Benedetto Croce, historiador, escritor, filósofo e político italiano.

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Benedetto Croce (Pescasseroli, 25 de fevereiro de 1866 – Nápoles, 20 de novembro de 1952), historiador, escritor, filósofo e político italiano.

Benedetto Croce trouxe questões e problemas que são fundamentais para os debatesepistemológicos sobre a natureza e a escrita da história. Sua primeira abordagem do tema foi oensaio de 1893, La storia ridotta sotto il concetto generale dell’arte, que gira em torno de umadicotomia entre o conhecimento como ciência e o conhecimento como arte, elaborando umadefinição de arte que inaugurou o processo de construção da sua teoria do conhecimentohistórico. As idéias apresentadas em 1893 foram desenvolvidas na Estetica, de 1902, na Logica,de 1909 e naTeoria e storia della storiografia, de 1916, mantendo sempre o pressuposto da distinção fundamental entre o conhecimento histórico e o conhecimento científico, e foram apresentadas em sua forma final no La storia come pensiero e come azione, em 1938.

Croce foi um crítico da cultura européia do século XIX, das concepções de história que ainspiraram, da doutrina do progresso, das teorias da história de seus filósofos e da sua concepçãode arte, declarando que, apesar da alardeada historicidade da época, havia pouco senso“histórico”. Sustentava que a história era filosofia e a filosofia era história, e não se podia fazeruma sem a outra. Daí ser necessário elucidar a natureza da filosofia e da história, estabelecendoas distinções entre elas, para então combiná-las de modo a produzir uma visão de mundo maisplena. Com isso, defendia que o conteúdo concreto da filosofia era histórico, assim como a formadas proposições históricas tinha de ser suprida pelas categorias filosóficas. Os objetos queocupavam o campo histórico tinham de ser apreendidos por percepções preconceptuais, intuitivasou artísticas, com as quais os historiadores lidavam a partir de métodos filológicos para a críticados documentos. Em outras palavras, o conhecimento histórico começava na apreensão artísticadas particularidades históricas e, nesta primeira fase, o método era o da arte. Mas a históriaprosseguia emitindo julgamentos sobre a natureza das particularidades discernidas no campohistórico. Neste ponto Croce segue Kant, dizendo que os juízos da história são os juízos sintéticosa priori, i.e., movem-se nos termos dos conceitos gerais explanados na filosofia, não sendo,portanto, declarações unidas a leis causais gerais, que o cientificismo presumia governarem asrelações entre os objetos pressupostos pela intuição.

Diante das respostas insatisfatórias de sua época, que procuravam solucionar acontrovérsia entre as diversas maneiras de interpretação da natureza da história, começouesclarecendo a idéia de arte. Tendo como premissa que a arte não é um meio de obtenção doprazer sensório, nem uma simples representação da natureza, nem a construção ou a apreciaçãode sistemas de relações formais que, à época, eram as três vertentes de interpretação da arte,define que a arte é a visão intuitiva individual e não uma mera atividade emocional, mas umaatividade cognitiva. Com isso, Croce amplia a idéia de conhecimento para além do âmbitocientífico. E o conhecimento histórico começava por uma apreensão estética do campo histórico eterminava numa compreensão filosófica do mesmo. A classificação da história entre as ciências era proveniente, segundo Croce, de duasfalsas crenças: a de que todo conhecimento tinha de ser conhecimento científico e a de que a arte não era um modo de cognição, mas simplesmente um estimulante ou um arrefecedor dossentidos.

Croce usa a visão clássica da ciência, cuja tarefa seria elaborar conceitos gerais edescobrir a relação entre eles. A história, por sua vez, lida com os fatos concretos individuais. Eaquilo que se chamainvestigação das causas dos fatosseria simplesmente a observação rigorosados próprios fatos individuais, apreendendo as relações entre eles. Croce afirma que há dois tiposde cognição que divergem em seus métodos, um generalizante e conceitual e o outroindividualizante e intuitivo, dizendo que o primeiro é ciência, o segundo é arte. E afirma que adefinição da história como um conhecimento descritivo é umacontradictio in adiecto, pois se otermodescritivopode ser usado para a análise generalizante que a ciência faz de seu objeto,visando reconhecê-lo para compreendê-lo como exemplo de uma lei geral, a história nãocompreende o seu objeto:contempla-o. Com isso, Croce abala um pressuposto da época:considerar a arte não como uma forma de conhecimento, mas como uma “expressão do” ou“reação ao” mundo. Em linhas gerais, a arte era considerada como um registro da realidade oucomo uma fuga da mesma. Croce investe contra ambas as opiniões: a arte surge como umaatividade cognitiva, um tipo de conhecimento do mundo em sua particularidade e concretudeabsolutamente distinto do conhecimento conceitual proporcionado pela ciência.

