Benny Moré, considerado o maior expoente dos gêneros populares da música cubana.

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Benny Moré: “o máximo cantor da música cubana de todos os tempos”

Benny Moré (Santa Isabel de Las Lajas em 24 de agosto de 1919 – 19 de fevereiro de 1963), considerado o maior expoente dos gêneros populares da música cubana.

Nascido em Santa Isabel de Las Lajas em 24 de agosto de 1919, Benny Moré fez sucesso em Cuba a partir de 1953, quando entra para a orquestra de Bebo Valdés.

Pouco tempo depois, funda sua Banda Gigante, no estilo jazz band. Com a Banda Gigante ele chega ao ápice, comandando uma orquestra sem conhecer a técnica profissional. “Nunca estudei música. O que tenho é um grande ouvido e ponho nas coisas o ritmo que me corre no sangue”, dizia o maior mito da música cubana.

Benny Moré é o máximo expoente dos gêneros da música popular cubana. Ele inventou — não há outra forma de dizê- lo — uma maneira de cantar (dizer), sobretudo o som e o bolero, plasmada em uma discografia de inalcançável vigência… A elegante minúcia com que desgranava as frases, seu registro vocal, seu timbre sonoro, sua cor de voz, eram maravilhosos, além do natural domínio de sua garganta privilegiada, que passeava por extensões vocais pondo sal no ponto exato. Foi um artista orgânico e se já não tivéssemos o som, ele o teria
inventado.

A primeira pedra fundamental de todo o seu processo formativo encontramos em sua infância e adolescência trans.. corridas em comunidades -La Guinea, Pueblo Nuevo, Santa Isabel de Ias Lajas -do centro da Ilha, na antiga província de Las Villas, onde forte conglomerado de influências aborígenes, hispânicas, africanas, franco-haitianas e asiáticas se trançam em uma torrente de tradições populares. Toda uma cultura popular na qual o sincretismo sonoro se expressava em contínuos e envolventes ares rítmicos, melódicos, cadenciadas danças folclóricas que grudam no ouvido. Ali se forma sua medula vernácula: no ventre do som que, como no jazz, apresenta a mais interessante, a mais fascinante hibridação musical do século que terminou, ali nasceu -em seu duplo sentido – Bartolomé Maximiliano Moré, a 24 de agosto de 1919.

O rosário de povoados próximos entre si — Rodas, Cruces, Palmira, Santo Domingo, Esperanza, Ranchuelo, San Fernando de Camarones, Santa Isabel de Ias Lajas —, onde depois do duríssimo trabalho do campo no cultivo de frutos menores e a cana de açúcar, se juntam o carretillero do açúcar em saco, Ta Genaro e Ta Ramón Gundo com seus tambores no velho cassino dos congos, lucumis, ararás, a cantar ancestrais cantos da Terra, que deixam o negrinho criollo, Bartolo, boquiaberto o dia inteiro.

Sem uma relação entre o futuro Benny Moré e essa estremecedora cultura popular que ocorre ali, é impossível compreendê-lo.

Agora o compreendemos mais, assim como outros músicos cubanos geniais como ele -Caturla, Roldán, Lecuona, Bola de Nieve, Obdulio Morales, Arsenio Rodríguez, Chano Pozo -, nos tornam irrefutável que o aporte mais notório do africano na cultura cubana foi sua música.
É o menino mais inquieto do bairro de La Guinea: leva almoço para os operários, de madrugada se une. a trovadores que “vendem” serenatas, constrói rústicos violões, marimbas e maracas, faz sua primeira aventura habaneira puxando uma carroça de comida com seu tio Tomás, em 1936, na difícil capital.

Já arranhava algo no violão e, inclusive, com amigos seresteiros como José Luis Bolívar forma um conjunto, porém, a bem da verdade, o que se diz tê-Io conquistado para a música de verdade foi provar sua vocação com o Conjunto Avance de Horacio Landa, Enrique Benítez -seu primo e amigo de sempre -e José Cheo Casanovas, durante a breve estada que faz na camagueiana Vertentes (e logo já estará com Virginia, sua querida vieja). Com Benítez e Landa aprende muito, o mesmo com Israel Castellanos, mas a música é profundamente transformadora e exige olhar em frente sem temer o desafio de novas alturas e distâncias, por isso, ele, que é guiado por deuses negros e brancos no caminho da arte de Euterpe desde que viu a luz, avança um passo e outra vez está em Havana.

Desempenha com boa vontade qualquer ofício, está formado na dura luta pelo sustento diário e a extrema pobreza (em casa são dezoito irmãos), mas, lá atrás, a infância rigorosa, a escassa instrução (abandona a escola no quarto ano primário) que compensa sempre com um decidido sentido prático; porém, ele é um músico absoluto e se deixa levar pelo que a música ordena: avançar sempre.

Daqui de Havana não partirá mais ainda que o matem. Para que bairro mudará em seguida? Pueblo Nuevo, naturalmente, onde qualquer negro velho é um doutor dos tambores, um músico que derrama sabedoria, onde son, guaracha, macuta, mursundí, rumba, guaguancó, trova, estão na ordem do dia, onde em qualquer casa há um bongô em algum canto.

