja o árbitro ideal: na época, ele parecia ser o candidato do Exército e da Argélia francesa, que elogiava publicamente. Mas muitos sabem que, na realidade, seus conceitos são outros.

Aliás, é bem menos por suas ideias ou intenções, ou mesmo por suas alianças, de De Gaulle é chamado: é porque o país desnorteado, inquieto, dividido, procura um homem, um “pai”, um personagem simbólico de sua unidade imaginária. Assim, eis novamente o Grand Charles no poder, mas desta vez com uma constituição que ele esculpiu à sua imagem e adaptou segundo o rumo dos acontecimentos. É Charles de Gaulle em monarca presidencial, decidido a prestar contas apenas à História.

Por ele ter conseguido a paz na Argélia, desembaraçado a França de seus problemas coloniais, por ter restabelecido uma certa ordem sem instaurar uma verdadeira ditadura, por ter dado à França – através de seu prestígio pessoal, talento e imaginação – um lugar de destaque no mundo, a grande maioria dos franceses o segue. Mas os anos passam. Mais uma vez, ele começa a se tornar incômodo. Suas invenções em política exterior, que até então encantaram o povo francês, começam a parecer estranhas, absurdas. O que pensar de sua hostilidade à entrada da Inglaterra no Mercado Comum, de seu “Viva Quebec Livre”, de sua condenação a Israel? A confiança começa a escassear.

Nesse meio tempo, a juventude sente tédio, se inquieta com o desemprego dos intelectuais, se irrita com o sistema estreitamente hierarquizado do seu maio ambiente e da França inteira, marcados pela poderosa e muitas vezes pesada personalidade de seu chefe. A universidade explode em todos os lados: créditos insuficientes, acomodações deficientes, professores tradicionalistas. Um novo revolucionarismo, que vai romper com as tradições legalistas do Partido Comunista Francês, emerge e desencadeia a rebelião de maio de 1968. Pela primeira vez, De Gaulle não compreende mais nada. Nos jovens em revolta ele vê apenas um punhado de agitadores sem consequências. Por isso ordena só vagamente que a ordem seja restabelecida e parte em viagem oficial à Romênia. Na sua volta, entretanto , encontra uma quase revolução: um bairro inteiro de Paris, constituído numa espécie de comuna, escapa ao controle da polícia, há 10 milhões de trabalhadores em greve.

Que fazer? As alavancas do Estado deixaram de funcionar. Sua arma até então infalível – um discurso apêlo-ao-povo retransmitido na França inteira – suscita apenas o escárnio de seus adversários e a tristeza de seus amigos. Mais uma vez o velho estrategista escolhe o exílio. Sem prevenir ninguém, nem mesmo seu primeiro-ministro, ele parte de helicóptero para a Alemanha e aterra, sem querer pedir autorização ao governo de Bonn, no QG das forças francesas aquarteladas no país vizinho. Para pedir a intervenção de seu amigo de sempre e também comandante das tropas na Alemanha, general Massu?

Não exatamente. Mais do que tudo, e quase por intuição, De Gaulle sentiu necessidade de arejar e aumentar a distância entre esta Paris agitada, febril, transtornada, e ele mesmo. E também de rever um velho companheiro de armas, para se confiar, estudar as diferentes opções possíveis. Não que De Gaulle tenha partido em busca de reforço. Ele partiu, só isso. Foi uma espécie de retiro no absoluto.

Duas horas mais tarde, De Gaulle já está em Colombey. Pela primeira vez em um mês, ele consegue dormir. Só então anuncia seu retorno a Georges Pompidou e decide fazer na mesma noite um novo pronunciamento à nação. Seus colaboradores, que, com Pompidou à frente, já se indagavam se não era chegado o momento de preparar a sucessão, encontram um De Gaulle rejuvenescido. Ele segura o microfone e lança um apelo improvisado ao povo: a grande maioria dos franceses o acompanha. Dessa vez, a estratégia da retirada conseguiu milagres, criando uma impressão de vazio e uma corrente de apelos para o seu retorno. Mas seu prestígio já estava atingido. Ele guardará, desde então, a lembrança da mensagem anterior que não teve alcance e das horas de agonia em que conheceu uma Paris hostil, esquiva, quase sarcástica.

