Chagas Freitas, duas vezes governador do Rio de Janeiro, um dos maiores caciques da política carioca

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Ninguém mandou mais no Rio de Janeiro do que Chagas Freitas, entre meados dos anos 60 e as eleições de 1982, quando foi extirpado do governo como se fosse ele o foco de todo o atraso político que apodreceu o Estado.

 

Antônio de Pádua Chagas Freitas (Rio de Janeiro, 4 de março de 1914 – Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1991), duas vezes governador do Rio de Janeiro, um dos maiores caciques da política fluminense: o ex-deputado federal e ex-governador Antônio de Pádua Chagas Freitas. Nascido no Rio de Janeiro, ele morreu dia 30 de setembro de 1991, vítima da ruptura de um aneurisma abdominal, aos 77 anos. Encerrou-se aí uma carreira política feita de glórias, que criou a legenda do chaguismo e se despetalou mais tarde num abismo humano. Ninguém pode exibir um contraste tão intenso como Chagas Freitas, quando se comparam sua política e sua vida. O vitorioso homem das multidões, político sagaz de carreira fulminante que criou um estilo peculiar, acabou seus dias entre quatro paredes, solitário e deprimido dentro de um apartamento, onde tateava a fronteira da demência e as dobradiças das janelas à procura do suicídio – que tentou sete vezes nos últimos oito anos.

 

Chagas Freitas elegeu-se pela primeira vez deputado federal em 1954 pelo Partido Social Progressista, o PSP, e conseguiu quatro mandatos consecutivos no Congresso até 1970. Só trocou de partido na bitola do bipartidarismo e aplicou um truque: optou pela oposição reunida no MDB. Era um articulador com perícia de manobreiro. Mesmo num partido de oposição, foi nomeado governador do Rio de Janeiro duas vezes pelos militares – de 1971 a 1975 e de 1979 a 1983. No Palácio Guanabara construiu a parte mais fértil da sua carreira e deu origem ao chaguismo. Só aceitava as nomeações para o governo caso elegesse a maioria da bancada fluminense em Brasília e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Sempre elegeu e, como governador, criou um estilo que deixou seguidores: o de apoiar-se na marginalidade carioca, no chefe do morro, no dono do jogo do bicho. Esse fenômeno, em que se confundem a coisa pública e a coisa marginal, transformou Chagas Freitas num político essencialmente carioca.

 

TRINTA FICHAS – Era populista, demagogo e assistencialista. Chagas Freitas surgiu pela lateral dos partidos mais tradicionais da época, como a UDN e o PTB, e produziu boa parte do folclore político do Estado do Rio de Janeiro. No início dos anos 70, o jovem candidato Marcelo Medeiros recebeu certo dia um telefonema do governador. A empregada informou que Medeiros estava dormindo. Chagas Freitas chamou-lhe mais tarde e entregou-lhe trinta fichas com respostas mais adequadas. A empregada deveria dizer que Marcelo Medeiros estava na favela da Rocinha ou levando um eleitor ao hospital. “Assim, as pessoas vão achar que você é o melhor candidato do mundo”, explicou ao candidato. Medeiros foi um dos deputados federais mais votados do Rio de Janeiro. Chagas Freitas conhecia muitos truques. Um deles era visitar terreiros de umbanda, onde chegava balançando os bolsos para que os pais-de-santo ouvissem o barulho das moedas. “Ele doava todo seu salário para instituições de caridade sem fazer alarde”, conta o discípulo Marcelo Medeiros.

 

Sua carreira política encerrou-se em 1983. O ex-dono do Rio de Janeiro passou o governo para as mãos de Leonel Brizola, seu maior adversário e, no entanto, seu mais fiel seguidor na maneira de fazer política. Dopoder total, Chagas Freitas passou à obscuridade total e iniciou-se o capítulo mais dramático de sua vida. Já doente, com problemas renais que o levaram a catorze cirurgias e exibindo sinais do mal de Parkinson, desceu o poço escuro da sua vida em família. O exímio articulador político, capaz de conjugar o título de biônico com urnas cheias de votos, não conseguiu unir a própria família, despedaçada numa ferrenha disputa por sua herança. Ao terminar seu último governo, Chagas Freitas resolveu vender o jornal O Dia, o de maior circulação no Rio de Janeiro e um instrumento privilegiado de sua influência política. Acabou por desencadear a fúria dos filhos, que recorreram à Justiça contra a venda do jornal, questionando a sanidade mental do pai.

 

O controle de O Dia passou às mãos de Ari Carvalho por 2 bilhões de cruzeiros. Segundo os filhos Cláudio e Márcia Freitas, o diário valia na época pelo menos doze vezes mais. Acuado pela briga com os filhos, Chagas Freitas passou a temê-los. Desorientado pela doença e pela disputa na família, tornou seus 200 imóveis inalienáveis e escondeu num cofre particular uma quantia equivalente a 50 000 dólares. No final de 1983, depois que Cláudio e Márcia retiraram a ação judicial contra o pai, o ex-governador acabou ingressando numa espécie de inferno em vida. Brigado com dois dos seus três filhos, ficou também sem a companhia da mulher, Zoé Noronha, de quem se separou temporariamente. O chefão do Rio de Janeiro perdeu-se na solidão. No apartamento que dividia com o filho Ivan, o único com quem mantinha uma relação afetuosa, tentou o suicídio pela primeira vez. Quando Ivan chegou em casa, encontrou o pai trancado no escritório. Ivan arrombou a porta e viu-o com um revólver na mão em frente à janela. Na mesa, um bilhete de espedida que mais tarde destruiu.

 

A procura pela morte não foi queimada junto com o bilhete. Em 1984, Ivan, um filho extrovertido e assíduo das noites cariocas – em tudo diferente do pai -, morreu num acidente de carro e levou consigo a vontade de Chagas Freitas de permanecer vivo. O político poderoso e astuto passou a trilhar o caminho de derrota em derrota. “Desde então, ele tentou se matar seis vezes”, revela Cláudio. O apartamento onde morava com sua mulher, em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, era o retrato mais deprimente de sua decadência. As janelas eram trancadas com parafusos para que não pudesse abri-las e tentar se jogar. Doente e empobrecido, depois de doar todos os bens à família, poucos meses antes de morrer levou uma faca para o quarto, escondida dentro do robe, e tentou desparafusar os trincos para tentar o último salto. Não conseguiu. Teve de esperar que a morte natural o libertasse de seu desespero lancinante.
(Fonte: Veja, 9 de outubro de 1991 – ANO 24 – N° 41 – Edição 1203 – Memória/ Por Marcos Sá Corrêa – Pág; 100/101)

 

 

Chagas anteviu o peso de Brizola
De uma coisa o governador Chagas Freitas pode se orgulhar: em 1979, numa magistral demonstração de argúcia política, previu, numa reunião com generais, que o retorno do ex-governador gaúcho Leonel Brizola ao Brasil poderia ser o prenúncio de uma vitória eleitoral e, na sua opinião, uma ameaça à abertura. Os generais que ouviram Chagas não lhe deram crédito. Agora, com Brizola liderando as pesquisas, o mais importante dos comandantes militares do Rio de Janeiro, o chefe do I Exército, general Heitor Luís Gomes de Almeida, anunciou: “Cumpro exatamente o que o presidente disse naquela entrevista em que ficou irritado”. Ou seja, que a abertura não é um embuste.
(Fonte: Veja, 27 de outubro de 1982 – Edição 738 – Radar – Pág; 47)

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