Uma Havana onde o rádio tem um enorme poder e é dono e senhor do ambiente musical, nesses anos 1940 que são de grande recuperação em todos os sentidos e a música cubana – como o tango na Argentina — vive seu momento mais próspero em toda a América Latina. As orquestras se fazem numerosas: Antonio María Romeu, Típica de Everardo Ordaz, Lecuona Cuban Boys, América de Mondéjar, Anacaona, Radiofónica de Arcafio, Casino de Ia PIara, Hermanos Castro, Cosmopolita de Neno Valdés, Belisario López, Ideal de Joseíto Valdés, Gris, Melodías deI 40, Cheo Belén Puig, Riverside e acorrem às exclusivas emissoras de rádio, clubes, cabarés etc. Diante delas os cantores vão ganhando preponderância: Barroso, Miguelito Cuní, Paulina Álvarez, Miguelito Valdés, Esther Borja, Vicentino Valdés, Barbarito Diez, Roberto Espí, René GabeI, Orlando Vallejo, Roberto Faz, Joseíto Fernandez, Fernando González, Orlando Cascarita Guerra, alga Guillot, Celia Cruz, Celina y Reutilio, Reinaldo Henríquez, Tito Gómez, Chanito Isidrón, Hermanas Lago, Radeúnda Lima, René Márquez, Hermanas Martí.

São os anos 40 e inícios de 50 do século XX com os intentos renovadores fecundíssimos Arcano e os López, Arsenio Rodríguez, Bebo Valdés, Pérez Prado, Machito e Mario Bauzá, Chano Pozo, Jorrín —, os rapazes do filin — José Antonio, César, Nico, Rosendo, Nino Rivera —, charangas,jazz bands, conjuntos soneros, danzoneras, punto guajiro, dão-se as mãos em programas de rádio ao vivo e o nível musical médio que se difunde é alto (os compositores têm campo para tornarem conhecidas suas obras — embora muito mal pagas e, inclusive, saqueadas — com apego às formas mais dançantes)… Nessa atmosfera viva e vibrante, chegava o jovem Bartolomé Maximiliano Moré e logo é devoto habitué das RHC Cadena Azul de Amado Trinidad, que tem a Havana Casino e outras bandas que Benny adora, contratadas, também é visto na Corte Suprema da CMQ (Monte e Prado), na COCO, na CMCK — de Luis Casas Romero — e quando vai ao ar a Mil Diez, nem se fala: na nova emissora, aberta aos filhos do povo com aptidões, com vocação artística, pode potenciar seus dotes.

Ali estava, na emissora do povo Mil Diez, cantando com o Sexteto Cauto de Mozo Borgellá quando se dá esse choque de baionetas: o encontro entre Matamoros e Bartolomé Moré (“Escuta, rapaz, Bartolo é como eles chamam os burros no México, muda esse nome”, lhe diz o pícaro Miguel).

“Gostei da voz dele, ele a manejava às mil maravilhas e fazia com ela o que lhe desse na telha” — diria anos depois o autor de “Son de Ia Loma “.

Com o Conjunto Matamoros, obviamente, aprende muito, amplia o repertório, e se liga a autênticos representantes do son e da guaracha orientais. Também grava seus primeiros discos: “La Cazuelita “, “La Reina de mi Bohío”, “Seré Dichoso”, “Qué Será Esto” e pela mão dos famosos santiagueros vai ao México… Quem diria: meses antes, perambulando por bares e cantinas com o violão e seu desejo.

À terra azteca vai com a precária preparação técnica, mas, também, com sua genial condição natural— mãe de seu estilo caracterizado pelos relevos deslumbrantes. É o momento em que Havana, Nova York ea Cidade do México são cenários dos diversos estilos orquestrais que ganharão avassaladora representatividade.

Leva também essa rica acentuação rítmica que lhe vinha do son, flexível, ágil… E entusiasmado com éf arte e a vida, apaixonado, autocrítico (“não, parceiro — disse a seu amigo José Antonio Méndez —, a mim o filin não pega”), cumpre ali uma etapa fabulosa de transição criativa à sombra de uma fabulosa constelação de estrelas e locais consagradores como a cobiçada XEW, o cabaré — de luxo — Río Rosa, formando o Dúo Fantasma com Lalo Montané, com quem inicia (graças a Rafael de Paz, então diretor da RCA Victor) aquelas joias que logo passam ao catálogo: “Mucho Corazón” (Enma Elena Valdelomar), “Encantado de Ia Vida” (Justi Barreto), “EnsaIada de Mambo” (Benny), “A Medianoche” (Pablo Cairo), e continuou o copioso material fonográfico ao lado de orquestras como as de seus compatriotas Mariano Mercerón: “Me Voy pal Pueblo” (Mercedes Valdés), “Desdichado” (Benny), “Ya Son Las Doce” (Juan Bruno Tarraza), “Las Posadas” (Mercerón), e a orquestra de Arturo Núnez (na qual trabalhou cinco meses) e essas outras delícias levadas ao disco com Dámaso Pérez Prado: “Dolor Carabalí” (tema de Benny inspirado nos velhos carabalíes de sua Santa Isabel de Ias Lajas), “Pachito e Che” (Alegro Tovar), “Batiri” (Benny), “Qué Te Pasa” (Justi Barreto), “Romper el Coco” (Otilio Portal), “Rabo y Oreja” (Justi Barreto), “Barabrabati” (AntarDaly), “Bonito y Sabroso” (Benny).