Simples acesso de febre política, talvez, mas para De Gaulle são horas inesquecíveis. Ele perdeu confiança em si mesmo e foi obrigado a reconhecer que, no fim das contas, se o Estado ainda existia, se ele mesmo – De Gaulle – conseguira retornar a Paris, a razão maior se encontrava na resistência de dois ou três homens, entre os quais o seu primeiro-ministro Georges Pompidou. As eleições organizadas um mês mais tarde e que dão ao gaullismo uma maioria até então desconhecida na história política do país representam, antes de mais nada, uma vitória de Pompidou, de sua tática, de seus métodos e de seus amigos.

Charles de Gaulle viu-se ameaçado de perder toda a força, transformando-se numa espécie de doente político obrigado a buscar o apoio de seu primeiro-ministro como o de uma muleta. É então que ele rompe com Pompidou e se lança a uma série de operações políticas aventurosas, em busca do antigo prestígio e da influência perdida. Segue-se a recusa em desvalorizar o franco, a agressividade de sua política no Oriente Médio e a brusca reaproximação com os Estados Unidos. Além disso, como quase tudo para De Gaulle passou a ser medido pela voz de seu povo, ele inventa um novo referendo para testar as massas e computar sua fidelidade. O terreno escolhido é banal: regionalização da França e reforma do Senado.

Comparada a suas batalhas anteriores, esta última é particularmente medíocre. Mas ao mesmo tempo decisiva, pois dela depende sua sobrevivência política. Ele mesmo talvez quisesse apenas ver se ainda era capaz de dominar, dirigir, mobilizar os franceses em torno de sua pessoa. Ou então, por meio dessa roleta russa, talvez estivesse satisfazendo um desejo secreto de “cair” por uma questão secundária.

Ele está abatido. Embora o resultado do referendo não o obrigue a pedir demissão, ele anuncia sua retirada. Para tanto, um simples comunicado de onze palavras, divulgado na noite de 27 a 28 de abril de 1969, é suficiente. Ele se despede dos franceses e da política, desta vez sem esperança de ser chamado de volta. Ele se despede não por sua causa, mas para preservar sua estatura. Para que a figura do general De Gaulle seja a de um homem livre, que abandonou suas funções quando quis, que preferiu não se impor a seu povo, que bateu em retirada como um estrategista perfeito: aquele que não causa derramamento de sangue…É de novo uma retirada, mas não mais para ganhar, e sim para depurar seu personagem, isolá-lo do acontecimento diário e medíocre, oferecê-lo à História sem uma velhice a la Pétain.

Com a morte, De Gaulle efetua agora a última de suas retiradas. Não pode escolher a ocasião, mas impôs sua forma com uma humildade orgulhosa, uma modéstia desdenhosa, sem par. Esta morte, que ele desejou sem cerimonial, sem louvores nem decorações, é a mais “gaulliana” entre as retiradas de Charles de Gaulle.
(Fonte: Veja, 18 de novembro, 1970 – Edição n.° 115 – INTERNACIONAL/ Por Jean Lacouture, biógrafo, ensaísta, professor e jornalista do “Le Monde”.
– Pág; 42 à 46)

O grande final
DE GAULLE: UMA ETERNA DIGNIDADE
Na noite de quarta-feira, 11 de novembro, enquanto aguardava para desembarcar no aeroporto de Orly, em Paris, o presidente Richard Nixon reuniu na cabina “Air Force One” os jornalistas que o acompanhavam e começou a falar sobre Charles de Gaulle. Com simplicidade, lembrou os quatro encontros que teve com o general, e concluiu: “Gostaria de contratar para meus serviços na Casa Branca o redator da mensagem pronunciada dia 10 de novembro pelo presidente Ponpidou (“O general De Gaulle morreu,a França está viúva”)”.

Dificilmente, porém, Nixon poderia realizar seu desejo: quem escreveu o texto foi o próprio Pompidou. Em Paris, entretanto, a mesma frase causou profundo desagrado entre os membros mais gaullistas do governo (inclusive o primeiro-ministro Jacques Chaban-Delmas e o ministro da Defesa Michel Debré), que teriam preferido “A França está órfã”. Mas Pompidou não aceitou a retificação, alegando que De Gaulle havia amado o seu país com ciúme e com paixão, como um marido – e nunca como um pai.

De fato, entre o general e a França, nos últimos trinta anos, houve muitas brigas e reconciliações, crises de surdo rancor e ímpetos de profunda ternura, para chegar à amarga decisão do desquite, celebrado bruscamente ao meio dia de 28 de abril de 1969, quando De Gaulle decidiu retirar-se para Colombey-les-deux-Églises. Mas nem por isso a esqueceu de vez: continuou escrevendo-lhe cartas, em forma de “Memórias”, cujo primeiro volume foi lançado em outubro de 1970.