Para desenvolver sua tese, Croce teve que demonstrar que a arte era um conhecimentonãoconceptual, um conhecimento do mundo em sua particularidade e concretude, apresentando ahistória como umexemplumdeste conhecimento. Em seguida distinguiu a história da arte emgeral, com base no conteúdo das suas representações. O conteúdo da arte éa realidade em geral até o ponto em que a realidade suscita interesse por várias formas, intelectuais, morais, religiosas, políticas e pelas formas estéticas propriamente ditas. (CROCE, 1945:33).

A definição croceana do conteúdo da arte se liga à máxima:nada de humano me é estranho, enunciada em outras palavras. É desta forma que o conteúdo da arte e o conteúdo doconhecimento humano se reduzem ao mesmo. Daí ser historicamente interessante aquilo querealmente aconteceu, i.e., oreale não o possível, oatoe não a potência, em um aristotelismoexplícito até na terminologia. A história, então, é definida comoa representação do queefetivamente aconteceu, em contraste com a representação do possível(CROCE, 1945:35).Ao artista é lícito projetar, com base na sua imaginação, o mundo de eventos possível, empotência, que poderiamter acontecido ou que poderiamainda ocorrer. Para o historiador, a representação dos eventos se limita aorealmente acontecido. Certamente o artista tem derespeitar certos critérios de verdade ou de verossimilhança, mas esses critérios são encontradosnaquilo que a imaginação lhe permite visualizar. O historiador, ao contrário, se guia por critériosde verdade em seu empenho de representar o real. O seu principal risco, após o anacronismo, é aespeculação infundada, para além dos fatos contidos nos registros dos acontecimentos. Sua tarefaé a representação do real, e a triagem e crítica dos documentos é propedêutica do seu principalobjetivo: a narração. A seleção, a crítica e a interpretação correspondem aos esboços de umartista, que não podem ser chamados deobras de arte.Sem a narrativa, não há historiografia. Oshistoriadores não se destinam aexplicar o real, mas sim arepresentá-lo.

A partir de 1893, Croce continuará a afirmar que a arte é uma forma de cognição e que ahistória está subsumida no conceito de arte. Mas o desenvolvimento de suas teses torna cada vezmais claro que, se a arte em geral era a representação do possível e a história a representação doreal, devia haver algum critério que guiasse o historiador na escolha entre o possível e o real. Ahistoriografia cientificista afirmava que esses critérios eram garantidos pelos documentos. Masum literato podia lidar com os documentos, sempre fragmentários, tão bem quanto o historiador,preenchendo as lacunas da narrativa com a sua imaginação. E mais importante: o historiadortambém desejava que sua narrativa fosse íntegra, e não fragmentada, que fosse consistenteinternamente e agradável. Devia haver, então, algum meio de, mesmo diante da ausência devestígios, o juízo histórico poder se firmar. Em suma, o juízo histórico exigia uma teoria darealidade, uma filosofia da história adequada, poissem o elemento lógico, não é possível afirmar nem mesmo a mínima coisa, o caso mais vulgar, pertinente à nossa vida individual e quotidiana (CROCE, 1947:184).Em sua época havia dois modos de se lidar com a questão: o materialismo em sua formamarxista e o idealismo em sua forma hegeliana. Ambos ofereciam filosofias da históriaarticuladas, que forneciam critérios pelos quais o historiador podia atribuir um sentido preciso auma seqüência de eventos históricos. Ambos pretendiam ir, com seu aparato conceitual, além dopositivismo de dizer apenaso que aconteceu, permitindo dizer porque aconteceu, para queaconteceueo que prenunciavapara os seres humanos.Dada a tese croceana de que a história é uma apreensão intuitiva da realidade em suaindividualidade e concretude, torna-se claro porque ele não podia aceitar na íntegra as filosofiasda história de Hegel e Marx, o que não corresponde a dizer que se podia ignorá-las. Hegel e Marx encaravam a história como atividade cognitiva, mesmo que não reconhecessem nela uma formade arte. Nietzsche, por sua vez, reconhecia a história como arte, mas não a reconhecia como umaforma de cognição. Logo, era necessária uma crítica ao aparato conceitual do idealismo e domaterialismo, dada a sua forma restritiva de ver a história. Era necessário buscar umavia media para estabelecer os fundamentos da expressão dos juízos históricos. Para tal, Croce tratará dateoria estética, a fim de dar à história bases conceituais sólidas.Croce abriu uma via fértil para os teóricos e historiadores do século XX, ao proclamar quetoda história é contemporâneae quehistória é arte…. a necessidade prática, que está no fundo de cada juízo histórico, confere a cadahistória o caráter de história contemporânea , pois, por remotos ou remotíssimos quecronologicamente nos pareçam os fatos que admitimos, a história, em realidade, semprese refere à necessidade e à situação presentes, nas quais os fatos propagam suareverberação.(CROCE, 1939:5)Croce refuta a afirmação de que o que faz da história uma arte é somente o textohistoriográfico, quando apresenta um discurso envolto em boa prosa, e que, por ser uma forma deconhecimento, a história seria uma ciência. O senso comum identifica ciência e conhecimento.Mas a ciência opera através de conceitos e estabelece leis gerais, e onde não há o estabelecimentode leis não há ciência rigorosamente falando. Para ele, a história é apresentação da realidade enão uma abordagem científica da mesma, pois não lida com leis gerais.

