Bohumil Hrabal, autor do célebre e obra-prima “Eu Servi ao Rei da Inglaterra”, um romance primoroso que se destaca pelo inusitado

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O baixinho que virou gigante

 

Bohumil Hrabal (Brno, República Checa, 28 de março de 1914 – Praga, República Checa, 3 de fevereiro de 1997), escritor tcheco, autor do célebre e obra-prima “Eu Servi ao Rei da Inglaterra”, um romance primoroso que se destaca pelo inusitado a cada página, em que o protagonista, o garçom Ditie, personagem marcante se envolve em uma série de aventuras e desventuras ao longo da vida.

 

 

Como um “Forest Gump” ou o Sr . Jardim (“Muito Além do Jardim”) do cinema, sua ingenuidade parece atrair a sorte e, assim, a vida o leva para as mais inesperadas situações. Hrabal se revela nesse livro inesquecível um mestre em criar tipos humanos tão profundos que consegue lhes dar alma, a ponto de transcender das páginas do livro. Seu anti-herói irresistível prende o leitor com um relato “autobiográfico” comovente, capaz de convencê-lo a sofrer com ele num mundo de aparências e rígidas regras de conduta moral, em que todos os cidadãos são vigiados em tempo integral, inclusive por supostos amigos e vizinhos.

 

 

A estrutura de “Eu Servi ao Rei da Inglaterra” – dele, também lançou depois o ótimo “Uma Solidão Ruidosa” – reforça a incomum capacidade dos tchecos de exercitar a imaginação para fazer obras de grande relevância literária, marcadas pela ênfase em personagens e situações que revelam o absurdo da vida. Em sua caminhada, seu alter-ego se depara com os mais diversos tipos humanos, que fazem do autor um talento inesgotável de imaginação. Como o professor que mergulhou tão fundo na leitura de um livro que não percebeu o que aconteceu à sua volta, numa mesa de restaurante: uma carnificina promovida por um grupo de ciganos. Ou a história do vendedor que, para impressionar um cliente, atirava moedas na rua como forma de demonstrar o quanto o restaurante perdia dinheiro porque não possuía uma de suas balanças.

 

 

Hrabal admitiu depois que sua fonte de inspiração foi, sem dúvida, a própria experiência que viveu como garçom num período de sua juventude. Antes de se formar em direito, o escritor trabalhou como escriturário, despachante de trem, carteiro, vendedor, operário de siderurgia, enfardador de papel usado, carpinteiro de teatro e extra em peças, além de garçom. Só publicou seu primeiro livro – a reunião de contos “A Pearl on the Bottom” – quando tinha 49 anos de idade, em 1963. No ano seguinte, saiu seu romance mais popular, “Dancing Lesson for the Advanced in Age”, nunca publicado no Brasil. Em seguida, saiu “Closely Watched Trains”, adaptado para o cinema por Jiri Menzel e vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 1966. O mesmo diretor filmou depois seu livro Cutting in Short” (1976).

 

 

Após o endurecimento do regime em seu país depois de 1968, Hrabal foi proibido de publicar em sua terra natal. Somente sete anos depois, voltou às livrarias tchecas, mas muito monitorado pela polícia. De 1976 a 1979, publicou sua primeira trilogia de memórias. Entre 1986 e 1987, saiu a segunda trilogia. Depois da Revolução de Veludo de 1989, vários de seus livros puderam ser publicados e reunidos em uma coleção que totalizou 19 volumes. Hrabal morreu em fevereiro de 1997, aos 83 anos, ao cair do quinto andar do hospital onde estava hospitalizado havia três meses para tratamento de problemas ortopédicos. Aparentemente, tentava alimentar alguns pombos que pousavam no parapeito, quando perdeu o equilíbrio. Não se descartou a hipótese de suicídio, cujos motivos aparecem ao longo dos seus livros. Por outro lado, morava no quinto andar de um prédio e falava para todos sobre seu temor em cair de uma altura daquelas.

 

 

Ao desaparecer da vida, Hrabal era consagrado como um dos grandes escritores tchecos do século XX. Somente no seu país, vendeu mais de três milhões de livros, um número bem expressivo. Seus textos foram traduzidos para 27 idiomas. Os romances e contos que criou falam sempre das relações entre pessoas, a maioria vinda das camadas sociais menos favorecidas. Ao mesmo tempo,  fazem oposições filosóficas sobre a vida e a natureza, com ricas descrições dos personagens, cheias de lirismo. O escritor gostava de ambientar suas narrativas em bares e locais de trabalho. Era um otimista sempre, até o fim. Por mais que sofram, seus personagens tão peculiares nunca perdem a alegria de viver. Consagrado pela crítica internacional, Bohumil Hrabal se impôs como autor original, que diverte mesmo ao tratar das mazelas da vida.