Na cidade de Los Palacios, em 1950, Benny Moré já é o intérprete espetacular de bolero, son e guaracha que tanta celebridade havia conquistado no Panamá, Colômbia, Venezuela, Haiti, Brasil, Porto Rico, colônia latina de Nova York e, claro, no próprio México e Cuba. Esse é o ano do comovido regresso do cantor à sua terra, aos seus, à Havana que o esperava para lhe fazer justiça e à qual regressou após um breve parênteses em Santiago com Mercerón, com quem também atou excelentes laços de amizade e trabalho. Tem a cachimba (a voz) no pináculo do êxito e a fama (não foi casual que a tenha alcançado tão rápida) e o personagem Benny Moré, encarnado por Bartolomé Maximiliano, pede mais, um passo a mais para chegar ao proscênio onde o esperam Euterpe, Eros e Tânatos para o apoteótico encerramento.

Já está em sua Havana adorada (ai, Tânatos se adiantou e o deus sonero não teve tempo de cantar ao mar habanero, o Muelle de Luz que lhe tinha guardado Ramón Cabrera) e logo de intensas jornadas preparatórias na Radio Progreso (outro reino seu) com Ernesto Duarte, CMQ, RHC Cadena Azul (Prado 53 altos), cabarés Ali Bar, Sierra, Montmartre, Tropicana, Salones de Ia Tropical e La Polar, em 1953, aquela orquestra tão sonhada começa a tomar corpo sonoro (em Infanta e Pedroso são os ensaios) com a tribo: Ignacio Cabrerita Cabrera (pianista e arranjador), Miguel Franca, Santiago Penalver, Roberto Barreto e Virgilio Vixama (saxofones); Alfredo Chocolate Armenteros (buscou a maioria dos músicos), Rigoberto Jiménez e Domingo Corbacho (trompetes); José Miguel (trombone), Alberto Limonta (contrabaixo), Rolando Laserie (bateria), Clemente Chicho Piquero (bongô), Tabaquito (tumbadora), Fernando Álvarez e Enrique Benítez (coro).

Na cena dominam conjuntos de se tirar o chapéu: Riverside, Conjunto Casino, Hermanos Castro, Sonora Matancera, Chapottín, Fajardo y sus Estrellas, Arcano, América, Aragón, Melodías deI 40, e para que continuar… Mas ele, escolhido pelos deuses — brancos e negros — para possuir
fundamentos harmônicos e misteriosos desenvolvimentos melódicos, ele, que tinha o dom de imprimir à interpretação uma acentuação sumamente pessoal, ele, dono da sabedoria de bifurcar o sentido cantável das melodias com a necessidade essencial de sua arte interpretativa — o dançante — sabia como diferenciar sua banda das demais orquestras e, nessa combinação timbrística, encontrou o melhor esquema sonoro para propor todas as possibilidades interpretativas da música popular cubana… “Nunca estudei música — explicou o próprio. O que tenho é um grande ouvido e ponho nas coisas o ritmo que me corre no sangue”.

Sua banda debuta a 3 de agosto de 1953 no estrelado Cascabeles Candado da CMQ Radio e, desde essa data até quase o dia de sua morte (19 de fevereiro de 1963), viveu em apoteótico triunfo, cantando praticamente todo dia, em muito pouco tempo coloca trinta e três temas no primeiro lugar da popularidade e “as pessoas iam aos bailes” — diz seu “irmão” e compadre Fernando Álvarez — “e não dançavam, se satisfaziam em olhar aquele espetáculo de Benny e a orquestra “.

Sim, a mesma loucura — eu o vi na Colonia Espafiola de Pinar deI Río duas vezes —, aquela banda advinhando, em uníssono, com um gesto do Benny, que tinha que aumentar o ritmo, repetir a passagem e esquentar para um desfecho colossal, escandaloso, que o público esperava com o coração na boca.

Com Benny Moré se pode arriscar uma certeza: foi o máximo cantor da música popular cubana de todos os tempos. Ele encerrou a questão, e quebrou a fôrma. Porém, se a importante contribuição do Bárbaro do Ritmo fosse pouca, resta agre- gar que em um lugar sereno e justo dentro do grande panorama da música latinoamericana, o nome de Maximiliano Moré ocupa um primeiríssimo plano de eterno reconhecimento.

(Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia – MUNDO – 27 de maio de 2011)

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