Na Estetica, Croce declara:A história não busca leis nem forma conceitos; não empregaindução nem dedução(…)não constrói universais e abstrações, mas enuncia intuições (1970:40). Esta declaração não significa afirmar que os historiadores prescindem de conceitos. Sópor meio de conceitos podemenunciar intuições, construir proposições sobre os eventos queocorreram no passado, isso porque o historiador tem de empregar uma linguagem, o discurso emprosa, para exprimir os seus enunciados. Deste modo, o historiadorusaos conceitos lingüísticospara caracterizar seus dados e construir sua narrativa ou, nas palavras de P. Veyne,tecer suaintriga(1984). Na Estetica,Croce esclareceu que tal uso não significa formular conceitos,construir universais ou abstrações. Pretender que o historiador crie leis, ou declarações geraiscompreensíveis universalmente, seria tanto interpretar mal a natureza do conhecimento histórico,quanto revelar uma profunda incompreensão da natureza da linguagem.

A faculdade intuitiva indispensável à pesquisa dos dados e à análise crítica dosdocumentos condiciona a exposição dos resultados na narrativa do conhecimento inferido, sendonecessário intuir o fato em seu contexto para poder exprimi-lo, fixá-lo na palavra e lhe conferiratualidade, tornando o passado efetivo na vida presente. Daí a força artística que o historiadordeve possuir e pela qual identificamos os verdadeiros artistas. É importante ressaltar que a tese croceana da história como forma de arte e da arte comoforma de expressão e de conhecimento, implica diretamente o aspecto “lingüístico” da arte. Isso significa que, para Croce, a lingüística fornece o modelo do que chama de arte e, se a história éuma forma de arte, segue-se que a lingüística fornece o modelo do que entende por conhecimentohistórico. A teoria croceana da linguagem situa-se, então, no centro de sua teoria doconhecimento histórico. Cada nova obra artística, filosófica e histórica é uma redefinição de todasas obras que a precederam, uma complementação do nosso conhecimento do que é possível aoespírito humano imaginar. E nesta combinação de arte e filosofia que é a história, através da qualas intuições são tratadas sob as categorias do provável ou do verossímil, o mesmo se aplica. A diferença entre a obra de arte e a de historiografia reside no fato de a história se interessar peloque realmente aconteceu, e de as narrativas históricas serem expressões de intuições derealidades, ou de realizações, o que exige uma sintaxe própria, i.e., um conjunto de regras dodiscurso corrente da época e do lugar a que o historiador pertence.O historiador, então, se depara com uma realidade teórica formal (o conjunto de conceitose modelos explicativos), uma realidade histórica (o discurso interpretativo) e uma realidadedocumental (os fragmentos de representações). A tarefa do historiador é transitar por estes trêsníveis de representação do real e, através da crítica histórica, estabelecer as relações entre eles. Oprocesso histórico é uma construção discursiva dos historiadores e a construção e validação desuas hipóteses depende das relações de coerência estabelecidas entre teoria, historiografia edocumentação.