O general estava justamente trabalhando no terceiro capítulo do volume II, quando na noite de segunda-feira, 9 de novembro, por volta das 18 horas, sua esposa anunciou que o jantar estava pronto. E, como sempre, ainda ficou alguns minutos: escreveu mais algumas linhas, guardou as laudas cheias de correções e rasuras em uma pasta e desceu à sala de jantar. Também como de hábito, sentou ao lado da televisão, pegou seu velho baralho numa caixa e iniciou um jogo de paciência, enquanto chegava os preparativos.

Venha ver – O “solitaire”, jogo de paciência que Napoleão também praticava antes de engajar uma batalha, consiste em eliminar, de quarenta cartas do baralho, todas as combinações formando o número oito e as sequências de valete, rainha e rei. Na noite de sua morte, entretanto, De Gaulle conseguiu apenas preparar a primeira mão do jogo. Depois empalideceu, baixou a cabeça e dobrou o corpo.

Usurpador – Georges Pompidou recebeu um telefonema do genro de De Gaulle, general Alain de Boisseieu Dean de Luigne. Os servidores da segurança militar, que também só foram avisados de madrugada, demonstraram a mesma surpresa de Pompidou: segundo a tradição, eles devem ser avisados imediatamente após a morte de qualquer general das Forças Armadas, a fim de evitar que algum documento relativo à segurança nacional seja revelado inoportunamente. A protagonista foi Yvonne Vendroux de Gaulle, que se casou com o general maio século atrás. “Tante” Yvonne, como era chamada pelos franceses durante o longo regime gaullista, tinha três amores em sua vida: seu marido, que ela sempre considerou seu grande herói, Gary Cooper, único ator cuja morte chorou discretamente, e Georges Pompidou, o brilhante ex-professor de liceu, que começou sua carreira ao lado do general como tesoureiro da Fundação Anne de Gaulle, para crianças deficientes.

Mas Pompidou não soube guardar nem retribuir o amor quase maternal de “Tante” Yvonne. A seu ver, Pompidou quis crescer demais, e com pressa excessiva. Em 1969, em Roma, quando De Gaulle ainda estava no poder, o ex-primeiro-ministro declarou publicamente sua candidatura à sucessão do general. Foi o fim de toda e qualquer amizade. A partir desse momento, madame De Gaulle nunca mais chamou Pompidou de “nôtre cher ami”, mas a palavra “usurpador”, que teria pronunciado na intimidade dos salões do palácio do Eliseu, definiu as novas relações que parecem vigorar entre eles.

Ultimato – Madame De Gaulle cuidou também de arquivar em oito pastas todos os papeis mais preciosos do general, inclusive os capítulos inéditos de suas “Memórias” inacabadas, para guardá-los em lugar seguro. Entre esses papeis também deve estar o verdadeiro testamento político de De Gaulle. E quando o diretor da editora Plon, de Paris, diz que pensa em publicar “documentos de grande importância” fornecidos pela família De Gaulle, pode-se prever que esse seu projeto vai além de um simples feito editorial: ele anuncia um acontecimento político da mais alta importância.

De fato, sua morte política, em abril de 1969, revelou-se cheia de armadilhas e bastante embaraçosa para os sobreviventes que se aliaram a Pompidou. Sua morte física, no dia 11 de novembro, ameaça renovar o pesadelo e talvez provocar uma crise no governo. Que a morte de Charles de Gaulle não seria apenas um acontecimento histórico ficou claro desde a publicação do documento sobre seu próprio enterro. Desse documento, escrito em 1952 mas pontualmente renovado de ano em ano, ele havia feito três cópias: uma para Pompidou, uma para o seu genro e a terceira para sua esposa. O atual presidente da República, entretanto, ajudado por outros membros do governo, teria tentado várias manobras para evitar sua publicação – pelo menos é o que se questiona em Paris.

Madame De Gaulle, por sua vez, teria enviado, de Colombey, um seco ultimato : “Se o documento não for publicado pela Presidência da República até as 11 horas de hoje, terça-feira, vou confiá-lo a uma agência noticiosa, que não será forçosamente a France-Presse”. Para evitar um escândalo maior, Pompidou autorizou sua difusão às 10 horas do mesmo dia, quando os franceses souberam através de um curto comunicado radiofônico que De Gaulle tinha morrido. Na Itália, na Suíça e na Alemanha, entretanto, a notícia já circulava oficiosamente.