(Fonte: http://brasileiros.com.br/2013/12/40 – Colunas & Blogs – Biblioteca Maldita – Gonçalo Junior – 28/12/2013)

 

 

 

 

 

Bohumil Hrabal - (Foto: wiki.idnes.cz/Reprodução)

Bohumil Hrabal – (Foto: wiki.idnes.cz/Reprodução)

 

 

 

 

O baixinho que virou gigante

Bom humor, personagens amalucados e histórias reais fizeram do tcheco Bohumil Hrabal um grande autor

Nasceu em 1914, na República Tcheca. Formado em direito, trabalhou como escriturário, despachante de trem, carteiro, operário siderúrgico e carpinteiro de teatro. 

 

 

A exemplo da cidade de Praga, submetida ao Império Austro-Húngaro, invadida pelos nazistas, dominada pelos soviéticos e finalmente liberada, o escritor tcheco Bohumil Hrabal (1914-1997) passou por tudo na vida: foi despachante de trens durante a ocupação alemã, escriturário, carteiro, operário siderúrgico e carpinteiro de teatro. Morreu alimentando pombos da janela da clínica em que estava internado para se livrar de uma maldita dor nas juntas. Hrabal escorregou e voou do 5o andar. Ou se jogou. Personagens de seus livros, como observou um crítico sueco, costumam mesmo se atirar do 5o andar. Um final chaplinesco, típico de Hrabal, mas diferente da queda metafórica do baixinho Ditie, seu personagem no picaresco e delicioso Eu Servi o Rei da Inglaterra.

 

 

Hrabal ficou conhecido internacionalmente quando o cineasta Jirí Menzel conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro por Trens Estreitamente Vigiados, em 1967, baseado num livro autobiográfico, publicado dois anos antes. Nele, o escritor traça um paralelo entre o estupro do povo tcheco pelos nazistas e a progressiva desilusão moral de um jovem contaminado pela proximidade de colaboracionistas. Em Eu Servi o Rei da Inglaterra, a história, de algum modo, se completa. Ditie, o auxiliar de garçom, perde a inocência num bordel, segue à risca os conselhos do companheiro que serviu reis, casa-se com uma professora de ginástica nazista, transforma-se num rico proprietário de hotel com o fim da guerra e vai à bancarrota com a ascensão dos comunistas. O mundo de Ditie é, enfim, uma gangorra, mas o baixinho raras vezes consegue se manter nas alturas.

 
Por causa de suas parábolas políticas, Hrabal, que começou a publicar relativamente tarde, aos 49 anos, passou uma boa temporada no limbo editorial dos censores durante a ocupação soviética. A individualidade de seus personagens, sua incômoda independência ideológica e a franca exposição do ardente desejo sexual pelas mulheres custaram ao escritor a incompreensão dos burocratas. Ao mesmo tempo, 3 milhões de leitores tchecos não podiam estar errados e a crítica internacional não tardou a descobrir as razões de seu sucesso: autenticidade, humanismo explícito, bom humor e uma capacidade incomum de descrever a vida de operários resistentes à doutrinação política totalitária.

 

 

A literatura de Hrabal respira nos breves momentos de euforia libertária do povo tcheco, mas não procede a freqüente comparação crítica com o desbunde etílico de Jack Kerouac e Dylan Thomas. Ele, ao contrário, tinha uma inocência pagã, felliniana, de quem vê o mundo com olhos de criança. E, como um “eslavo autêntico”, foi uma criatura dominada por emoções. Sua descrição da lua-de-mel com a ginasta nazista é, ao mesmo tempo, engraçada e trágica. Desse relacionamento eugênico entre a valquíria alemã e o vira-lata que dormiu com todas as mulheres de Praga não poderia jamais nascer o fundador da Nova Europa. Pena que Jirí Menzel não tenha conseguido filmar essa história. Mas ele se vingou do produtor Jirí Sirotek, que passou o livro a um diretor mais novo: chicoteou-o em público numa estréia. Um genuíno amigo de Hrabal.

(Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca – Edição 223 – CULTURA – LIVROS/ Por ANTONIO GONÇALVES FILHO – 23/08/2002)

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