O documento, seja literário, iconográfico, arqueológico, etc, não é um fatohistórico: o historiador dele se serve para recolher informações que são pertinentes às questõesrelativas à realidade que quer compreender. Croce demonstrou, em sua Estetica, que o historiadorparticipa na seleção e montagem do material historiográfico, e interfere no processo histórico. Ohistoriador opera a síntese entre objetividade e subjetividade. O pensamento histórico édefinitivamente desligado do gênero de operações tipológicas que associamos às ciências sociais, por um lado, e do tipo de análises nomológicas, que associamos às ciências físicas por outro. ParaCroce, todo pensamento é história e história é arte.A partir de Croce, os historiadores concordam que as narrativas históricas têm características interpretativas irredutíveis. O historiador deve interpretar a suamateria prima, afim de construir o padrão que o levará às imagens em que se reflete a forma do processo histórico, mesmo sendo o registro histórico complexo. Existem mais fatos registrados do que um historiador pode incluir na sua representação narrativa de um dado processo histórico. No empenho de representaro que realmente aconteceu, o historiador necessariamente inclui em sua narrativa um relato de um evento, ou eventos, que não apresentamos fatos que poderiam permitir uma representação plausível de sua ocorrência. Isto significa que o historiador precisa interpretar criativamente o seu material,reinvocando a experiência humana e preenchendo as lacunas das informações da sua documentação, a partir de inferências ou de especulações diversas (CROCE,1939:105). A narrativa histórica é, assim, umasatura lanxde eventos representados, fatos estabelecidos e inferidos, uma representação que é uma interpretação e uma interpretação que étomada pela reinvocação de todo o processo refletido na narrativa. Como Croce, os teóricos dahistória das mais diversas vertentes tendem a admitir que a história é interpretação, e que ainterpretação é a própria alma da história, e persiste a querela eterna de se as narrativas históricas podem ser qualificadas de relatos objetivos da realidade (algumas correntes buscam dotá-las deum rigor científico). Nas últimas décadas, os teóricos têm tentado esclarecer ostatus epistemológico das representações históricas e Croce tem muito a lhes dizer.

A validade da narrativa é um problema recorrente na tradição historiográfica. A questão instaurada pelas críticas pós-modernas sobre a relevância da narrativa é um problema desde o Lastoria…, e vem sendo respondida de várias maneiras. M. Foucault, e.g., defendia asmicronarrativas, as narrativas daqueles que não eram atores principais da grande narrativa datradição. A forma do discurso historiográfico é condicionada pelos interesses dos autores, cujoconteúdo não é a realidade, mas a significação desta realidade para eles e para os outros. Emsuma, a história vem sendo vista como a realidade externa que jamais pode ser perfeitamente representada no discurso textual, assim como a historiografia é limitada pela existência dahistória, da tensão entre razão e desrazão, características da visão da história de Croce.Croce está na origem do atual modelo narrativo da história ao situar este tipo deconhecimento na arte, especificamente na operação cognitiva que denominouintuição artística.

(Fonte: Veja, 8 de fevereiro de 1978 – Edição n° 492 – LITERATURA/MEMÓRIA – Pág; 30)
(Fonte: http://independent.academia.edu/PatriciaHorvat/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Filosofia)

BIBLIOGRAFIACROCE, B. La Storia come pensiero e come azione.Bari: Laterza, 1939._________. Estética, Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1970._________.Teoria e storia della storiografia.Bari: Laterza, 1945._________. Logica. Bari: Laterza, 1947.ANTONI, C.Commento a Croce.Venezia: Neri Pozza Ed.1956.BONETTI, P. Introduzione a Croce, Bari: Laterza, 1984.FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995.VEYNE, P.Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 1984. HORVAT, P. . A História como Arte em Benedetto Croce. In: XXIV Simpósio Nacional de História -História e Multidisciplinaridade: território e deslocamentos, 2007, São Leopoldo. Anais do XIV SimpósioNacional de História – História e Multidisciplinaridade: território e deslocamentos. São Leopoldo :ANPUH-UNISINOS, 2007. v. 1.

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