Diploma – Em Paris, logo após a divulgação da notícia, as ruas ficaram desertas. As bandeira da França, que já estavam hasteadas para a comemoração da vitória de 11 de novembro de 1918, logo desceram a meio pau. “A França está viúva”, disse Pompidou na sua mensagem de trinta segundos, pronunciada com visível emoção. Mas todos sabiam que o general, mesmo após sua morte, havia decidido manter fechadas para seu ex-colaborador as portas de Colombey. Recusando qualquer honraria, homenagem oficial – inclusive a presença de “presidentes” -, De Gaulle fizera prova de grande humildade ou de orgulho profundo?

Enquanto os analistas políticos tentavam responder a essa pergunta, o povo nas ruas de Paris interpretava as últimas disposições do general unânimemente: evitar que Pompidou, no fim das contas, fosse até Colombey para receber seu diploma de “continuador”. Aos que tentam objetar que o documento é de 1952, os entendidos respondem: “Certo, mas durante dezoito anos o general se negou a modificá-lo, apesar das muitas tentativas feitas nesse sentido por Pompidou”.

Dignidade – De qualquer maneira, o presidente da República e o primeiro-ministro Chaban-Delmas foram a Colombey. Mas agiram com discrição, dispensando escolta e evitando os quatrocentos repórteres que montavam guarda junto da casa de De Gaulle.

Durante quatro dias -, se Colombey foi a verdadeira capital da França, Paris transformava-se na capital política do mundo. Mais de 200 000 pessoas chegaram a Colombey para assistir silenciosamente ao cortejo fúnebre do general. Mas os instantes finais do enterro, se cobriram de uma rara dignidade. Cercada pela multidão silenciosa, a viúva do general, despediu-se sem uma lágrima e sem uma palavra – exatamente de acordo com a simplicidade que ele havia pedido.

Poucas horas antes, o mundo inteiro, representado por imperadores, rainhas, presidentes, chefes de Estado e embaixadores, também tributara em Paris a última homenagem a De Gaulle. Um dos setecentos jornalistas presentes – locutor de um rádio americana – observou ao microfone: “Há mais pessoas reunidas aqui do que no enterro do presidente Kennedy”. Ao todo, vieram a Paris mais de 1 200 jornalistas. Só no avião presidencial de Richard Nixon chegaram 44 repórteres americanos, que ocuparam um andar inteiro do hotel George V. Um dos salões do hotel foi transformado em sala de redação e o Correio francês instalou, em quatro horas, dez ligações telefônicas permanentes com os Estados Unidos para que as informações sobre as cerimônias oficiais chegassem imediatamente.

Seria preciso contabilizar, igualmente, os 300 milhões de telespectadores que acompanharam em 25 países as cerimônias de Notre-Dame e Colombey-lesdeux-Églises. Além disso, mais de 1 milhão de pessoas desfilou pela avenida dos Champs-Elysées, cobrindo de flores a Place de L’Etoile e o Arco do Triunfo – espetáculo que não se vê muitas vezes na mesma geração e, por isso mesmo, evoca imediatamente outro desfile, em 1945, quando o general De Gaulle, pela mesma avenida, conduziu a marcha da liberação de Paris.

Profecia – Foi sobretudo o símbolo do chefe da Resistência que se lamentou com mais intensidade – tanto o povo como os políticos. O De Gaulle dos últimos anos de poder continua uma figura controversa, que não escapará talvez ao esquecimento. Foi um grande estadista e um homem excepcional; pena que nos últimos tempos não se tenha conseguido compreendê-lo. No túmulo, em Colombey-lesdeux-Églises, está escrito apenas: “Charles de Gaulle, 1890-1970”. Mas, certamente, muito se escreverá ainda sobre sua vida. “Um dia, o mundo inteiro irá perceber quem era realmente De Gaulle”, profecia que fez André Malraux, companheiro de todas as horas e um dos seus raros amigos.

(Fonte: Veja, 18 de novembro, 1970 – Edição n.° 115 – INTERNACIONAL/ Por Jean Lacouture, biógrafo, ensaísta, professor e jornalista do “Le Monde”.
– Pág; 42 à 46)

Em 30 de maio de 1968 – O presidente francês Charles De Gaulle anunciou a convocação de eleições parlamentares para tentar conter as tradicionais manifestações de maio.
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 30 de maio)

Em 3 de julho de 1962 – Charles de Gaulle, presidente da França, anunciou a independência da Argélia.
(Fonte:http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 3 de julho)

Em 24 de julho de 1967 – Em visita ao Canadá, o presidente Charles De Gaulle, da França, defendeu a independência do Quebec. A visita foi encerrada pelo primeiro-ministro canadense.
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 24 de julho)

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